sábado, 25 de janeiro de 2014

Grande dama cristã

Ao lado de suas muitas e edificantes qualidades de alma, reluzia em Dª Lucilia uma firmeza irredutível na defesa dos princípios católicos. Com efeito, se alguém os ferisse de algum modo, ela se colocava numa posição mais ereta, parecendo até aumentar de estatura, e, sem perder a afabilidade, com tom de voz sempre calmo, logo atalhava:
— Não!... Isso não pode ser assim... — e punha os pingos nos “is”.
Dr. João Paulo
Dr. João Paulo, pernambucano dos mais genuínos, tinha um temperamento muito ameno. No dizer de Dr. Plinio, era o homem mais pacífico que conhecera. Seus longos anos de vida conjugal com DªLucilia transcorreram na mais perfeita harmonia. Quando presenciava uma atitude mais enérgica dela, dizia ao filho, a meia-voz, numa jocosa alusão a certo sangue herdado por ela de remotos antepassados:
— Ih!... Esta senhora espanhola!... No trato com a esposa, Dr. João Paulo era sempre muito atencioso. Tinha uma voz sonora, de timbre agradável, e seu riso saudável era ouvido à distância. O ambiente afrancesado à paulista que Dª Lucilia criava em torno de si, formava um conjunto harmônico com a nota pernambucana e portuguesa, contributo de seu esposo.
O vaso de cristal
Evidentemente, nos momentos de aflição de Dr. João Paulo, a bondade sem par de Dª Lucilia se voltava de modo especial para ele, com o desvelo de quem sabia penetrar no mais interno do sofrimento de uma pessoa e ali colocar uma gota de suavizante bálsamo.
Uma tarde, ao voltar do trabalho, Dr. Plinio encontrou seu pai sozinho no salão, com ar muito triste. Cumprimentou-o como sempre: — Boa tarde, papai, como vai o senhor? — Bem, obrigado — respondeu Dr. João Paulo melancolicamente. Seu filho, sem poder atinar com a razão de tal atitude, dirigiu-se ao quarto de Dª Lucilia, onde a encontrou recostada e rezando. Ao vê-lo entrar, ela lhe fez um sinal com o dedo para falar baixo e pediu que se sentasse perto dela. Em seguida lhe disse num tom compassivo: — Filhão... Você viu como o pobre de seu pai está aborrecido? Esbarrou, sem querer, no seu magnífico vaso de cristal da Boêmia1, que caiu no chão e se despedaçou.
— Meu bem, papai quebrou o vaso de cristal?! — perguntou Dr. Plinio entre surpreso e penalizado, pois apreciava muito aquele objeto.
— Sim, mas ele está sofrendo muito... Bastaria uma palavrinha sua para fazer cessar a aflição dele. Você faria isso por sua mãe?
Dr. Plinio, em qualquer circunstância, perdoaria de bom grado a seu pai, e um mero vaso de cristal, por melhor que fosse, era muito pouco para ser causa de tanto pesar. Diante da afetuosa súplica de Dª Lucilia, dirigiu-se imediatamente ao lugar onde estava Dr. João Paulo a fim de tranquilizá-lo e, sorrindo, disse-lhe que não se preocupasse, pois o acidente, aliás todo involuntário, não tinha importância. Suas palavras distenderam de imediato seu abatido pai, que recuperou o habitual bom humor.
Manifestações de afeto de Dª Lucilia, como esta, excediam de muito os limites do lar. Se até em relação a desconhecidos sua compaixão se fazia sentir tão viva quanto mais com os seus familiares, próximos ou até longínquos.
Visita inesperada
Certo dia estava Dª Lucilia à mesa, em meio a uma refeição, quando uma parente distante, a quem as provações da vida haviam desalentado a fundo, tocou a campainha do apartamento.
A empregada, tendo atendido à porta, veio pouco depois anunciar que estava ali Dª Fulana, querendo falar com Dª Lucilia. Esta, conhecendo as tribulações pelas quais passava aquela pessoa, interrompeu o almoço e foi solícita até o hall de entrada, acolhendo-a com grande afabilidade.
— Oh! Fulana, como vai? Entre por favor... Convidou-a a passar para a sala de jantar, ofereceu-lhe um lugar à mesa e colocou-a inteiramente à vontade. Era tal a confiança inspirada por Dª Lucilia que daí a pouco a visitante se animava a expor suas dificuldades e dores. Recebeu dela — como esperava — todo o consolo e estímulo para prosseguir, confiante na Providência Divina, pelas ásperas sendas da vida.

Mais uma vez, um conselho saído dos lábios de quem seguia a lei de misericórdia do Divino Mestre, constituiu poderoso auxílio a uma pessoa atribulada pelos reveses da vida. Este modo de proceder, no conjunto das virtudes de Dª Lucilia, era mais um ponto de resistência em relação aos desvios morais de seu tempo. Pois o mito do sucesso levava muitos de seus contemporâneos a afastar-se com menosprezo de quem era atingido pelo infortúnio, como se este fosse uma lepra cuja mera proximidade pudesse contagiar... 
1) Uma fina peça, presente de Dr. Plinio a sua avó, Dª Gabriela
Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de Mons. João S. Clá Dias

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