segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Incólume tabernáculo interior - VII

Continuação dos posts anteriores
Afagos que desfazem um penteado
Quando ela morreu, lembro-me de que chorei até em altos brados. Depois entrei para o meu quarto a fim de fazer a toilette e começar a vida. Recordo-me até de que me deitei na cama para fazer um curativo no meu pé, que tinha sofrido uma amputação. De repente, uma alegria tomou conta de mim, sem nenhum propósito, e passei o dia inteiro sereno. Triste, evidentemente, mas calmo. Eu tinha resolvido ir, no dia seguinte, a uma fazenda de amigos meus, para espairecer um pouco. Meu médico, que estava em São Paulo, resolveu tirar minha pressão para ver se, com a emoção da morte, não tinha levado algum abalo, o que seria normal. Ele mediu a pressão e notou que tinha subido de um grau só, o que é completamente irrelevante. Por causa do dia tranquilo, sereno, que passei.
Eu poderia contar cem coisas, em todas as idades.
Por exemplo, lembro-me de que quando fizeram a inauguração do Teatro Municipal em São Paulo, mamãe — como todas as senhoras da sociedade paulista— deveriam vestir-se de grande gala. Ela, então, mandou fazer um vestido fino.
Para a criança, ver a mãe vestida de gala é um acontecimento. E Rosée, muito viva e inteligente, um pouquinho mais velha do que eu, compreendeu logo que não podia abraçá-la e beijá-la sem certa proporção. O temperamento feminino é mais intuitivo para isso. Ela beijou e abraçou mamãe, com cuidado.
Depois chegou minha vez...
Mamãe usava os cabelos longos, e os tinha arrumado especialmente para aquela ocasião. Com meus agrados, comecei a desfazer todo o penteado.
Os circunstantes falavam:
— Lucilia, diga para ele parar, porque estraga seu penteado!
E ela, me afagando, dizia:
— Filhinho, etc....
Sem me dar conta, pus aquilo tudo em desordem. Ela, entretanto, não consentiu em que me fizessem cessar. E a ouvi dizer em certo momento: “Nunca farei cessar um agrado de meu filho.”

Alguém afirmará: “Não é um martírio ter que refazer um penteado.” Mas é muito desagradável. Depois, não custava nada dizer: “Meu filho, agora não...” Entretanto, o princípio foi mantido: “Nunca farei cessar um agrado de meu filho.”
Continua

Nenhum comentário:

Postar um comentário