sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Bondade, doçura e respeito aveludados III

Continuação dos posts anteriores
Luta de amor
Por causa disso, toda a nossa vida afetiva toma um caráter de salvação religiosa para efeito de conseguir que o outro se eleve, e nada mais do que isso. Donde o nosso convívio acaba sendo, em última análise, um contínuo convite para que o outro seja melhor.
Entretanto, isso não é uma coisa impessoal. Queremos bem a determinadas pessoas por causa da possibilidade que elas têm de se assemelharem de tal maneira ao Divino Salvador. São “rascunhos” de Nosso Senhor Jesus Cristo que amamos na medida em que o rascunho é melhorável, adaptável e que pode chegar a um certo resultado.
Pode acontecer encontrarmos uma pessoa que odeie isso. Há graus de ódio em que, embora não se possa dizer propriamente que a pessoa esteja condenada, segundo as vias normais da graça ela estaria perdida. E nela nada disso reluz. Aí nasce a incompatibilidade e a batalha inexorável — também levada por esse amor — contra quem está perdendo almas. Não só, nem principalmente, no sentido de que a pessoa está levando almas para as dores infinitas do Inferno, mas porque ela está extinguindo aquela luz na alma de outro. É uma espécie de deicídio que é feito. E esse “deicídio” leva-nos, então, à luta.
E daí esta luta ser, de algum modo, dulcíssima, porque é uma luta de amor. Porque mesmo quando ataca aquele que está se diferenciando, ela tem por efeito aproximá-lo. Investe contra o mal que está nele como o médico ataca o câncer que se encontra dentro do doente. Quer dizer, é para salvar o enfermo. E, debruçado sobre o doente, perguntando: “Você não sara?!” É este o sentido do combate.
O mais entranhado e generoso grau de amor
Há, às vezes, almas que fazem Nossa Senhora esperar. No Purgatório terá de haver acerto de contas sobre isso, mas para efeito da salvação Ela tolera, muitas vezes, a demora dessas almas. E quer que as resgatemos, obtenhamos-lhes o perdão, esperando, também nós, por elas. E se eu espero vinte anos que alguém se emende, estou ajudando-o a conseguir a emenda.
Daí nasce um afeto feito de alegria e de esperança, que contém em si um grau de amizade, de paciência, de perdão e, muito mais do que isso, um grau de intercompreensão, desde que a pessoa me compreenda também. Ela representa um aspecto de Nosso Senhor, e eu outro. É Jesus Se amando a Si próprio nos seus vários aspectos, no interior de nossas almas.
Uma pessoa que chegasse a amar os vários aspectos de si própria, refletidos em seres distintos, possuiria o grau mais entranhado e mais generoso de amor que há. Por exemplo, um pai que tem muitos filhos: ele se sente retratado por cada um deles em sua personalidade, de algum modo. Vendo-os em torno da mesa, comendo com ele, ele tem um amor a esses filhos que não pode ser descrito adequadamente nos graus diversos, pela linguagem comum. Eu nem sei se a linguagem sabe descrever isso. Porque as expressões muito legítimas, muito boas, no fundo não querem dizer isto inteiramente. E quando não está dito isto inteiramente, não está dito quase nada.
Por exemplo, “meus filhos queridos” é uma expressão boa. Mas pode designar tanta outra coisa inferior a isso de que estamos falando! Então, só mesmo formas de convívio de alma que se cifram nos imponderáveis, mas que são o mais real da vida, exprimem isso.

Tenho pena das pessoas que não têm isso dentro da  alma porque esta é um deserto na vida, uma tristeza, uma axiologia quebrada, da qual nem sei o que dizer. E que deve constituir horas de furor, de depressão, de suscetibilidades, enfim, equívocos e erros de todo tamanho, e que tiram o sossego da alma completamente.
Continua

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