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Luta de amor
Por causa disso,
toda a nossa vida afetiva toma um caráter de salvação religiosa para efeito de
conseguir que o outro se eleve, e nada mais do que isso. Donde o nosso convívio
acaba sendo, em última análise, um contínuo convite para que o outro seja
melhor.
Entretanto, isso não
é uma coisa impessoal. Queremos bem a determinadas pessoas por causa da
possibilidade que elas têm de se assemelharem de tal maneira ao Divino
Salvador. São “rascunhos” de Nosso Senhor Jesus Cristo que amamos na medida em
que o rascunho é melhorável, adaptável e que pode chegar a um certo resultado.
Pode acontecer
encontrarmos uma pessoa que odeie isso. Há graus de ódio em que, embora não se
possa dizer propriamente que a pessoa esteja condenada, segundo as vias normais
da graça ela estaria perdida. E nela nada disso reluz. Aí nasce a
incompatibilidade e a batalha inexorável — também levada por esse amor — contra
quem está perdendo almas. Não só, nem principalmente, no sentido de que a pessoa
está levando almas para as dores infinitas do Inferno, mas porque ela está
extinguindo aquela luz na alma de outro. É uma espécie de deicídio que é feito.
E esse “deicídio” leva-nos, então, à luta.
E daí esta luta ser,
de algum modo, dulcíssima, porque é uma luta de amor. Porque mesmo quando ataca
aquele que está se diferenciando, ela tem por efeito aproximá-lo. Investe
contra o mal que está nele como o médico ataca o câncer que se encontra dentro
do doente. Quer dizer, é para salvar o enfermo. E, debruçado sobre o doente, perguntando:
“Você não sara?!” É este o sentido do combate.
O mais entranhado e generoso grau de amor
Há, às vezes, almas
que fazem Nossa Senhora esperar. No Purgatório terá de haver acerto de contas
sobre isso, mas para efeito da salvação Ela tolera, muitas vezes, a demora
dessas almas. E quer que as resgatemos, obtenhamos-lhes o perdão, esperando,
também nós, por elas. E se eu espero vinte anos que alguém se emende, estou ajudando-o
a conseguir a emenda.
Daí nasce um afeto
feito de alegria e de esperança, que contém em si um grau de amizade, de
paciência, de perdão e, muito mais do que isso, um grau de intercompreensão,
desde que a pessoa me compreenda também. Ela representa um aspecto de Nosso
Senhor, e eu outro. É Jesus Se amando a Si próprio nos seus vários aspectos, no
interior de nossas almas.
Uma pessoa que
chegasse a amar os vários aspectos de si própria, refletidos em seres
distintos, possuiria o grau mais entranhado e mais generoso de amor que há. Por
exemplo, um pai que tem muitos filhos: ele se sente retratado por cada um deles
em sua personalidade, de algum modo. Vendo-os em torno da mesa, comendo com
ele, ele tem um amor a esses filhos que não pode ser descrito adequadamente nos
graus diversos, pela linguagem comum. Eu nem sei se a linguagem sabe descrever
isso. Porque as expressões muito legítimas, muito boas, no fundo não querem
dizer isto inteiramente. E quando não está dito isto inteiramente, não está
dito quase nada.
Por exemplo, “meus
filhos queridos” é uma expressão boa. Mas pode designar tanta outra coisa
inferior a isso de que estamos falando! Então, só mesmo formas de convívio de
alma que se cifram nos imponderáveis, mas que são o mais real da vida, exprimem
isso.
Tenho pena das pessoas
que não têm isso dentro da alma porque
esta é um deserto na vida, uma tristeza, uma axiologia quebrada, da qual nem
sei o que dizer. E que deve constituir horas de furor, de depressão, de
suscetibilidades, enfim, equívocos e erros de todo tamanho, e que tiram o
sossego da alma completamente.
Continua
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