sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Refletir é viver

Embebida pela convicção de que tudo quanto é terreno se reporta a uma ordem superior, Dona Lucilia possuía uma alma impregnada das mais elevadas realidades.
No decurso da História, não  raras vezes, é possível deparar-se com duas categorias de homens: a dos que se preocupam apenas com os aspectos materiais e concretos da vida, absorvidos pelas sucessivas impressões agradáveis do dia-a-dia; e a daqueles que  colocam seu bem-estar na cogitação  e na meditação.
Homens absorvidos pelo gozo da vida
Para o primeiro grupo, a única solução para os padecimentos produzidos pela culpa original, resume-se no  prazer. E cada época compõe o prazer a seu modo. Será para alguns a  deleitável sensação de ir a uma ópera,  enquanto  que  a  outros  agradará o ambiente de uma alta sociedade; outros, enfim, terão como encanto guiar freneticamente um automóvel; e ainda uns últimos — contrariando  o  livro  do  Gênesis,  quando  afirma ser a faina um castigo — farão consistir seu principal contentamento no frenesi pelo trabalho.
Entretanto,  brota  naturalmente  um problema para essa classe de homens:  não  possuem  momentos  onde lhes seja possível refletir. E, portanto lhes faltam ocasiões nas quais  compreendam a falência de suas vidas. Porém, mesmo se tais ocasiões  se lhes apresentam, fogem, pois suas existências consistem em fugir do  tormento. Contudo, se esquecem de  que, quando o homem foge do tormento, é ainda mais atormentado... 
Existem misérias morais tão grandes,  que  não  seria  descabido  dizer  que o indivíduo que busca trucidar  os momentos de reflexão, ora através do prazer, ora através de lapsos  de  desespero,  dificilmente  se  desvencilhará de seu erro, carregandoo até o fim da vida. E por muitas vezes ainda julgará ter sido feliz. Para  tais indivíduos a reflexão é uma loucura de poetas.
Gosto pela reflexão
Em  geral,  os  que  vivem  apenas  para o palpável constituem a maior  parcela  do  gênero  humano.  Entretanto, há outro estilo de mentalidades para o qual muitas vezes os próprios sofrimentos pelos quais têm de  passar concorrem para que eles tenham facilidade em refletir.
Esse gênero de pessoas comumente se põe problemas como o significado mais profundo das coisas, sua razão de ser, a explicação de acontecimentos  que  mais  os  impressionam,  embora nem sempre cheguem a penetrar problemas filosóficos.
Por  exemplo,  encontrando-se  diante de um belo edifício como o  Escorial ou Versailles, agem de modo  mais  reflexivo  do  que  propriamente  emocional.  Perguntam-se  qual  a  consistência e  profundidade  de todo aquele esplendor, e ainda se  não seria demasiada imposição tudo  aquilo que não permite outras considerações, tiranizando assim os sentidos externos.
Estas pessoas constituem uma minoria desprezada pelos demais, porém, na realidade, elas governam a  maioria.
Dona Lucilia: uma alma impregnada das realidades superiores

Muito  embora  não  fosse  uma  pessoa  filosófica,  Dona  Lucilia  tinha a alma impregnada dessas realidades superiores, fazendo com que  ela não vivesse meramente no mundo sensível. E no Brasil dos tempos dela, marcou-se  claramente  o  momento  em que  as  pessoas,  inclusive  nos  ambientes mais elevados, alteraram seu  modo de ser por um novo que surgia,  penetrado pela mentalidade que acima comentei. Mamãe elegeu para si o caminho da calma, da reflexão e da ponderação.
Continua

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