Embebida
pela convicção de que tudo quanto é terreno se reporta a uma ordem superior,
Dona Lucilia possuía uma alma impregnada das mais elevadas realidades.
No decurso da
História, não raras vezes, é possível
deparar-se com duas categorias de homens: a dos que se preocupam apenas com os
aspectos materiais e concretos da vida, absorvidos pelas sucessivas impressões agradáveis do
dia-a-dia; e a daqueles que colocam seu
bem-estar na cogitação e na meditação.
Homens absorvidos pelo gozo da vida
Para o primeiro
grupo, a única solução para os padecimentos produzidos pela culpa original,
resume-se no prazer. E cada época compõe
o prazer a seu modo. Será para alguns a
deleitável sensação de ir a uma ópera,
enquanto que a
outros agradará o ambiente de uma
alta sociedade; outros, enfim, terão como encanto guiar freneticamente um
automóvel; e ainda uns últimos — contrariando
o livro do
Gênesis, quando afirma ser a faina um castigo — farão
consistir seu principal contentamento no frenesi pelo trabalho.
Entretanto, brota naturalmente um problema para essa classe de homens: não
possuem momentos onde lhes seja possível refletir. E, portanto
lhes faltam ocasiões nas quais
compreendam a falência de suas vidas. Porém, mesmo se tais ocasiões se lhes apresentam, fogem, pois suas
existências consistem em fugir do
tormento. Contudo, se esquecem de
que, quando o homem foge do tormento, é ainda mais atormentado...
Existem misérias
morais tão grandes, que não
seria descabido dizer
que o indivíduo que busca trucidar
os momentos de reflexão, ora através do prazer, ora através de
lapsos de desespero,
dificilmente se desvencilhará de seu erro, carregandoo até o
fim da vida. E por muitas vezes ainda julgará ter sido feliz. Para tais indivíduos a reflexão é uma loucura de
poetas.
Gosto pela reflexão
Em geral,
os que vivem
apenas para o palpável constituem
a maior parcela do
gênero humano. Entretanto, há outro estilo de mentalidades
para o qual muitas vezes os próprios sofrimentos pelos quais têm de passar concorrem para que eles tenham
facilidade em refletir.
Esse gênero de
pessoas comumente se põe problemas como o significado mais profundo das coisas,
sua razão de ser, a explicação de acontecimentos que
mais os impressionam,
embora nem sempre cheguem a penetrar problemas filosóficos.
Por exemplo,
encontrando-se diante de um belo
edifício como o Escorial ou Versailles,
agem de modo mais reflexivo
do que propriamente
emocional. Perguntam-se qual
a consistência e profundidade
de todo aquele esplendor, e ainda se
não seria demasiada imposição tudo
aquilo que não permite outras considerações, tiranizando assim os
sentidos externos.
Estas pessoas
constituem uma minoria desprezada pelos demais, porém, na realidade, elas
governam a maioria.
Dona Lucilia: uma alma impregnada das realidades superiores
Muito embora
não fosse uma
pessoa filosófica, Dona
Lucilia tinha a alma impregnada
dessas realidades superiores, fazendo com que
ela não vivesse meramente no mundo sensível. E no Brasil dos tempos
dela, marcou-se claramente o
momento em que as
pessoas, inclusive nos
ambientes mais elevados, alteraram seu
modo de ser por um novo que surgia,
penetrado pela mentalidade que acima comentei. Mamãe elegeu para si o
caminho da calma, da reflexão e da ponderação.
Continua
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