Tudo quanto é terreno se reporta a uma ordem superior
Em Dona
Lucilia transparecia — possivelmente devido à preservação e
inocência que a caracterizavam — um senso muito proeminente de que tudo quanto
era terreno se reportava a uma ordem superior, onde encontrava sua
explicitação.
Isto sucedia em geral com as coisas boas
ou belas —
bonum, pulchrum.
Não era possível
tratar com Dona Lucilia sobre
qualquer assunto, sem que dela se
tivesse duas impressões. Uma era que ao solucionar algum
fato corriqueiro da
vida, deixava ela,
provisoriamente, um cume de
elevadas reflexões para descer até o
problema; e outra era que a propósito
desse mesmo episódio, ela o elevava até as considerações mais altas. Era um
movimento reversível de alma.
De forma
alguma era ela
uma pessoa que
vivesse fora do
mundo real. O real e o cotidiano
estavam inteiramente presentes em seu espírito, cumprindo com muito esmero
todas as suas obrigações. Esmero que
revelava um gosto
pelos pormenores, ornatos e
detalhes. Por isso ela possuía uma
característica de alma pela qual, enquanto sua alma estava em altas
considerações, era também capaz de tratar de acontecimentos concretos.
Dona Lucilia considerava
tudo sob uma
luz sobrenatural, à
qual reportava todas
as coisas. Deste
modo, não havia nenhum momento em
que as coisas carecessem de valor superior, pois ela sabia ligar tudo a Deus,
ou seja, realizar o contrário do que
apetece o espírito
materialista.
Essa forma de ser
dela não seria estável de outra forma senão por amor a Deus, e pelo fato de ela fundamentalmente não
ser egoísta. Para isso contribuía também o ambiente em que ela viveu, que era um tanto preservado, e trazia algo das velhas tradições da ordem,
mas era sobretudo um dom sobrenatural que ela soube desenvolver.
Uma opala iluminada pelo sol
Dona Lucilia
causava a impressão
de ser uma
pessoa de temperamento tão irisado, que — bem se poderia dizer — as cores variavam conforme a posição. Cada impressão vivida,
cada acontecimento, cada circunstância, determinava a manifestação de seu
espírito de forma singular, como uma
opala na qual incide um raio solar,
fazendo com que se desprenda um colorido
não muito diferente,
mas discretamente irisado.
Nela conjugavam-se
firmeza e doçura, sem que alterasse em algo o seu modo de ser, pois ela possuía uma flexibilidade de alma por onde adequava admiravelmente o trato a cada pessoa com quem se relacionava, sabendo
apanhar os lados razoáveis, dignos de estímulo e de respeito, não deixando nem
por isso de compreender perfeitamente
os lados débeis. Mas a forma de
tratar os lados débeis, participava da
veneração que ela possuía aos aspectos
que admirava, e, no momento
de admirar, causava a impressão de
esquecer-se por completo da debilidade.
Esse modo de ser se
exemplificava no trato dela para com sua mãe,
Dona Gabriela, personagem de ampla envergadura para aquele tempo. Era uma senhora que ao fim da vida tocava nas
debilidades da idade, pois era quase
nonagenária. A forma de Dona Lucilia a
auxiliar nas mínimas coisas, como
apanhar um lenço que caíra no chão e trocá-lo, era feito com uma solicitude e uma alegria, como
quem se deleitasse
em praticar aquela atitude, que
encantava presenciar tal cena. Quando Dona
Gabriela tomava alguma
atitude em que se fazia notar imponência, dignidade ou firmeza de autoridade,
Dona Lucilia assumia uma posição de vigilância para ver se também os outros
tinham feito como sua mãe desejava,
não como quem
cobrasse, mas esperando
a participação na mesma admiração
e, portanto, na mesma docilidade.
Mas concluído o trato
com Dona Gabriela, caso
ela fosse chamada para tratar com uma criança da
família que vinha, por exemplo, lhe trazer uma flor, Dona Lucilia era capaz de
penetrar na admiração que a criança tinha pela
flor, cuidando dela como a criança
gostaria que ela cuidasse, levando
a sério os lados que a criança levava, e ao mesmo tempo proporcionando
ao pequeno uma sensação de solicitude e proteção, por onde
se sentisse completamente
penetrado e envolvido. E se nesse
momento fosse necessário
ministrar um remédio a um parente
que adoecera, ela o fazia com perfeição, entrando também nas dores do
convalescente.
Era um modo de ser
embevecedor, mas nem sempre admirado inteiramente, sem
que jamais ela
tenha denotado amargura por não se
sentir retribuída. Estes
são alguns traços da opala...
Plinio
Correa de Oliveira – Extraído de conferência de 14/1/1981
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