domingo, 22 de junho de 2014

Voz flexível e ondulada

Não há quem, em pequeno, não se tenha interessado por um caleidoscópio. As múltiplas pedrinhas coloridas, depositadas no extremo oposto ao do visor, reagrupando-se de forma diversa a cada nova posição do tubo, sempre produzem em seu curioso observador uma inesperada e atraente perspectiva, que o reporta a um mundo maravilhoso. O prisma e as pedrinhas são invariavelmente os mesmos, mas as configurações que se vão sucedendo surpreendem a todo instante.
A ancianidade de uma alma justa e virtuosa é o caleidoscópio de suas qualidades quintessenciadas pelo correr dos anos. Nos últimos meses da existência terrena de Dª Lucilia, estavam visivelmente presentes nela aqueles dons com que a Providência prodigamente lhe ornara a infância, e que ela generosamente fizera desabrochar e frutificar ao longo da vida.
Era-nos fácil observar, em sua bela alma, o quanto a prática das virtudes se foi transformando numa como que segunda natureza, ou seja, num hábito quase instintivo. E o quanto nela sobressaía sua docilidade ao menor sopro do Espírito Santo.
Era a derradeira volta nesse caleidoscópio de uma vida que primou pela benquerença, pela bondade, pelo afeto, em síntese pelo amor a Deus sobre todas as coisas, e ao próximo como a si mesma.
Apesar da idade, o olhar, os gestos, a postura na cadeira de rodas, tudo em Dª Lucilia era encantador. Entretanto, algo sobremaneira atraía quem tivesse a graça de conversar com ela: sua voz. Na ancianidade não mais tocava seu bandolim, nem sequer piano, mas ambos os instrumentos não seriam capazes de exceder em beleza os sons emitidos por aquela laringe. Seu timbre de voz era inteiramente afim com sua nobre e delicada alma.
“Eu nunca me consolarei por não me ter ocorrido a idéia de gravar a voz dela”, disse uma vez Dr. Plinio, “pois tenho certeza de que faria muito bem a todos!”. Também a nenhum outro essa idéia ocorreu, infelizmente. Mas aquela voz tão meiga, calma e pacificadora ficou como que gravada nos ouvidos de vários dos que a escutaram. Era muito ondulada, com uma extraordinária capacidade de simbolizar os aspectos morais e psicológicos do que ela queria transmitir, de maneira que qualquer palavra dita por ela podia, conforme o caso, tomar uma inflexão muito rica em matizes. E era persuasiva, o que dava à sua conversa uma enorme comunicatividade, sobretudo quando tinha algo de mais sério a dizer.
Apesar de sua audição ter diminuído com a idade, a sonoridade da voz nenhuma modificação sofrera. Era edificante observar sua capacidade de se dirigir aos interlocutores e de lhes atender as preferências, contribuindo particularmente para isso esse timbre de voz aveludado, melodioso e cheio de variadas tonalidades.

Contudo, não menos significativo era seu silêncio, pelo qual ela tanto dizia àqueles que a podiam observar. Que saudades têm os felizes visitantes que, em incontáveis ocasiões, ao entrarem em seu apartamento, encontravam-na sozinha, sentada na cadeira de rodas, rezando longas orações! Nunca se esquecerão de como sua presença suave enchia a sala de uma silenciosa paz, enquanto passava as contas de seu Rosário à hora do pôr-do-sol. 

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