domingo, 11 de agosto de 2013

Suavidade e firmeza

Em Dona Lucilia, o desejo de fazer o bem era tão amplo que abarcava até os seres mais miúdos.
Na casa da rua Itacolomy, a sala de jantar dava para uma entrada de automóvel que conduzia aos fundos da residência. Separando-a do terreno vizinho havia um muro, não muito alto, junto ao qual tinham sido plantadas umas heras, para dar um aspecto mais agradável à área.
Um dia, durante o almoço, Dr. Plinio notou na parte de cima do muro um movimento estranho debaixo da folhagem. Surpreso, disse a Dª Lucilia:
— Mamãe, veja que coisa esquisita aquele movimento lá.
Ela não disse nem sim, nem não, e esquivou-se à resposta. Mas seu filho queria saber o que era e voltou a insistir.
Dª Lucilia apenas disse:
— É, eu já tinha notado alguma coisa.
— Mas eu estou notando só agora — respondeu ele, mais categórico.
Dirigindo-se à empregada que servia à mesa, Dr. Plinio disse:
— Ana, vá olhar o que há naquele muro.
Dª Lucilia ficou silenciosa. A criada riu e disse com seu sotaque português:
— “Seu doutôire”, o senhor não percebeu o que é? Dª Lucilia está a esconder-lhe uma coisa.
— O que Dª Lucilia está escondendo de mim?
— É uma gata que tem uns filhotinhos ali.
A ideia de um muro cheio de gatinhos andando de um lado para o outro não foi das mais sorridentes para Dr. Plinio. Daí a pouco os gatos estariam crescidos e o quintal ficaria superpovoado desses simpáticos animais. Quando menos se esperasse, começariam a esgueirar-se para dentro de casa. Se fosse um ou dois ainda ia, mas uma ninhada inteira...
Imediatamente disse ele à criada, com decisão:
— Pegue uma vassoura, ou uma mangueira de regar o jardim, e ponha a gata com todos os gatinhos fora do terreno da casa.
Dª Lucilia, com pena da gata, voltou-se para o filho e ligeiramente aflita lhe disse:
— Ah! coitada! Não faça isso. Você não vê que ela pode perder um dos filhotes e nunca mais o encontrar?
Era o maternal coração de Dª Lucilia sentindo-se como que arranhado perante tal perspectiva. Porém seu filho tentou argumentar:
— Mamãe, ela não tem raciocínio. Ela perde um filhote como um de nós perde um fio de cabelo.
Mas Dª Lucilia queria, mais do que fazer um silogismo, tocar-lhe no sentimento:
— Coitada! Não faça isso.
    “Coitada” era dito com tanta bondade e tanta pena, que Dr. Plinio não resistiu e disse à criada:
— Ana, cuide dessa gata e leve todo dia leite para ela.

Aquela gata, como ser irracional, não podia ter conhecimento da própria existência. Mas, uma vez que sobre ela tinha baixado a compaixão de Dª Lucilia... em vez de um esguicho, haveria leite para a gataria toda.
Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de Mons. João S. Clá Dias

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