Em Dona
Lucilia, o desejo de fazer o bem era tão amplo que abarcava até os seres mais
miúdos.
Na casa da
rua Itacolomy, a sala de jantar dava para uma entrada de automóvel que conduzia
aos fundos da residência. Separando-a do terreno vizinho havia um muro, não
muito alto, junto ao qual tinham sido plantadas umas heras, para dar um aspecto
mais agradável à área.
Um dia,
durante o almoço, Dr. Plinio notou na parte de cima do muro um movimento
estranho debaixo da folhagem. Surpreso, disse a Dª Lucilia:
— Mamãe,
veja que coisa esquisita aquele movimento lá.
Ela não
disse nem sim, nem não, e esquivou-se à resposta. Mas seu filho queria saber o
que era e voltou a insistir.
Dª Lucilia
apenas disse:
— É, eu já
tinha notado alguma coisa.
— Mas eu
estou notando só agora — respondeu ele, mais categórico.
Dirigindo-se
à empregada que servia à mesa, Dr. Plinio disse:
— Ana, vá
olhar o que há naquele muro.
Dª Lucilia
ficou silenciosa. A criada riu e disse com seu sotaque português:
— “Seu
doutôire”, o senhor não percebeu o que é? Dª Lucilia está a esconder-lhe uma
coisa.
— O que Dª
Lucilia está escondendo de mim?
— É uma
gata que tem uns filhotinhos ali.
A ideia de
um muro cheio de gatinhos andando de um lado para o outro não foi das mais
sorridentes para Dr. Plinio. Daí a pouco os gatos estariam crescidos e o
quintal ficaria superpovoado desses simpáticos animais. Quando menos se
esperasse, começariam a esgueirar-se para dentro de casa. Se fosse um ou dois
ainda ia, mas uma ninhada inteira...
Imediatamente
disse ele à criada, com decisão:
— Pegue uma
vassoura, ou uma mangueira de regar o jardim, e ponha a gata com todos os
gatinhos fora do terreno da casa.
Dª Lucilia,
com pena da gata, voltou-se para o filho e ligeiramente aflita lhe disse:
— Ah!
coitada! Não faça isso. Você não vê que ela pode perder um dos filhotes e nunca
mais o encontrar?
Era o
maternal coração de Dª Lucilia sentindo-se como que arranhado perante tal
perspectiva. Porém seu filho tentou argumentar:
— Mamãe,
ela não tem raciocínio. Ela perde um filhote como um de nós perde um fio de
cabelo.
Mas Dª
Lucilia queria, mais do que fazer um silogismo, tocar-lhe no sentimento:
— Coitada!
Não faça isso.
“Coitada” era dito com tanta bondade e tanta
pena, que Dr. Plinio não resistiu e disse à criada:
— Ana, cuide dessa gata e leve todo dia leite para ela.
Aquela gata, como ser irracional, não podia ter conhecimento
da própria existência. Mas, uma vez que sobre ela tinha baixado a compaixão de
Dª Lucilia... em vez de um esguicho, haveria leite para a gataria toda.
Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de Mons. João
S. Clá Dias
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