domingo, 19 de agosto de 2012

Primeiros anos em Pirassununga

Foi em 187 que Dr. Antônio se estabeleceu com a família  em Pirassununga, a fim de ali  exercer a advocacia . Nomeado promotor da comarca de Belém do Descalvado, que então incluía Pirassununga, habilitou-se depois ao cargo  de juiz de direito, mas preferiu não  seguir carreira, talvez por questões  de política local. Outro motivo que o atraiu àquela região foram as terras que Dª Gabriela, sua esposa, herdara do pai, situadas em Rio Claro, São Paulo.
 Um Far West brasileiro...
Na serena Pirassununga de outrora, a casa de Dona Lucilia
(à direita, na esquina do poste)
Cidade tão próspera e dinâmica em nossos dias, a Pirassununga daqueles tempos idos era um pólo de colonização cuja exploração metódica datava  de há pouco, na qual a civilização penetrava apenas lentamente. Só alguns anos depois do nascimento de Dª Lucilia, a localidade passou a ser servida por um ramal de estrada de ferro. As características daquele sertão eram as de um Far West brasileiro, onde o policiamento ia rareando à medida que se adensava a mata virgem.
 Na serena Pirassununga de outrora, a casa de Dona Lucilia (à direita, na esquina do poste)
Décadas mais tarde, ao contar as recordações de infância, Dª Lucilia ainda deixará transparecer a impressão que lhe causava o grande contraste entre a atmosfera da sociedade paulista e aquele ambiente tão primitivo e campestre, que ia disputando espaço à mata tropical, quase tão inculta como no período em que o Padre Anchieta percorria as vastidões do Brasil.
As casas, por exemplo, eram desprovidas de assoalho, sendo o chão simplesmente de terra batida. Mesmo as residências das notabilidades locais não escapavam à regra. A primeira moradia a ter vidraças nas janelas foi a dos Ribeiro dos Santos, considerada, por isso mesmo, de luxo, já que as outras possuíam apenas folhas de pau.
Elevação e beleza no ambiente campestre
O jovem casal Gabriela e Antônio Ribeiro dos Santos. 
O pai de Dona Lucilia logo se tornou benquisto na região, por seus 
préstimos advocatícios e, 
sobretudo, pelo brilho de sua personalidade
Naquele meio agreste e monótono do interior, o nobre e jovem casal  Ribeiro dos  Santos  estabeleceu-se  com coragem, decidido a prosperar.  A presença de Dª Gabriela introduzia uma nota de elevação e de beleza no ambiente de simplicidade campestre da pequena cidade.
Dr.Antônio tornou-se desde logo benquisto na região. Pessoas de todas as classes procuravam-no, atraídas pelo brilho de sua personalidade e pela sua arte de conversar. Era o que invariavelmente acontecia, por exemplo, quando ele viajava naqueles trens de outrora.
Estes paravam em cada estaçãozinha, demorando-se nelas certo tempo. Os homens desciam para tomar um cafezinho, e as notabilidades do lugar estavam muitas vezes presentes, acompanhadas de seus familiares,  na  expectativa  de  encontrar  alguém  importante  que  pudesse  contar  as  últimas  novidades da política ou trazer interessantes notícias.
Pois  bem,  quando  Dr.  Antônio chegava  a  algum  lugar,  formava-se  um  verdadeiro  enxame  de  gente  a  seu  redor,  desejando  desfrutar  de  sua  companhia.  Situação tão favorável adquiria, aos olhos de sua filha Lucilia, contornos luminosos.
Sossego e monotonia da vida do interior
Havia um aspecto da pacata Pirassununga que agradava deveras à jovem Lucilia: era precisamente a calma. Ela nunca tomou gosto pela agitação da vida moderna, e várias vezes se referia de forma comprazida à tranqüilidade do interior. Elogiava a regularidade da vida, bem como a dignidade das pessoas dentro do sossego, ao comentar fatos locais que revelavam a íntima consonância de sua ordenada alma com a natural serenidade da atmosfera que a rodeava.
Mas, ela sentia também, e muito, o peso da monotonia daquelas longínquas paragens. Referia-se ao vazio da cidadezinha, especialmente em alguns intermináveis domingos, durante os quais até os ruídos da vida quotidiana cessavam pelo fato de ninguém sair de casa. Quando um cachorro ladrava, o som do seu latido percorria os espaços vazios sem encontrar nenhum anteparo, nenhum obstáculo. Toda a cidade, de um extremo ao outro, ficava “transparente” a qualquer som e apenas pulsava de vida vegetativa, como se nada mais ali houvesse...
Menina Lucilia
Retidão admirativa de uma alma justa
O  sossego  da  pequena  Pirassununga, a que nos referimos, muito  ajudava  jovem Lucilia a observar  com atenção e enlevar-se pelos mais velhos.  Sua capacidade de admirar os predicados alheios tinha origem na virginalidade de alma, que ela soube manter intacta. Com efeito, Dª Lucilia sempre se conservará fiel, até seus últimos dias, àquele notável senso admirativo, àquele modo primevo e rico de considerar os fatos e as criaturas com que a inocência envolve a infância de todos os cristãos.
Quando ainda jovem, ao contemplar as qualidades de alma dos que compunham seu ambiente, com instintiva naturalidade as mitificava tanto que chegava a afastar suas sempre bem-intencionadas vistas de tudo o que neles pudesse não ser virtude. Os senões que encontrava na conduta das pessoas, reputava-os exceção . Era como se num belo lenço de seda houvesse pequenos furos. Porém, o resto era seda muito boa...
Esse modo de considerar a realidade, pelo qual a todos situava numa clave de seriedade, distinção e grandeza estava muito presente em todas as narrações dela, procurando transmitir uma ideia arquetipizada da vida e do convívio entre os  homens.
Evidentemente, foi assim que o sereno olhar de  Lucilia  se  voltou  para seus pais, verdadeiras e luminosas imagens de Deus, naquele seu  primeiro despertar para a vida. Que influência tiveram eles em sua formação?
A resposta não é difícil, para quem teve a ventura de ouvi-la reviver — naquela voz clara, melodiosa e um tanto solene, que constituía um dos encantos de sua companhia — fatos ocorridos com seus queridos progenitores, dos quais tomaremos conhecimento em próximos posts.

(Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de João S. Clá Dias)

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