A análise do
temperamento de Dona Lucilia descrita por seu filho, Plinio Correa de Oliveira:
O que caracterizava o
espírito dela era uma retidão extraordinária, que consistia em ver sempre todas
as coisas inteiramente de frente. Por mais dolorosas ou promissoras que fossem,
ser inteiramente objetiva, vendo o sofrimento com toda a sequela de amarguras
que ele pudesse trazer. Vendo também a alegria, sem exagerar as vantagens que
trazia, e compreendendo bem como nesta terra tudo é aleatório e como, portanto,
tudo de repente pode degringolar. De onde uma posição muito calma, muito
estável em face da vida. Ela não tinha nem grandes torcidas, nem grandes
ansiedades, nem grandes depressões, não sendo nem um pouco uma pessoa apática.
A minha mãe era o
contrário do meu temperamento fleumático. Para usar uma expressão implicante de
hoje, ela vivia profundamente todos os acontecimentos, mas com uma certa
distância. Havia entra ela e os fatos uma camada que os ruídos destes não
conseguiam transpor. E ela, para aquém dos fatos, conservava a calma, a
distância psíquica, a estabilidade e a continuidade.
De maneira que ela era
sacral, recolhida, tranquila, forte e meiga em todas as circunstâncias da vida.
Por mais que estas mudassem, ela estava sempre na mesma posição.
Mas, por detrás desta
atitude tão calma, havia um profundo senso do dever. Ela não entendia que a
finalidade da vida fosse conquistar honras, prazeres, glórias, dinheiro para
gozar o mais possível e depois morrer.
Para ela, a vida
consistia num certo dever a cumprir e numa certa forma de alma a adquirir.
Ela considerava que a
felicidade está em se ter uma alma elevada, piedosa e tranquila, e em gozar os
prazeres simples, despretensiosos e normais da existência. A felicidade não
está, portanto, nas grandes festas, nas grandes viagens e nas grandes fortunas,
mas na boa ordenação da vida quotidiana, no bom aproveitamento dos lazeres
comuns e em conferir um significado espiritual e moral ao gozo do que se tem. É
uma felicidade, sobretudo, de alma, uma felicidade de situação temperante,
tranquila, modesta, que se sente até no infortúnio, porque, desde que não
tenhamos culpa pela derrocada, conserva-se o essencial: a consciência limpa
diante de Deus e uma elevação de alma que torna a vida digna de ser vivida.
Ela possuía uma
serenidade que a colocava acima de todas as vicissitudes e fazia dela uma
pessoa constantemente igual a si mesma, mesmo quando os caminhos da vida se
fechavam, às vezes de modo assustador.
E sempre com esta
temperança, esta normalidade que era a perfeita proporção entre o acontecimento
externo e a repercussão interna nela. De maneira que ela vibrava em face das
coisas na proporção e na medida equilibrada, com uma ordem de valores em que o
religioso estava acima de tudo. Abaixo do religioso vinha o metafísico, depois
o moral, e em seguida os interesses contingentes da vida tratados com o devido
cuidado.
Toda esta retidão ela
possuía porque intuía que assim as coisas deveriam ser, e compreendia — com uma
clareza cheia de verdades implícitas — estar conforme a Religião.
É preciso ver em Dona
Lucilia, sobretudo, aquela elevação de alma por onde, com toda temperança,
desde pequenina, ela soube ir cada vez mais colocando a Religião acima de tudo,
os valores espirituais acima dos materiais, e a vida terrena como uma coisa que
deve ser vivida, sobretudo, para um dever, fruindo das pequenas vantagens da
vida apenas o necessário para o cumprimento do dever.
É a impostação sacral da
alma que a preparou para contemplar a Deus face a face. Creio que por aí
podemos entendê-la bem e nos unir a ela.
Plinio
Correa de Oliveira –Extraído de conferência de 24/6/1973
Nenhum comentário:
Postar um comentário