quinta-feira, 19 de maio de 2016

Amiga da Cruz - III

Conclusão dos posts anteriores
Gravíssimo ataque do coração
Dona Lucilia carregou sua cruz até o fim, passando por toda espécie de circunstâncias verdadeiramente penosas.
Por exemplo, uma coisa de que me lembro: uns sete anos antes de mamãe morrer, eu estava em Buenos Aires, onde tinha ido fazer uma série de conferências. Por diversas razões, essa minha estadia em Buenos Aires tinha sido muito penosa.
Afinal, chegou o último dia e eu disse para os meus companheiros: “Agora vamos jantar num bom restaurante francês que há em Buenos Aires, dando assim um fecho à viagem e podermos respirar, antes de voltarmos para o Brasil.” E assim fizemos.
Quando voltei ao hotel, me diz o porteiro: “Há um telegrama para o senhor, de São Paulo.” Abro a correspondência, é um telegrama de minha irmã: “Mamãe mal à morte, com ataque de coração violentíssimo! Procuramos de todas as maneiras telefonar a você, mas os telefones de São Paulo a Buenos Aires, depois de tantas horas, estão interrompidos. Venha logo para pegá-la ainda com vida!”
Podem imaginar minha aflição! Passei a noite em claro, tentei telefonar através do telefone do Exército argentino, para ver se conseguia ligação com o Exército brasileiro, mas não foi possível. Não havia aviões que partissem bem cedo de Buenos Aires para São Paulo. Então consegui um avião pequeno, particular, que às cinco horas da manhã levantava voo até Montevidéu, onde eu tomaria um avião muito mais rápido que me levasse diretamente a São Paulo. Foi o que eu fiz, em meio a uma pressão de alma tremenda, e com o pavor da chegada a São Paulo.
Pouco depois de pousar o avião, vejo um de meus amigos que me faz um sinal com o braço, indicando estar tudo bem. Ao desembarcar, minha primeira pergunta foi: “Como vai mamãe?” Ele me disse: “Ela teve um ataque muito forte do coração, mas já melhorou, está passando bem, conversando normalmente. Os médicos estão pasmos do que houve com ela. Mas o senhor não se assuste, porque exatamente na hora do senhor chegar a seu apartamento, da casa do vizinho estará partindo um enterro. E nós temíamos que o senhor, chegando, pensasse ser o enterro dela. O senhor não se assuste, pois vai encontrá-la bem!”
Agora vem o que interessa, pois se refere a ela. Um ataque gravíssimo do coração não passa assim rapidamente. Cheguei, encontrei-a na cama, conversando com minha irmã, minha sobrinha, pessoas da família. Não a beijei porque eu estava resfriadíssimo, mas enfim troquei toda espécie de carícias com ela. E fiquei sentado ali, continuando a conversa. Anoiteceu, e ela dormiu bem à noite.
Mamãe melhorou tão rapidamente, que algum tempo depois eu vi o médico dela chegar para fazer um exame; auscultou seu coração e afirmou: “Mas não é possível! O coração dela está tão bom, que eu diria ser outra pessoa!” Percebia-se, pela serenidade dela, a resignação diante da morte. Ela viu bem que estava para morrer, mas concebeu a morte com total resignação. Era essa a posição dela perante a morte.
Por estar habituada a ver o pior e a enfrentar o sofrimento com doçura, porque Deus assim queria, ela levou uma vida mais longa do que muitas outras pessoas. E levou-a com uma doçura e uma bondade de quem era realmente amiga da cruz!
E devo dizer que isso me ajudou enormemente a aprender a sofrer.

Plinio Correa de Oliveira – Extraído de conferência de 11/2/1990

Nenhum comentário:

Postar um comentário