sábado, 16 de abril de 2016

Intercessão de Dona Lucilia junto a Nossa Senhora III - Cont

Continuação do post anterior
Uma tendência do século XIX: mitificar certas pessoas
Via-se que, quando menina, mocinha, ela formou uma ideia da vida, das pessoas e das coisas, que correspondia à mitologia do século XIX.
Por exemplo, lê-se na correspondência de Santa Teresinha que ela tinha loucura pelo tio, Monsieur Guérin. Era um católico praticante, mas não correspondia à visão de sua sobrinha, senão numa fraca medida. A família dele pertencia à pequena burguesia, mas burguesia arranjadinha, e em certo momento Monsieur Guérin recebeu uma herança, ficou riquinho e perdeu a cabeça; comprou um castelo e começou a fazer papel de castelão, para o qual não era chamado nem um pouco. E aí ficou meio mundano. Sem diminuir propriamente a piedade, desviou o eixo.
Lembro-me de uma carta de Santa Teresinha em que ela comentava com alguém que o Tio Guérin era um santo, mas um santo correspondente um pouquinho aos mitos — no bom sentido da palavra — do bom católico do século XIX.
Monsieur Martin, o pai dela, talvez tenha sido um verdadeiro santo. Madame Guérin morreu muito cedo; dá-me a impressão de boa senhora3. Santa Teresinha conservava recordações, e vê-se que era uma tendência do século XIX, porque ainda nessa época os mitos viviam nas pessoas, mais do que hoje em dia. De maneira que havia certo fundamento na realidade.
E Dona Lucilia fez uma ideia mítica, repassada de afeto, antes de tudo do pai — que eu não conheci —, e depois da mãe e de toda a parentela. Com o tempo, ela foi vendo as não correspondências de alguns a essa ideia, em parte por estar ela iludida, em parte porque as pessoas iam degringolando com o século, cuja decadência moral, obviamente, foi arrastando os indivíduos, que foram piorando no curso do tempo.

Mamãe não compreendia bem se ela tinha se equivocado ou se as pessoas tinham piorado. Vê-se que isso produzia nela um longo monólogo interior sobre a dureza da alma humana e o que é o homem, no fundo. O ser humano, em tese, decepciona, e aquilo que é o próprio da vida — estar juntos, olhar-se e querer-se bem — era considerado um mito pela maior parte das pessoas.
Continua...

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