No século XIX, as
pessoas tinham uma tendência de mitificar determinados parentes. Isso ocorreu
com Santa Teresinha, que julgava ser santo um tio dela. E Dona Lucilia
mitificou a figura de algumas pessoas de sua família. Posteriormente, verificou
que a realidade muitas vezes era diferente, o que produziu nela um longo
monólogo interior sobre a dureza da alma humana, quando não corresponde à graça
de Deus.
No que diz respeito às
devoções, há dentro da Santa Igreja uma liberdade de acordo com o movimento das
almas. Por exemplo, se eu comecei uma novena a Nossa Senhora e, de repente, me
ocorre de pedir a Santo Antônio de Pádua, pode ser uma prova de inconstância e,
portanto, uma coisa não bem feita; mas, em certas ocasiões, pode ser que eu não
faça mal, porque conheci, pelo movimento da graça, que aquilo calhava melhor.
Intercessão de Dona Lucilia junto a Nossa Senhora
No tocante ao pedido da
intercessão de Dona Lucilia, uma devoção conduz à outra; ou seja, se for bem
vista e bem usada, a devoção a ela leva ao afervoramento na devoção a Nossa
Senhora. Se a devoção a Maria Santíssima for bem praticada, conduz, muito
facilmente e sem alfândegas, ao recurso a ela. Essas coisas são livres como o ar.
Na Igreja, para tudo
aquilo que não é matéria de pecado há muita liberdade, conforme os sopros da
graça.
Para meu foro interno, é
certo este ponto: diminuir a devoção a Nossa Senhora, nunca! Por exemplo, eu
ficaria apavorado se alguém diminuísse a reza do Rosário para orar mais a
mamãe. Não! Adquiriu esse hábito, deve
conservá-lo até morrer! Entretanto, pode-se pedir que Dona Lucilia reze o
Rosário conosco, aos pés da Santíssima Virgem.
Não significa que o
papel de mamãe seja automático e que ela seria, portanto, um botão o qual,
pressionado, leva postalmente um pedido a Nossa Senhora. Contudo, pode haver
favores que, pedindo por meio de Dona Lucilia, nós obtemos da Mãe de Deus, e
que, não rogando por esse meio, não obteríamos. Portanto, nesse caso, é uma coisa
que depende de nós rogarmos a intercessão dela, porque Nossa Senhora quer essa
intercessão para nos atender. Se não houvesse essa intercessão, não nos
atenderia.
Tomemos como exemplo a
cena que se passava após a sagração do rei da França.
A escrófula é uma doença
localizada, que deixa a pele em estado muito repugnante. E o rei tocava os
escrofulosos, dizendo: “Le roi te touche, Dieu te guérisse”1. E muitos saíam de
lá se dizendo curados.
Imaginemos que um escrofuloso afirmasse o seguinte:
“O Rei me cura pela graça de Deus. Então, muito melhor do que ser tocado pelo
Rei é ser tocado pelo Santíssimo Sacramento. Logo, não quero ser tocado pelo
Rei e vou comungar.” Talvez não sarasse de sua escrófula...
Embora ele tivesse razão
— é muito melhor comungar do que ser tocado pelo rei —, para obter aquela cura
era desígnio de Deus glorificar o monarca; e, portanto, fazer a cura apenas
mediante o pedido do rei.
Vê-se, assim, como
nessas mediações não há nada de automático. Nós estamos tão viciados na
automação, que temos uma tendência a imaginar o automático.
Compreendo que uma alma
aflita, conhecendo que Nossa Senhora quer que se peça determinada graça por
meio de Dona Lucilia, agarre-se nela, com a convicção confusa de que, com isso,
realiza o plano da Providência. Não é que ela esteja passando por cima da
Providência, mas está obedecendo à Providência.
Continua...
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