quinta-feira, 28 de abril de 2016

Comemoração do aniversário de Dona Lucilia...

Mamãe tinha certeza absoluta de que eu compareceria para comemorar o aniversário dela. Morávamos na mesma casa, e ademais ela sabia bem o quanto eu a queria e, portanto, era certíssimo que estaria presente.
Ela poderia ter um certo receio de que, levado por preocupações do escritório, eu chegasse tarde, mas não começaria a refeição comemorativa do seu aniversário sem minha presença. Os convidados já sabiam disso, e não insistiam. Embora ficasse às vezes um pouco preocupada, ela não me dizia nada para não me contrariar.
O que havia de minha parte nessa ocasião era algo que pareceria impossível fazer, mas cabia numa circunstância assim: um redobramento de carinho. O carinho mesclado com um pouco de brincadeira que eu fazia com ela sobre um ponto ou outro, e que ela sabia muito bem ser gracejo. Por exemplo, já contei que frequentemente — acho que devido a essa temperatura aqui de São Paulo —, quando a osculava, eu sentia no meu rosto a ponta do nariz dela ligeiramente fria; então eu perguntava: “Como é, está com muito frio no nariz?”; são brincadeirinhas que se fazem para dar um pouquinho de alegria à vida de família.
...e o de Dr. Plinio
Ela festejava muito mais o meu aniversário do que o dela, mas isso não dependia de mim. O meu aniversário era comemorado no almoço e no jantar, com um menu redobrado; enquanto no aniversário dela havia só uma ceia em que compareciam os parentes mais chegados.
Para mim ela sempre mandava fazer um pombinho, porque quando estávamos na Alemanha, no hotel de uma estação de águas medicinais, chamada Wiesbaden, serviam pombinhos com certa frequência. E quando vinha esse prato à mesa, eu, sempre muito interessado em assuntos gastronômicos, já percebia de longe e dizia em voz alta, batendo palmas: “Mamãe, pombinhos!”
Dona Lucilia fazia-me sinal para não fazer barulho numa sala de jantar de um hotel solene. Basta dizer que nessa grande sala de jantar havia um ambiente, separado por um cortinado, com uma mesa montada para o Kaiser e pessoas da corte. Quando o Kaiser chegava, corriam as cortinas, tocavam o hino da Alemanha, batiam palmas, o Monarca agradecia, sentava-se e depois o almoço corria.
Mas, apesar da atenção dos empregados sempre voltada para a ideia de que, nos períodos de férias, o Kaiser poderia aparecer de uma hora para outra, o copeiro ficava muito contente quando tinha pombinhos porque gostava de ver a minha reação. Ele procurou traduzir a palavra pombinhos por “pimbinchen”. Não existe em alemão nem em português essa palavra; é uma mescla de subalemão e de nulo-português... E ele mostrava de longe o prato para mim e dizia: “Pimbinchen!”, e eu ficava muito contente.
Então, quando chegava o meu aniversário, ela mandava comprar “pimbinchens” na feira e os preparava segundo uma receita especial, e ficava uma coisa muito gostosa. Colocava três ou quatro “pimbinchens”, além de uma sobremesa. Tudo adequado. E quando vinham os pombinhos, ela dizia: “Filhão, seus ‘pimbinchens’.” E eu, às vezes, manifestava maior alegria para contentá-la também.
Isso era a nossa despretensiosa vida comum, mas que para mim consistia um tesouro com valor sem nome!
No tocante ao aniversário dela, Rosée se incumbia do presente, porque eram, em geral, artigos de senhora, dos quais eu não tinha a menor ideia. Eu combinava com minha irmã, acertávamos as contas e ela fazia a compra. De maneira que, às vezes, eu nem tomava conhecimento do que tinha sido dado. Mamãe sabia que isso era assim.
Evidentemente, fazíamos mais orações um pelo outro, mas não dialogando. São coisas do modo de ser paulista antigo. Isso não quer dizer que seja o ideal, mas também não acho reprimível; creio ser um modo de proceder que poderia ser melhor, mas estava bem.

Plinio Correa de Oliveira – Extraído de conferência de 22/4/1993

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