Mamãe tinha certeza
absoluta de que eu compareceria para comemorar o aniversário dela. Morávamos na
mesma casa, e ademais ela sabia bem o quanto eu a queria e, portanto, era
certíssimo que estaria presente.
Ela poderia ter um certo
receio de que, levado por preocupações do escritório, eu chegasse tarde, mas
não começaria a refeição comemorativa do seu aniversário sem minha presença. Os
convidados já sabiam disso, e não insistiam. Embora ficasse às vezes um pouco
preocupada, ela não me dizia nada para não me contrariar.
O que havia de minha
parte nessa ocasião era algo que pareceria impossível fazer, mas cabia numa
circunstância assim: um redobramento de carinho. O carinho mesclado com um
pouco de brincadeira que eu fazia com ela sobre um ponto ou outro, e que ela
sabia muito bem ser gracejo. Por exemplo, já contei que frequentemente — acho
que devido a essa temperatura aqui de São Paulo —, quando a osculava, eu sentia
no meu rosto a ponta do nariz dela ligeiramente fria; então eu perguntava:
“Como é, está com muito frio no nariz?”; são brincadeirinhas que se fazem para
dar um pouquinho de alegria à vida de família.
...e o de Dr. Plinio
Ela festejava muito mais
o meu aniversário do que o dela, mas isso não dependia de mim. O meu
aniversário era comemorado no almoço e no jantar, com um menu redobrado;
enquanto no aniversário dela havia só uma ceia em que compareciam os parentes
mais chegados.
Para mim ela sempre
mandava fazer um pombinho, porque quando estávamos na Alemanha, no hotel de uma
estação de águas medicinais, chamada Wiesbaden, serviam pombinhos com certa
frequência. E quando vinha esse prato à mesa, eu, sempre muito interessado em
assuntos gastronômicos, já percebia de longe e dizia em voz alta, batendo
palmas: “Mamãe, pombinhos!”
Dona Lucilia fazia-me
sinal para não fazer barulho numa sala de jantar de um hotel solene. Basta
dizer que nessa grande sala de jantar havia um ambiente, separado por um
cortinado, com uma mesa montada para o Kaiser e pessoas da corte. Quando o
Kaiser chegava, corriam as cortinas, tocavam o hino da Alemanha, batiam palmas,
o Monarca agradecia, sentava-se e depois o almoço corria.
Mas, apesar da atenção
dos empregados sempre voltada para a ideia de que, nos períodos de férias, o
Kaiser poderia aparecer de uma hora para outra, o copeiro ficava muito contente
quando tinha pombinhos porque gostava de ver a minha reação. Ele procurou
traduzir a palavra pombinhos por “pimbinchen”.
Não existe em alemão nem em português essa palavra; é uma mescla de subalemão e
de nulo-português... E ele mostrava de longe o prato para mim e dizia: “Pimbinchen!”, e eu ficava muito
contente.
Então, quando chegava o
meu aniversário, ela mandava comprar “pimbinchens” na feira e os preparava
segundo uma receita especial, e ficava uma coisa muito gostosa. Colocava três
ou quatro “pimbinchens”, além de uma
sobremesa. Tudo adequado. E quando vinham os pombinhos, ela dizia: “Filhão,
seus ‘pimbinchens’.” E eu, às vezes,
manifestava maior alegria para contentá-la também.
Isso era a nossa
despretensiosa vida comum, mas que para mim consistia um tesouro com valor sem
nome!
No tocante ao
aniversário dela, Rosée se incumbia do presente, porque eram, em geral, artigos
de senhora, dos quais eu não tinha a menor ideia. Eu combinava com minha irmã,
acertávamos as contas e ela fazia a compra. De maneira que, às vezes, eu nem
tomava conhecimento do que tinha sido dado. Mamãe sabia que isso era assim.
Evidentemente, fazíamos
mais orações um pelo outro, mas não dialogando. São coisas do modo de ser
paulista antigo. Isso não quer dizer que seja o ideal, mas também não acho
reprimível; creio ser um modo de proceder que poderia ser melhor, mas estava
bem.
Plinio Correa de Oliveira – Extraído
de conferência de 22/4/1993
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