...e os pombinhos
E
também havia pombinhos, que eram pequeninos, gorduchinhos, com asas de cor
cinzenta, verde e prateada; o conjunto formava uma combinação muito bonita. E
eles muito engraçadinhos, muito inofensivos. Era claro que não seríamos
crianças brasileiras se nós não levássemos também pão para os pombinhos...
Certo
dia, no hotel, prepararam pombinhos para o almoço. Comi vários deles e
manifestei muita alegria em servir-me dos pombinhos. O garçom, que entendia um
pouco de francês misturado com português que nós falávamos, compreendia mais ou
menos o que dizíamos. Quando ele aparecia na porta do salão, eu já ficava
esperando para ver se vinha pombinho. Quando isso acontecia, eu dizia para
mamãe:
—
Mamãe, olha pombinho, mamãe, olha pombinho.
— Meu
filho, sim, está bom, deixe o pombinho chegar que você come.
O
garçom, ao chegar junto à mesa, estendia com o braço um prato cheio de
pombinhos assados e dizia para mim, dando risada:
—
Pimbinchen!
Pimbin
é pombo, conforme ele traduzia. Chen, em alemão, é diminutivo. Então ele queria
dizer para mim: pombinhos. Ele falava em alemão algo meio atravessado, mas
muito afetuoso, muito amigo, e Dona Lucilia ficava contente de ver o garçom me
agradar.
À força
de eu gostar de pombinhos, começaram a fazê-los com frequência, e logo que
chegava esse prato já ia para a minha mesa, e o garçom dizia: pimbinchen. Eu
fazia confusão entre o que era português e o que era alemão, e falava
pimbinchen para mamãe:
—
Mamãe, olha o pimbinchen lá.
Mamãe
achava graça e não me corrigiu; deixou que eu fosse falando assim porque todo
mundo na família achava engraçado. Então quando ela queria lembrar aquele tempo
de especial afeto, ela escrevia na carta “meu pimbinchen”, para dar a entender
que ela continuava a me querer bem, com a mesma maternalidade do tempo em que
eu tinha quatro ou cinco anos.
Mas
acontece que, em francês, pombinho se diz pigeon; estando em Paris — para onde
fomos logo depois de Wiesbaden —, quando vinha pombinho o garçom dizia pigeon.
Por causa disso, mamãe começou a me tratar de pigeon, e em suas cartas vinha
ora pigeon, ora pimbinchen.
Vê-se
bem o extremo afeto que ela punha dentro disso, que torna um fato tão banal,
tão pequenino, cheio de recordações para mim.
Em Colônia, só poderia haver
”água-de-colônia‘...
E não
posso me esquecer desse e de outros fatos de minha infância, que mamãe me
contava de vez em quando. Eu os conhecia inteiramente, mas a narração dela
tinha para mim um sabor especial.
Um
deles aconteceu em Colônia, uma das mais famosas cidades alemãs. Depois de
rodar um pouco pela Alemanha, fomos parar em Colônia. A família toda entrou no
hotel, levaram-nos para os quartos que nos estavam reservados, e o gerente
mostrava uma coisa e outra, no fundo para agradar ao cliente e tê-lo mais uma
vez lá.
Enquanto
mamãe, vovó e meu pai se instalavam, eu abria e fechava a torneira do
lavatório. Em certo momento, voltei-me para mamãe e disse indignado:
—
Mamãe, isso aqui não vale nada!
Mamãe,
que já estava habituada com as minhas tiradas, pensou: “Vamos ver o que é que o
Plinio inventou agora.”
— O que
é, meu filho?
— A
senhora abre aqui essa torneira e só sai água comum.
— Mas o
que você quer que saia, meu filho?
—
Água-de-colônia! A cidade chama-se Colônia, e abrindo-se a torneira tem de sair
água-de-colônia!
Risos,
naturalmente, de todos os que estavam presentes, e eu meio desapontado: “Por
que estão rindo?” Ela intervinha com o agrado dela, eu sossegava e a vida
continuava.
Essas
coisas todas ela contava com tantas saudades, de um modo tão encantador, tão
miúdo, que se tinha a impressão de estar de novo presente naqueles dias.
Plinio
Correa de Oliveira – Extraído de
conferência de
23/4/1994

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