sexta-feira, 2 de outubro de 2015

O amor materno de Dona Lucilia - III

...e os pombinhos
E também havia pombinhos, que eram pequeninos, gorduchinhos, com asas de cor cinzenta, verde e prateada; o conjunto formava uma combinação muito bonita. E eles muito engraçadinhos, muito inofensivos. Era claro que não seríamos crianças brasileiras se nós não levássemos também pão para os pombinhos...
Certo dia, no hotel, prepararam pombinhos para o almoço. Comi vários deles e manifestei muita alegria em servir-me dos pombinhos. O garçom, que entendia um pouco de francês misturado com português que nós falávamos, compreendia mais ou menos o que dizíamos. Quando ele aparecia na porta do salão, eu já ficava esperando para ver se vinha pombinho. Quando isso acontecia, eu dizia para mamãe:
— Mamãe, olha pombinho, mamãe, olha pombinho.
— Meu filho, sim, está bom, deixe o pombinho chegar que você come.
O garçom, ao chegar junto à mesa, estendia com o braço um prato cheio de pombinhos assados e dizia para mim, dando risada:
— Pimbinchen!
Pimbin é pombo, conforme ele traduzia. Chen, em alemão, é diminutivo. Então ele queria dizer para mim: pombinhos. Ele falava em alemão algo meio atravessado, mas muito afetuoso, muito amigo, e Dona Lucilia ficava contente de ver o garçom me agradar.
À força de eu gostar de pombinhos, começaram a fazê-los com frequência, e logo que chegava esse prato já ia para a minha mesa, e o garçom dizia: pimbinchen. Eu fazia confusão entre o que era português e o que era alemão, e falava pimbinchen para mamãe:
— Mamãe, olha o pimbinchen lá.
Mamãe achava graça e não me corrigiu; deixou que eu fosse falando assim porque todo mundo na família achava engraçado. Então quando ela queria lembrar aquele tempo de especial afeto, ela escrevia na carta “meu pimbinchen”, para dar a entender que ela continuava a me querer bem, com a mesma maternalidade do tempo em que eu tinha quatro ou cinco anos.
Mas acontece que, em francês, pombinho se diz pigeon; estando em Paris — para onde fomos logo depois de Wiesbaden —, quando vinha pombinho o garçom dizia pigeon. Por causa disso, mamãe começou a me tratar de pigeon, e em suas cartas vinha ora pigeon, ora pimbinchen.
Vê-se bem o extremo afeto que ela punha dentro disso, que torna um fato tão banal, tão pequenino, cheio de recordações para mim.
Em Colônia, só poderia haver ”água-de-colônia‘...
E não posso me esquecer desse e de outros fatos de minha infância, que mamãe me contava de vez em quando. Eu os conhecia inteiramente, mas a narração dela tinha para mim um sabor especial.
Um deles aconteceu em Colônia, uma das mais famosas cidades alemãs. Depois de rodar um pouco pela Alemanha, fomos parar em Colônia. A família toda entrou no hotel, levaram-nos para os quartos que nos estavam reservados, e o gerente mostrava uma coisa e outra, no fundo para agradar ao cliente e tê-lo mais uma vez lá.
Enquanto mamãe, vovó e meu pai se instalavam, eu abria e fechava a torneira do lavatório. Em certo momento, voltei-me para mamãe e disse indignado:
— Mamãe, isso aqui não vale nada!
Mamãe, que já estava habituada com as minhas tiradas, pensou: “Vamos ver o que é que o Plinio inventou agora.”
— O que é, meu filho?
— A senhora abre aqui essa torneira e só sai água comum.
— Mas o que você quer que saia, meu filho?
— Água-de-colônia! A cidade chama-se Colônia, e abrindo-se a torneira tem de sair água-de-colônia!
Risos, naturalmente, de todos os que estavam presentes, e eu meio desapontado: “Por que estão rindo?” Ela intervinha com o agrado dela, eu sossegava e a vida continuava.
Essas coisas todas ela contava com tantas saudades, de um modo tão encantador, tão miúdo, que se tinha a impressão de estar de novo presente naqueles dias.

Plinio Correa de Oliveira – Extraído de conferência de 23/4/1994

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