Continuação do post anterior
Título
para uma fotografia: "Meditação"
Outras
vezes tocavam música por esses aparelhos de som que há hoje; e ela era muito
musical. Quando começava a música, Dona Lucilia parava de conversar, e todo
mundo também parava de conversar para que ela pudesse ouvir a melodia. E ela
não conversava durante a audição, mas ficava prestando atenção na música.
Sentada numa poltrona, mamãe seguia bem a música e começava, discretamente, a
acompanhar o ritmo da melodia, embora tivesse dificuldade em ouvir e usasse um
aparelho auditivo. Às vezes era difícil acompanhar o ritmo da música, e algum
dos presentes chamava a atenção dos outros, mostrando que ela não errava, mas
ia batendo com os dedos aquele compasso certinho. E com muita seriedade, porque
ela — ao mesmo tempo muito afável, gentil — era muito séria em tudo quanto
fazia.
Uma
fotografia na qual se nota muito isso é a de Dona Lucilia em Paris. Nessa foto,
ela está em vestido de gala, sentada num banco de madeira e com a mão colocada
no encosto do móvel. Fazendo o quê? Pensando. E pensando com tanta seriedade,
com tanta compostura, que se teria vontade de dar a esta fotografia o seguinte
título: “Meditação”.
Os cisnes de Wiesbaden...
Também
as cartas com as quais mamãe respondia às que eu lhe mandava, eram em extremo
carinhosas. Quer dizer, não se podia ser mais carinhosa do que ela era, mas as
cartas tinham muita seriedade, não havia uma brincadeira. Diziam muitas coisas
que se referiam à minha infância, e outras que, no pequeno âmbito familiar,
tinham os seus aspectos pitorescos.
Numa
das cartas ela escreveu assim: “Meu pigeon querido”. Numa outra missiva me
tratou de “meu pimbinchen.” O que quer dizer aí pigeon e pimbinchen?
Em
Wiesbaden, na Alemanha, havia um lugar famoso pelas águas minerais, benéficas
para a saúde, a Kurhaus. Logo depois da operação que mamãe sofreu em Berlim, o
médico recomendou que ela fosse para essas águas de Wiesbaden, e que passasse
ali o tempo que pudesse ao ar livre. E ela fazia isso.
E bem
mais cedo do que ela, como é natural para crianças de quatro e cinco anos,
levantávamos, minha irmã e eu, e a Fräulein Mathilde também. Esta nos vestia e
partíamos para o parque, que era maravilhoso, com árvores estupendas, e
brincávamos lá. Havia uma espécie de cerca, um lugar reservado para as crianças
entrarem que depois era fechado, e ali ficavam brincando. Nesse local existia
um grande reservatório de água; as crianças levavam uns pacotinhos, que lá eram
vendidos, com pedacinhos de pão muito bem cortados, e no reservatório havia um
bom número de cisnes. As crianças então jogavam o pão dentro da água e os
cisnes vinham majestosamente em direção a elas.
O cisne
levantava a cabeça, punha aquele seu bico amarelo dentro da água, “puft” e
pegava o pão. Mas depois — era uma coisa engraçada — o pão, molhado na água,
naturalmente, entrava muito mole no bico do cisne, o qual tem uns dentinhos
minúsculos, quase como uma serra, e acho que não dava para ele mastigar. O fato
concreto é que o cisne punha o pão no bico e por aquele pescoço, que é como um
tubo comprido, tinha que passar o alimento. Ele então levantava a cabeça de
novo, com aquela calma de quem não estivesse mastigando nada, e continuava
nadando. Eu gostava muito de olhar para o cisne, com aquele seu ar
aristocrático.
Os
encarregados de guardar os cisnes viam que as crianças eram inofensivas, e
permitiam que fizéssemos várias coisas. Então nós caminhávamos pelo gramado
adentro, chegávamos até à beirada do lago, e o cisne ficava lá esperando.
Quando jogávamos o pão, ele “pssit!”. Às vezes ficava um pouco de água pendente
do bico; ele balançava elegantemente a cabeça e depois continuava a nadar.
Continua...
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