sábado, 26 de setembro de 2015

O amor materno de Dona Lucilia - II

Continuação do post anterior

Título para uma fotografia: "Meditação"
Outras vezes tocavam música por esses aparelhos de som que há hoje; e ela era muito musical. Quando começava a música, Dona Lucilia parava de conversar, e todo mundo também parava de conversar para que ela pudesse ouvir a melodia. E ela não conversava durante a audição, mas ficava prestando atenção na música. Sentada numa poltrona, mamãe seguia bem a música e começava, discretamente, a acompanhar o ritmo da melodia, embora tivesse dificuldade em ouvir e usasse um aparelho auditivo. Às vezes era difícil acompanhar o ritmo da música, e algum dos presentes chamava a atenção dos outros, mostrando que ela não errava, mas ia batendo com os dedos aquele compasso certinho. E com muita seriedade, porque ela — ao mesmo tempo muito afável, gentil — era muito séria em tudo quanto fazia.
Uma fotografia na qual se nota muito isso é a de Dona Lucilia em Paris. Nessa foto, ela está em vestido de gala, sentada num banco de madeira e com a mão colocada no encosto do móvel. Fazendo o quê? Pensando. E pensando com tanta seriedade, com tanta compostura, que se teria vontade de dar a esta fotografia o seguinte título: “Meditação”.
Os cisnes de Wiesbaden...
Também as cartas com as quais mamãe respondia às que eu lhe mandava, eram em extremo carinhosas. Quer dizer, não se podia ser mais carinhosa do que ela era, mas as cartas tinham muita seriedade, não havia uma brincadeira. Diziam muitas coisas que se referiam à minha infância, e outras que, no pequeno âmbito familiar, tinham os seus aspectos pitorescos.
Numa das cartas ela escreveu assim: “Meu pigeon querido”. Numa outra missiva me tratou de “meu pimbinchen.” O que quer dizer aí pigeon e pimbinchen?
Em Wiesbaden, na Alemanha, havia um lugar famoso pelas águas minerais, benéficas para a saúde, a Kurhaus. Logo depois da operação que mamãe sofreu em Berlim, o médico recomendou que ela fosse para essas águas de Wiesbaden, e que passasse ali o tempo que pudesse ao ar livre. E ela fazia isso.
E bem mais cedo do que ela, como é natural para crianças de quatro e cinco anos, levantávamos, minha irmã e eu, e a Fräulein Mathilde também. Esta nos vestia e partíamos para o parque, que era maravilhoso, com árvores estupendas, e brincávamos lá. Havia uma espécie de cerca, um lugar reservado para as crianças entrarem que depois era fechado, e ali ficavam brincando. Nesse local existia um grande reservatório de água; as crianças levavam uns pacotinhos, que lá eram vendidos, com pedacinhos de pão muito bem cortados, e no reservatório havia um bom número de cisnes. As crianças então jogavam o pão dentro da água e os cisnes vinham majestosamente em direção a elas.
O cisne levantava a cabeça, punha aquele seu bico amarelo dentro da água, “puft” e pegava o pão. Mas depois — era uma coisa engraçada — o pão, molhado na água, naturalmente, entrava muito mole no bico do cisne, o qual tem uns dentinhos minúsculos, quase como uma serra, e acho que não dava para ele mastigar. O fato concreto é que o cisne punha o pão no bico e por aquele pescoço, que é como um tubo comprido, tinha que passar o alimento. Ele então levantava a cabeça de novo, com aquela calma de quem não estivesse mastigando nada, e continuava nadando. Eu gostava muito de olhar para o cisne, com aquele seu ar aristocrático.

Os encarregados de guardar os cisnes viam que as crianças eram inofensivas, e permitiam que fizéssemos várias coisas. Então nós caminhávamos pelo gramado adentro, chegávamos até à beirada do lago, e o cisne ficava lá esperando. Quando jogávamos o pão, ele “pssit!”. Às vezes ficava um pouco de água pendente do bico; ele balançava elegantemente a cabeça e depois continuava a nadar.
Continua...

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