quarta-feira, 29 de julho de 2015

Carinho extremo... ( cont)

Continuação do post anterior
Equilíbrio semelhante ao do pêndulo de um relógio
Quando o homem impõe respeito e tem carinho, ele possui um equilíbrio semelhante ao do pêndulo de um relógio, que chega a um extremo, vai ao outro extremo, e deste volta para o primeiro, fazendo os ponteiros marcarem a hora certa.
Debaixo de certo ponto de vista, o carinho e a veneração também se equilibram dessa forma: quem chega ao extremo do carinho fica desejoso de venerar; quem atinge o extremo da veneração quer acariciar. Essas duas coisas se completam.
Compreende-se assim que em presença de uma mãe como foi Dona Lucilia, a tendência para a veneração e para o carinho eram enormes.
Para falar da veneração, lembro-me dos pitos que recebi dela e de como eu queria bem a esses pitos.
Ela passava o pito de modo tão respeitável, mas ao mesmo tempo era tão carinhosa que depois da repreensão eu saía meio ofegante de admiração.
Qual é a criança que não merece um pito de vez em quando? Tenho visto muitos filhos receberem pitos de suas mães e saírem furiosos, e também as mães ficarem furiosas quando repreendem os filhos. Furiosa comigo mamãe nunca esteve; ela passava pitos, mas eram pitos bondosos, firmes, e também lógicos, bem raciocinados; às vezes, ela empregava umas fórmulas quase duras, mas ditas com muito carinho.
Lembro-me de uma fórmula usada por ela a propósito de meus boletins.
Boletins do Colégio São Luís
No Colégio São Luís, dos padres jesuítas, as notas dos alunos eram dadas todos os meses. Havia uma caderneta com doze páginas, equivalente aos meses do ano. Em cada página estavam impressas, numa coluna, os nomes das matérias, a primeira das quais era Religião.
Ao lado dessa coluna existia outra na qual se consignavam as notas relativas ao estudo e ao comportamento em sala de aula. Em geral, quem estudava era bem comportado na aula; e quem era bem comportado estudava.
Mas havia alguns alunos de péssimo comportamento; cheguei a ver um padre chorar por causa das atitudes de um aluno.
Às vezes, o padre dizia para algum aluno que estava conversando no fundo da sala de aula:
— Fulano, venha cá e fique de pé, olhando para a parede.
O menino ficava, então, até ao fim da aula nessa posição, o que era uma coisa muito desagradável.

Havia um aluno que possuía um hábito horrível. Ele pegava as pálpebras e as virava pelo avesso; ficavam então aqueles olhões saltados e, como a pálpebra do lado de dentro é vermelha, aquela vermelhidão.
O padre o chamava para ir até a frente. Ele ia e ficava olhando para o lado, enquanto o sacerdote continuava dando aula. De repente o padre percebia uma gargalhada e procurava saber o que havia: era aquele aluno que tinha virado as pálpebras e estava olhando para os colegas de classe. O sacerdote não percebia logo porque, quando parava de falar, o aluno desvirava as pálpebras. O padre olhava para ele e o aluno fitava o padre com uma cara muito natural. Era só o padre recomeçar a aula, que ele novamente virava as pálpebras.
Alunos como esse são verdadeiro tormento para o professor.
Então, havia notas de comportamento e de aproveitamento, para cada matéria.
Dona Lucilia costumava me dizer o seguinte: “Eu faço questão que você tenha notas boas em tudo, mas quero sobretudo em comportamento. Porque se no aproveitamento tiver notas baixas, é sinal de que você é burro. Fico com muita pena de ter um filho burro, mas não se nega alimento nem para os burros, de maneira que você pode ficar vivendo e comendo aqui como burro da casa.”
Naturalmente ela falava isso para me dar brio.
Depois continuava: “Em comportamento, não. O aluno recebe nota má de comportamento porque é ruim, e filho ruim eu não tolero. Ninguém tem culpa de ter nascido burro, e se eu pus no mundo um filho burro, chamado Plinio, paciência. Mas se eu pus no mundo um filho, ele tem que ser bom; não posso tolerar que seja ruim.”
Eu olhava para mamãe e pensava: “Será que ela acha que eu sou burro? De repente sou mesmo, hein! Que coisa desagradável, mas, afinal, o que posso fazer?”
Em Geografia: nota seis de comportamento
No Colégio São Luís, no final de cada mês entrava o bedel na sala de aula com uma pilha de cadernetas e as entregava para cada aluno; chegando a suas casas, os alunos deveriam mostrá-las para os pais.
Os padres, para terem certeza que os pais tinham visto as cadernetas, pediam que eles as assinassem. Todo mês o bedel examinava cada caderneta e, se em alguma não constava a assinatura do pai, mandava-a de volta, pedindo ao progenitor que a assinasse. E se o aluno não a trouxesse, telefonava para o pai. Isso era feito para que o pai exigisse do filho o estudo. Tudo muito bem pensado e muito direito.
Certo dia, quando recebi do bedel minha caderneta, verifiquei que as notas de aproveitamento eram bastante boas. E nota dez de comportamento em todas as disciplinas, exceto em Geografia, cuja nota era seis. Eu fiquei pasmo, pois não fizera nada de errado. Dona Lucilia tolerava até nove, mas nota seis ela não toleraria nunca.
Quanto às aulas de Geografia, eu achava cacete ficar aprendendo os nomes de todos os países. E naquele tempo o estudo era muito severo. O Brasil possuía então vinte e um Estados; hoje tem mais. O aluno precisava saber de cor os limites de cada Estado com outro. Era ponto de exame, por exemplo, saber quais os limites de Goiás com Mato Grosso, dois Estados que naquela época quase não eram habitados.
Então se devia saber de cor: partindo de tal serra, encontra-se um rio, que dá num lago, no qual tem origem tal outro rio, que encontra determinada montanha etc.
Além de achar cacetíssimo isto, eu tinha muita dificuldade de decorar, pois não possuía boa memória. Mas nunca, na aula, eu deixava de me comportar bem. Então como foi possível receber nota seis? E quando eu chegar a minha casa...
Pensei: “Foi uma injustiça que me fez esse professor de Geografia, o qual naturalmente observa que eu acho as aulas dele desagradáveis; ficou indignado comigo e mandou pôr nota seis. Mas já sei como vou me arranjar.”
Peguei uma caneta e escrevi dez em cima do seis. Notando que ficava evidente o seis embaixo do dez, pensei: “Agora piorou a situação, porque mamãe verá que escrevi dez com minha letra grandona, pesadona, e me pedirá explicações.”

Eu ainda estava no colégio e chovia. Disse para comigo: “Vou sair da sala, abrir o boletim e deixar cair água da chuva sobre ele. Com certeza uma gota de água cairá em cima desse dez; e direi à mamãe que a chuva borrou o boletim. Verei se tapeio mamãe de qualquer jeito.” Fui para fora; caía chuva em todo o boletim, mas a nota dez continuava seca...
Continua no próximo post

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