Continuação do post anterior
Equilíbrio semelhante ao do
pêndulo de um relógio
Quando
o homem impõe respeito e tem carinho, ele possui um equilíbrio semelhante ao do
pêndulo de um relógio, que chega a um extremo, vai ao outro extremo, e deste
volta para o primeiro, fazendo os ponteiros marcarem a hora certa.
Debaixo
de certo ponto de vista, o carinho e a veneração também se equilibram dessa
forma: quem chega ao extremo do carinho fica desejoso de venerar; quem atinge o
extremo da veneração quer acariciar. Essas duas coisas se completam.
Compreende-se
assim que em presença de uma mãe como foi Dona Lucilia, a tendência para a
veneração e para o carinho eram enormes.
Para
falar da veneração, lembro-me dos pitos que recebi dela e de como eu queria bem
a esses pitos.
Ela
passava o pito de modo tão respeitável, mas ao mesmo tempo era tão carinhosa
que depois da repreensão eu saía meio ofegante de admiração.
Qual é
a criança que não merece um pito de vez em quando? Tenho visto muitos filhos
receberem pitos de suas mães e saírem furiosos, e também as mães ficarem
furiosas quando repreendem os filhos. Furiosa comigo mamãe nunca esteve; ela
passava pitos, mas eram pitos bondosos, firmes, e também lógicos, bem
raciocinados; às vezes, ela empregava umas fórmulas quase duras, mas ditas com
muito carinho.
Lembro-me
de uma fórmula usada por ela a propósito de meus boletins.
Boletins do Colégio São Luís
No
Colégio São Luís, dos padres jesuítas, as notas dos alunos eram dadas todos os
meses. Havia uma caderneta com doze páginas, equivalente aos meses do ano. Em
cada página estavam impressas, numa coluna, os nomes das matérias, a primeira
das quais era Religião.
Ao lado
dessa coluna existia outra na qual se consignavam as notas relativas ao estudo
e ao comportamento em sala de aula. Em geral, quem estudava era bem comportado
na aula; e quem era bem comportado estudava.
Mas
havia alguns alunos de péssimo comportamento; cheguei a ver um padre chorar por
causa das atitudes de um aluno.
Às
vezes, o padre dizia para algum aluno que estava conversando no fundo da sala
de aula:
—
Fulano, venha cá e fique de pé, olhando para a parede.
O
menino ficava, então, até ao fim da aula nessa posição, o que era uma coisa
muito desagradável.
Havia
um aluno que possuía um hábito horrível. Ele pegava as pálpebras e as virava
pelo avesso; ficavam então aqueles olhões saltados e, como a pálpebra do lado
de dentro é vermelha, aquela vermelhidão.
O padre
o chamava para ir até a frente. Ele ia e ficava olhando para o lado, enquanto o
sacerdote continuava dando aula. De repente o padre percebia uma gargalhada e
procurava saber o que havia: era aquele aluno que tinha virado as pálpebras e
estava olhando para os colegas de classe. O sacerdote não percebia logo porque,
quando parava de falar, o aluno desvirava as pálpebras. O padre olhava para ele
e o aluno fitava o padre com uma cara muito natural. Era só o padre recomeçar a
aula, que ele novamente virava as pálpebras.
Alunos
como esse são verdadeiro tormento para o professor.
Então,
havia notas de comportamento e de aproveitamento, para cada matéria.
Dona
Lucilia costumava me dizer o seguinte: “Eu faço questão que você tenha notas
boas em tudo, mas quero sobretudo em comportamento. Porque se no aproveitamento
tiver notas baixas, é sinal de que você é burro. Fico com muita pena de ter um
filho burro, mas não se nega alimento nem para os burros, de maneira que você
pode ficar vivendo e comendo aqui como burro da casa.”
Naturalmente
ela falava isso para me dar brio.
Depois
continuava: “Em comportamento, não. O aluno recebe nota má de comportamento
porque é ruim, e filho ruim eu não tolero. Ninguém tem culpa de ter nascido burro,
e se eu pus no mundo um filho burro, chamado Plinio, paciência. Mas se eu pus
no mundo um filho, ele tem que ser bom; não posso tolerar que seja ruim.”
Eu
olhava para mamãe e pensava: “Será que ela acha que eu sou burro? De repente
sou mesmo, hein! Que coisa desagradável, mas, afinal, o que posso fazer?”
Em Geografia: nota seis de
comportamento
No
Colégio São Luís, no final de cada mês entrava o bedel na sala de aula com uma
pilha de cadernetas e as entregava para cada aluno; chegando a suas casas, os
alunos deveriam mostrá-las para os pais.
Os
padres, para terem certeza que os pais tinham visto as cadernetas, pediam que
eles as assinassem. Todo mês o bedel examinava cada caderneta e, se em alguma
não constava a assinatura do pai, mandava-a de volta, pedindo ao progenitor que
a assinasse. E se o aluno não a trouxesse, telefonava para o pai. Isso era
feito para que o pai exigisse do filho o estudo. Tudo muito bem pensado e muito
direito.
Certo
dia, quando recebi do bedel minha caderneta, verifiquei que as notas de
aproveitamento eram bastante boas. E nota dez de comportamento em todas as
disciplinas, exceto em Geografia, cuja nota era seis. Eu fiquei pasmo, pois não
fizera nada de errado. Dona Lucilia tolerava até nove, mas nota seis ela não
toleraria nunca.
Quanto
às aulas de Geografia, eu achava cacete ficar aprendendo os nomes de todos os
países. E naquele tempo o estudo era muito severo. O Brasil possuía então vinte
e um Estados; hoje tem mais. O aluno precisava saber de cor os limites de cada
Estado com outro. Era ponto de exame, por exemplo, saber quais os limites de
Goiás com Mato Grosso, dois Estados que naquela época quase não eram habitados.
Então
se devia saber de cor: partindo de tal serra, encontra-se um rio, que dá num
lago, no qual tem origem tal outro rio, que encontra determinada montanha etc.
Além de
achar cacetíssimo isto, eu tinha muita dificuldade de decorar, pois não possuía
boa memória. Mas nunca, na aula, eu deixava de me comportar bem. Então como foi
possível receber nota seis? E quando eu chegar a minha casa...
Pensei:
“Foi uma injustiça que me fez esse professor de Geografia, o qual naturalmente
observa que eu acho as aulas dele desagradáveis; ficou indignado comigo e
mandou pôr nota seis. Mas já sei como vou me arranjar.”
Peguei
uma caneta e escrevi dez em cima do seis. Notando que ficava evidente o seis
embaixo do dez, pensei: “Agora piorou a situação, porque mamãe verá que escrevi
dez com minha letra grandona, pesadona, e me pedirá explicações.”
Eu
ainda estava no colégio e chovia. Disse para comigo: “Vou sair da sala, abrir o
boletim e deixar cair água da chuva sobre ele. Com certeza uma gota de água
cairá em cima desse dez; e direi à mamãe que a chuva borrou o boletim. Verei se
tapeio mamãe de qualquer jeito.” Fui para fora; caía chuva em todo o boletim,
mas a nota dez continuava seca...
Continua no próximo post
Nenhum comentário:
Postar um comentário