terça-feira, 2 de junho de 2015

Afeto, causa de encanto

Plinio Correa de Oliveira analisa, cheio de amor, as qualidades de sua extremosa mãe.
Quando ainda muito jovem — talvez aos três anos de idade —, eu notava em mamãe uma harmonia, uma bondade e uma elevação em tudo quanto ela fazia: tudo quanto ela dizia era elevado, tudo aquilo em rumo do qual ela se movimentava era bom. Em síntese, ela possuía um extraordinário conjunto de qualidades que formavam um todo.
Lembro-me, por exemplo, de quando eu tinha insônias. Durante certo período de minha infância fui sujeito a acordar durante a noite.
Quando a criança acorda durante a noite e vê que todos da casa estão dormindo, naturalmente é tomada por uma sensação de solidão e de insegurança. Ela não tem ninguém que a proteja das sombras formadas apenas por uma tênue luz que penetra no quarto escuro através da veneziana, dando-lhe uma sensação do peso do próprio corpo e da própria alma, que a faz pensar: “Devo enfrentar sozinho esta situação, e se acontecer alguma coisa tenho que resolver o problema. Se entrar um ladrão, o que vou fazer? Talvez eu deva acordar papai e mamãe. Mas, se o ladrão perceber e me matar?”
Propositadamente, mamãe mandava colocar todas as noites minha cama junto à sua, e abaixava a grade que as separava. Então, quando eu acordava e via mamãe dormindo com uma respiração muito regular, mas muito profunda e tranquila, eu sabia que, caso tivesse necessidade, apesar de seu sono profundo, se eu conseguisse acordá-la, ela me faria uma boa acolhida.
Eu então desatava a chamá-la. Porém, como todo menino — eu tinha dois anos de idade! — não pronunciava bem as palavras, e em vez de dizer “mãezinha”, dizia:
— Manguinha, manguinha!
Ela não atendia. Então, sentava-me sobre seu peito para despertá-la e, quando ela não acordava, eu, de um temperamento categórico desde pequeno, começava a mexê-la. Às vezes, por estar doente ou devido a um sono naturalmente muito profundo, ela continuava a dormir. Eu pensava: “Ela não acorda, mas estou precisando dela mais do que nunca... Não aguento esta solidão.” Em certo momento, eu decidia: “Bom, vou arriscar tudo: abrirei os olhos dela com meus dedos.” Naturalmente isso tinha de dar certo! E eu o fazia sem o mínimo mau humor, mas pelo contrário, com muito afeto e respeito.
Afinal ela acordava, e então eu sentia tudo de uma só vez: um afeto aveludado, profundo, envolvente e tranquilizador, uma pena que mostrava quanto ela compreendia minha dor e o embaraço no qual eu me encontrava. Estreitava-me junto a si, sentava-se imediatamente, sorria e dizia:
— Filhinho, o que é?
— Eu não estou conseguindo dormir.
Ela se sentava, e eu lhe pedia:
— Manguinha, conte-me uma história.
Não se tratava tanto de que eu quisesse ouvir uma história, mas sim eu desejava que ela não dormisse para eu não ficar sozinho naquela vastidão obscura. Ela então me contava uma história, dentre as muitas que ela sabia, e eu ficava encantado.
À medida que ela ia falando, eu ia me tranquilizando e o sono naturalmente ia vindo. Quando percebia que eu já estava com bastante sono, ela me suspendia pelos braços e me punha deitado em minha cama; eu já estava derrotado e dormia profundamente.

Ao acordar na manhã seguinte, eu sentia uma profunda impressão de toda aquela harmonia e carinho que eu tinha recebido durante a noite; por isso, ia eu logo para a cama dela a fim de acordá-la, beijá-la e perguntar-lhe como tinha passado. Ela ficava encantada. Ou seja, mesmo com todos esses pequenos aborrecimentos que uma criancinha dá, pelo afeto extraordinário que tinha para comigo, ela ficava contente.

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