sexta-feira, 19 de junho de 2015

A confiança de Dona Lucilia (cont)

Continuação do post anterior
“Meu filho, eu só tenho você...”
Entendemos assim a preocupação constante, as longas orações que ela fazia até às três horas da manhã. Já idosa, com noventa e dois anos, ela ainda fazia essas preces.
Tenho certeza de que a oração que ela fazia junto à imagem do Sagrado Coração de Jesus era em muito larga medida dirigida em meu favor, confiando que o Sagrado Coração de Jesus e o Coração Imaculado de Maria me dariam as forças para aquilo que ela percebia ser uma missão muito difícil para mim. Então, a bem dizer, ela me conduzia pela mão para o caminho do dever.
Dona Lucilia percebia que eu era profundamente agradecido a essa atitude dela, pelas minhas numerosas manifestações de afeto para com ela; eram incontáveis, e ela notava quanto eu lhe queria bem.
Determinado dia, no vai e vem comum da casa, eu estava no meu escritório; levantei-me para sair e, no corredor, ela vinha num sentido e eu no outro, e nos encontramos. Eu sorri, ela pôs a mão no meu ombro e disse: “Meu filho, eu só tenho você, mas você eu tenho por inteiro.”

Vemos assim a análise que ela fazia. Quer dizer: “Você continua fiel? Continua unido a mim porque eu sou católica como devo ser? E você por causa disto continua unido a mim? Você é verdadeiramente meu filho como eu quero que seja?” E depois a resposta: “Olhando você, eu vejo que é.”
Primeira viagem de Dr. Plinio à Europa
Eu também fazia coisas com ela que nunca ouvi dizer que alguém fizesse com outra pessoa.
Por exemplo, nessa primeira viagem que fiz à Europa eu não quis que ela soubesse. Por uma razão muito simples: naquele tempo, a aviação estava muito mais atrasada do que hoje e, portanto, o risco de um acidente era muito mais provável do que é atualmente. Dona Lucilia ficava com muito medo de que o avião caísse, razão pela qual eu nunca ia ao Rio de avião. Eu achava melhor fazer a longuíssima viagem ao Rio de Janeiro de ônibus ou de trem — e eu preferia trem, embora fosse horrível — do que tomar avião, para ela ficar sossegadinha em casa e não ter problemas de nenhuma espécie.
Mas dessa vez, não; embora a aviação fosse ainda imperfeita, para ir à Europa eu viajaria de avião. E eu não queria que ela soubesse disso.
Então falei com uma irmã de mamãe e a minha irmã, as quais frequentavam muito a minha casa, explicando-lhes que eu ia para a Europa, e combinei com elas: “Vocês duas, no dia da minha viagem, venham visitar Dona Lucilia para animá-la um pouco, e durante a minha ausência estejam aqui muito mais do que costumam vir, para ela ter companhia, não ficar isolada.”
Deu-se esse fato: durante o jantar falou-se a respeito de uma viagem que eu ia fazer ao Rio de Janeiro. Era verdade, porque para ir à Europa tinha que se passar pelo Rio. Mas eu não ia só para o Rio; o Rio era um ponto de passagem no caminho.
Eu havia dito a mamãe que ia para o Rio e combinei com ela para preparar roupa. Enquanto estávamos combinando, durante o jantar, notei que os olhos dela se encheram de lágrimas, mas logo depois ela se dominou e mudou de jeito. Fiquei na dúvida: “O que seria isso, por que essas lágrimas?”
“Procuro o Plinio em vários lugares e não o encontro...”
Na manhã seguinte, me despedi e fui para o aeroporto. Algum tempo depois ela telefona para sua irmã e lhe pergunta:
— Diga-me uma coisa: onde é que está Plinio?
Minha tia, que sabia que eu estava no avião, ficou espantada com aquela indagação e disse:
— Oh! Lucilia. Ele está viajando.
— Não. Eu já tenho — essa frase é característica — procurado Plinio em vários lugares e não o encontro. Procuro-o no Rio, para onde Plinio disse que iria, mas lá ele não está. Plinio está em algum lugar aonde ele nunca vai. O que o Plinio está fazendo?
— Olhe, isto está muito complicado. Eu vou tomar um automóvel, chego aí e converso com você.
Ela foi e encontrou mamãe deitada e rezando. Minha tia — o apelido dela era Zili — entrou no quarto e Dona Lucilia lhe perguntou:
— Zili, onde é que está Plinio?
Minha tia deu risada para alegrá-la um pouco e disse:
— Você não sabe onde está Plinio?
— Não, não sei. Diga-me onde é que está Plinio.
— Lance um lugar qualquer.
— Eu não sei. Já tentei tudo e não descobri Plinio.
— Está bom, então vou lhe dizer. O Plinio está num avião a caminho para a Europa.
— Ah! Mas o Plinio tomou o avião para ir à Europa?!
— Sim. Hoje todo mundo viaja para a Europa de avião. Ele tem que levar a vida de uma pessoa do tempo dele, não pode viajar como Pedro Álvares Cabral, de caravela. Por que ele não haveria de viajar assim? Só por ser seu filho? — brincando com ela.
Ela chorou e depois minha tia lhe disse:
— Você deve ficar muito contente, porque essa viagem enriquecerá sua cultura. Ele verá várias coisas da Europa e, ademais, servirá à Religião.
Então mamãe ficou mais animada.
Logo depois, toca a campainha: uma enorme cesta de flores, muito bonita, que eu mandava para ela com um cartãozinho, explicando por que não lhe havia dito que eu ia para a Europa, e lhe mandava beijos.
Naturalmente, toda mãe se comove com isso, e ela ficou muito comovida. Guardou o cartão e mandou pôr as flores num vaso.

Algum tempo antes do jantar, outro toque de campainha: era a segunda cesta de flores que eu mandava naquele dia, com outro cartão, outra manifestação de afeto, que ela recebeu muito enternecidamente.
Continua no próximo post

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