Continuação do post anterior
“Meu filho, eu só tenho você...”
Entendemos
assim a preocupação constante, as longas orações que ela fazia até às três
horas da manhã. Já idosa, com noventa e dois anos, ela ainda fazia essas
preces.
Tenho
certeza de que a oração que ela fazia junto à imagem do Sagrado Coração de
Jesus era em muito larga medida dirigida em meu favor, confiando que o Sagrado
Coração de Jesus e o Coração Imaculado de Maria me dariam as forças para aquilo
que ela percebia ser uma missão muito difícil para mim. Então, a bem dizer, ela
me conduzia pela mão para o caminho do dever.
Dona
Lucilia percebia que eu era profundamente agradecido a essa atitude dela, pelas
minhas numerosas manifestações de afeto para com ela; eram incontáveis, e ela
notava quanto eu lhe queria bem.
Determinado
dia, no vai e vem comum da casa, eu estava no meu escritório; levantei-me para
sair e, no corredor, ela vinha num sentido e eu no outro, e nos encontramos. Eu
sorri, ela pôs a mão no meu ombro e disse: “Meu filho, eu só tenho você, mas
você eu tenho por inteiro.”
Vemos
assim a análise que ela fazia. Quer dizer: “Você continua fiel? Continua unido
a mim porque eu sou católica como devo ser? E você por causa disto continua
unido a mim? Você é verdadeiramente meu filho como eu quero que seja?” E depois
a resposta: “Olhando você, eu vejo que é.”
Primeira
viagem de Dr. Plinio à Europa
Eu
também fazia coisas com ela que nunca ouvi dizer que alguém fizesse com outra
pessoa.
Por
exemplo, nessa primeira viagem que fiz à Europa eu não quis que ela soubesse.
Por uma razão muito simples: naquele tempo, a aviação estava muito mais
atrasada do que hoje e, portanto, o risco de um acidente era muito mais
provável do que é atualmente. Dona Lucilia ficava com muito medo de que o avião
caísse, razão pela qual eu nunca ia ao Rio de avião. Eu achava melhor fazer a
longuíssima viagem ao Rio de Janeiro de ônibus ou de trem — e eu preferia trem,
embora fosse horrível — do que tomar avião, para ela ficar sossegadinha em casa
e não ter problemas de nenhuma espécie.
Mas
dessa vez, não; embora a aviação fosse ainda imperfeita, para ir à Europa eu
viajaria de avião. E eu não queria que ela soubesse disso.
Então
falei com uma irmã de mamãe e a minha irmã, as quais frequentavam muito a minha
casa, explicando-lhes que eu ia para a Europa, e combinei com elas: “Vocês
duas, no dia da minha viagem, venham visitar Dona Lucilia para animá-la um
pouco, e durante a minha ausência estejam aqui muito mais do que costumam vir,
para ela ter companhia, não ficar isolada.”
Deu-se
esse fato: durante o jantar falou-se a respeito de uma viagem que eu ia fazer
ao Rio de Janeiro. Era verdade, porque para ir à Europa tinha que se passar
pelo Rio. Mas eu não ia só para o Rio; o Rio era um ponto de passagem no
caminho.
Eu
havia dito a mamãe que ia para o Rio e combinei com ela para preparar roupa.
Enquanto estávamos combinando, durante o jantar, notei que os olhos dela se
encheram de lágrimas, mas logo depois ela se dominou e mudou de jeito. Fiquei
na dúvida: “O que seria isso, por que essas lágrimas?”
“Procuro o Plinio em vários
lugares e não o encontro...”
Na
manhã seguinte, me despedi e fui para o aeroporto. Algum tempo depois ela
telefona para sua irmã e lhe pergunta:
—
Diga-me uma coisa: onde é que está Plinio?
Minha
tia, que sabia que eu estava no avião, ficou espantada com aquela indagação e
disse:
— Oh!
Lucilia. Ele está viajando.
— Não.
Eu já tenho — essa frase é característica — procurado Plinio em vários lugares
e não o encontro. Procuro-o no Rio, para onde Plinio disse que iria, mas lá ele
não está. Plinio está em algum lugar aonde ele nunca vai. O que o Plinio está
fazendo?
— Olhe,
isto está muito complicado. Eu vou tomar um automóvel, chego aí e converso com
você.
Ela foi
e encontrou mamãe deitada e rezando. Minha tia — o apelido dela era Zili —
entrou no quarto e Dona Lucilia lhe perguntou:
— Zili,
onde é que está Plinio?
Minha
tia deu risada para alegrá-la um pouco e disse:
— Você
não sabe onde está Plinio?
— Não,
não sei. Diga-me onde é que está Plinio.
— Lance
um lugar qualquer.
— Eu
não sei. Já tentei tudo e não descobri Plinio.
— Está
bom, então vou lhe dizer. O Plinio está num avião a caminho para a Europa.
— Ah!
Mas o Plinio tomou o avião para ir à Europa?!
— Sim.
Hoje todo mundo viaja para a Europa de avião. Ele tem que levar a vida de uma
pessoa do tempo dele, não pode viajar como Pedro Álvares Cabral, de caravela.
Por que ele não haveria de viajar assim? Só por ser seu filho? — brincando com
ela.
Ela
chorou e depois minha tia lhe disse:
— Você
deve ficar muito contente, porque essa viagem enriquecerá sua cultura. Ele verá
várias coisas da Europa e, ademais, servirá à Religião.
Então
mamãe ficou mais animada.
Logo
depois, toca a campainha: uma enorme cesta de flores, muito bonita, que eu
mandava para ela com um cartãozinho, explicando por que não lhe havia dito que
eu ia para a Europa, e lhe mandava beijos.
Naturalmente,
toda mãe se comove com isso, e ela ficou muito comovida. Guardou o cartão e
mandou pôr as flores num vaso.
Algum
tempo antes do jantar, outro toque de campainha: era a segunda cesta de flores
que eu mandava naquele dia, com outro cartão, outra manifestação de afeto, que
ela recebeu muito enternecidamente.
Continua no próximo post
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