quarta-feira, 6 de maio de 2015

Assistindo a discussões...

Apesar de extremamente bondosa e amável, Dona Lucilia não desaprovava seu filho quando este, em defesa dos bons princípios, engajava-se em alguma tertúlia. Vejamos uma descrição que fez seu filho Plinio Corrêa de Oliveira.
Meus pais, minha irmã e eu morávamos na casa de minha avó materna, para fazer-lhe companhia. Essa residência era o centro da família, todos os outros filhos dela, netos, noras, genros etc., a frequentavam e a casa estava, portanto, continuamente cheia.
Os meninos, chegando à casa, procuravam por mim porque gostavam de conversar com os que tinham a mesma idade. Assim, frequentemente, parentes ou amigos queriam falar comigo, sobretudo durante as refeições.
As crianças, jantavam e almoçavam numa sala própria para não atrapalharem a conversa dos mais velhos. Mas, quando ficavam um pouco mais velhinhas eram chamadas para assistir a conversação, sendo-lhes permitido dar opiniões. E os mais velhos, às vezes, corrigiam suas palavras, quando havia algum erro de português, de francês. Com quinze anos de idade, era-se obrigado a falar francês correntemente.
As conversas durante as refeições em casa de Dona Gabriela
Nessas ocasiões, surgiam com frequência os dois temas essenciais, em torno dos quais girava a conversa à mesa: religião e monarquia. Eu tinha parentes católicos e monarquistas, bem como ateus e republicanos; e entre uns e outros saíam discussões acesas, mas no fundo cordiais, pois eles conservavam a amizade. E sempre tive um gosto enorme por discussão; achava uma delícia!
Eu ficava ouvindo a conversa e, naturalmente, não podia me meter na discussão de qualquer modo porque não tolerariam que um pimpolho de quinze anos atrapalhasse. Mas com certo jeito se conseguia.
Quando a discussão entre dois estava muito acesa, se um menino perguntasse: “Olha, não estou entendendo tal coisa, queria me explicar?”, havia uma vantagem para a família em elucidar o jovenzinho, a fim de que desenvolvesse sua inteligência. Então paravam a contenda e explicavam-lhe como era tal coisa, tal outra.
Hoje a televisão suplantou completamente a discussão, e até eliminou a conversa dos membros da família entre si. Mas naquele tempo não havia televisão, nem rádio. Pode-se, então, imaginar como as conversas eram vivas.
Eu apresentava, então, perguntas à maneira de casca de banana, pois muitas vezes sabia quais eram as respostas. Dirigindo-me ao tio republicano ou ao tio ateu, indagava: “Não compreendi bem; o senhor deu tal argumento, poderia explicar-me?” Ele ficava contente e pensava: “Tenho um novo discípulo”; dava a resposta e eu apresentava a minha objeção, enrolando-o na discussão. E, às vezes, eles se zangavam e começavam a esbravejar. Eu lançava uma vista d’olhos para Dona Lucilia, porque não queria desagradá-la, mas se percebesse que não iria causar-lhe descontentamento continuava a contenda. E, às vezes, eram discussões quentíssimas...
Em defesa de Cristo Rei
Lembro-me de que, em certa ocasião, próximo da festa de Cristo Rei, um tio, que estava sentado ao meu lado, voltando-se para mim — eu já era estudante de Direito — disse: “Não posso compreender essa festa de Cristo Rei. Pôr uma coroa na cabeça de Jesus Cristo — nas imagens de Cristo Rei Ele está coroado —, como se Ele lucrasse alguma coisa. Ele é muito mais do que rei, está no Céu e lá não precisa de coroa. É um verdadeiro absurdo.” E, com ar de pouco caso, acrescentou: “São coisas da Igreja Católica que eu não compreendo.”
Redargui: “O senhor não compreende porque desconhece que a Igreja é mestra dos povos e deve tornar claro às pessoas uma série de fatos que, às vezes, sem uma explicação, não entendem. Cristo tem o direito de ser obedecido por todos os povos da Terra porque é Deus. A Escritura diz d’Ele: Rex regum et Dominus dominantium — Rei dos reis e Senhor dos senhores1. E para que o povo compreenda isto, o verdadeiro é representá-Lo com uma coroa de rei, símbolo do mais alto poder que existe na Terra, na ordem temporal. Cristo Nosso Senhor tem esse poder em todas as ordens; Ele é verdadeiramente o Rei. O senhor não acha que isso está bem?”
Ele resmungou, e eu acrescentei: “Os teólogos pensam sobre isto e têm um mar de coisas a refletir e a meditar; é um tema profundo. Mas, de outro lado, é tão simples que com poucas palavras a Igreja ensina isso ao povo: Ele é rei e aqui está a coroa.”
Nessas discussões por vezes saíam berros. Dona Lucilia, sempre tranquila — se fosse por outra razão, ela me chamaria logo a atenção —, assistia àquilo inteiramente calma.

Continua no próximo post

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