Continuação do post anterior
Naquele tempo, em
todas as casas que tinham certo conforto, se usava, na mesa, palitos, mas não
como os existentes hoje, os quais são achas de lenha em ponto pequeno para
futricar os dentes. Eram feitos de uma madeira muito branca, macia, bonita, que
vinha de Portugal, e bem fabricados, dando a impressão de uma lançazinha de
cavalaria.
E Dona Lucilia,
estando na casa somente pessoas da família, com certa frequência tirava um
palito do paliteiro e, com uma faca de sobremesa, começava a cortá-lo,
levantando a madeira em todos os lados, formando assim um tufozinho, uma espécie
de brinquedinho para encher o tempo.
Quando ficava
alarmada devido a uma discussão que ia mal, ou algo semelhante, ela parava de
cortar; e quando estava despreocupada ela continuava. Invariavelmente.
Eu olhava para mamãe
e pensava: “Ela está cortando o palito, portanto posso continuar que não
acontece nada!” Não era uma combinação de sinal entre nós, mas seu hábito me
fazia ver em que estado de espírito ela se encontrava. Então, ela cortava o
palito e eu cortava o meu interlocutor!
As intervenções de Dona Lucilia
Às vezes ela se metia
na discussão, sobretudo se houvesse qualquer risco de tomar ar de blasfêmia,
falarem contra Nosso Senhor Jesus Cristo, Nossa Senhora etc. Nesses casos,
mamãe intervinha seriamente: “Não se pode dizer isto, eu não permito, não
tolero. Vamos mudar de assunto.”
Passado o episódio,
todas as doçuras dela renasciam e sua bondade era sempre conquistadora.
Bondade com princípios
Recentemente, tive
uma recordação disso por um modo curioso. Um membro de nosso Movimento
encontrou-se com um filho de um irmão dela, portanto meu primo-irmão, o qual
possui mentalidade muito diferente da minha, mas sempre tivemos relações
cordiais.
Tendo o membro de
nosso Movimento lhe perguntado se se lembrava de Dona Lucilia, ele disse: “Tia
Lucilia? Eu me lembro perfeitamente dela; era uma pessoa extraordinária. Nunca
encontrei afeto em minha vida igual ao que ela tinha por mim!”
E ele, já velho, se
recordava de um fato de sua infância como se tivesse ocorrido ontem. Os pais
dele fizeram uma viagem de repouso ao Rio de Janeiro e, não querendo levar
crianças a fim de ficarem despreocupados, deixaram os três filhos hospedados em
casa de minha avó.
O mais velho dos
três, o qual tinha mais ou menos doze anos, sem tomar em consideração o feitio
muito autoritário de minha avó — era uma grande senhora, de estilo antigo, e
que mandava pelo olhar, ninguém mexia com ela —, chegou bem atrasado para o
almoço.
Quando ele sentou-se
à mesa, ela perguntou-lhe: “Fulano, onde é que você esteve?” Ele respondeu: “Eu
fui fazer tal coisa.” Minha avó então lhe disse: “Mas na hora do almoço? Você
não sabe em que casa está? E que nessa casa não se chega atrasado às refeições?
Saiba respeitar a sua avó e todas as pessoas que estão junto a esta mesa,
comendo há certo tempo sem que você tenha aparecido para almoçar com elas. Isso
é um desaforo.”
Ele então desatou em
choro. Minha avó: “Um homem não chora, pare de chorar!” Naturalmente, ele
chorou mais ainda, porque a tragédia estava ficando maior.
Mamãe, que estava
sentada ao seu lado, fez um sinalzinho no braço dele, levantou-se e disse-lhe:
“Venha comigo.” Ele saiu com ela e foram para o corredor contíguo à sala de
jantar, onde mamãe o colocou bem junto a si; ele se agarrou ao pescoço dela, e
chorava ainda mais. Então mamãe disse-lhe: “Meu filho, você precisa
compreender, sua avó é assim mesmo; é uma senhora dos antigos tempos e não
permite nada que não esteja inteiramente na linha. Ela faz bem, mas sua tia
está aqui com pena de você, sossegue um pouquinho e vá lá para a mesa que sua
avó não vai falar mais nada. Termine de comer e depois vá dormir, pois isso
logo passa.”
Diz esse meu primo
que essa recordação de um afeto incomparável ele guardou a vida inteira. Mas,
ela dizendo: “Sua avó faz bem e você não deve chegar atrasado nas refeições”,
significava que o princípio ela mantinha.
Plinio Correa de
Oliveira – Extraído de conferência de 31/7/1993
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