sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Seriedade

Dona Lucilia não era de maneira alguma uma mãe abobada, e sim coerente. Com ela “dois mais dois era igual a quatro”. Se não houvesse esta nota dominante, eu não gostaria dela como gosto.
Lembro-me de que, quando eu era mocinho, na época de formação do caráter, mamãe me dizia o seguinte: “Os tempos são muito ruins e você ainda é moço. Ninguém sabe do que é capaz uma pessoa que se extravia. É bom você saber que eu preferiria vê-lo morto a desencaminhado.” Ela daria a vida para que eu não morresse, mas preferia ver-me morto a colocado numa situação de pecado mortal, em ruptura com a Igreja. É assim que se deve ser. A seriedade dela me impressionava profundamente.
Isto me ajudava a refletir, pois, sendo muito lógico, eu apreciava o encadeamento do pensamento, chegando a cogitações como a seguinte: “É belo que ela seja intransigente e leve a intransigência até o fim do caminho! Esta atitude demonstra como ela é integra. E às pessoas que são íntegras deve-se querer inteiramente.”
Refletindo sobre a intransigência de sua mãe
A partir disto eu fazia reflexões doutrinárias: “O que é a intransigência? Se nela é bela, também será em outros. Então, há algo intrínseco na intransigência que torna bela minha mãe. Logo, há algo para além dela que lhe dá a beleza e vale mais do que ela. Isso tem que ser definido doutrinariamente.” Porém, eu percebia não bastar definir a intransigência, pois, uma vez elaborado o conceito, ou essa qualidade existe de modo absoluto em uma outra ordem de coisas que não é a nossa, ou a definição nada significa. E pensava: “Para entender o que é, preciso ter união de alma com mamãe, a fim de ser intransigente como ela.”
Ou seja, minha alma estava voltada para algo que eu não sabia ser o Céu e, portanto, Deus. Deus não corresponde a uma definição da virtude que existe fora d’Ele e com a qual procura se conformar. Ele é a personificação de todas as virtudes.
Esse foi um grande dia de minha vida, em que descobri isso, a propósito de um exemplo tão simples como uma mãe dentro de casa, comentando uma manteiga, contando uma história de família ou tratando de algo doméstico.
A vida de mamãe era marcada por um modo de ser que convidava à reflexão doutrinária e ao ato de Fé. Do mais profundo de minha alma, agradeço-lhe tudo que ela fez por mim.
Com Dona Lucilia aprendi a fazer algumas reflexões e sobretudo a ter enorme gosto de passar da impressão para a reflexão. De maneira que não era preciso cortar a impressão para começar a refletir; a reflexão se evolava da impressão, como o perfume sai de uma flor.

Plinio Correa de Oliveira – Extraído de conferência de 10/8/1980

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