quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Os “jeitinhos” suaves e delicados de Dona Lucilia

O “jeitinho”, característico do povo brasileiro, era também uma qualidade de Dona Lucilia. Lembrando um episódio da vida familiar, seu filho Plinio Correa de Oliveira comenta a arte de solucionar situações delicadas com serenidade e grandeza.
O que vem a ser o “jeitinho”? O que faz aí o diminutivo, necessário e indispensável, para que a palavra “jeito” tenha o seu verdadeiro valor? Pode-se falar que uma pessoa, uma resposta, uma saída são jeitosas; e o mesmo a respeito da defesa de alguma pessoa a quem se quer bem, ou da acusação a quem se julga dever denunciar. Que significa “jeito”, nesses casos? É uma qualidade de uma pessoa que, devendo praticar algo e se deparando com dificuldades, encontra surpreendentemente uma solução para resolvê-las.
 O que é o “jeitinho”?
O “jeitinho” é uma solução inesperada de uma situação que, aparentemente, não tem saída. Ele exige muita finura de visão para perceber que existe solução e, depois de descobri-la, executá-la de tal maneira que a dificuldade fique inteiramente resolvida sem encrenca.
Deve ter êxito e chamar pouca atenção, do contrário não é “jeitinho”. Às vezes, não é necessário falar; com um movimento de dedos, um golpe de olhar, um sorriso, ou um cumprimento, atinge-se o objetivo. Por isso ele é “jeitinho”: rápido, pequenino e triunfante.
Toda a riqueza desta arte consiste em perceber, com grande gênio, pequeníssimos problemas, na realidade importantes, e soluções menores ainda do que os problemas. Soluções que exigiriam quase um microscópio para serem descobertas, mas que a pessoa percebe, arranja e vai para frente.
Os “jeitinhos” de Dona Lucilia
Analisando mamãe, eu via que ela era muito jeitosa, sobretudo num ponto: consolar as pessoas que estavam sofrendo física ou moralmente; a esse respeito não havia ninguém igual à Dona Lucilia.
Recentemente, um sobrinho dela — portanto, meu primo-irmão — contou um fato que estava nas brumas da minha memória, do qual me lembrava confusamente.
Minha avó, dona da casa onde morávamos, era uma senhora já velha, mas muito bonita e imponente. Com o olhar ela dominava as pessoas. Durante as refeições — como é natural, sendo ela a matriarca —, ficava sentada junto à cabeceira da mesa.
Um filho dela, que viajara com a esposa para o Rio de Janeiro, deixou hospedados na casa de vovó dois filhos e uma filha, ainda meninos, o que ela aceitou como a coisa mais natural do mundo, e o era de fato. Mandou instalar as crianças, colocando os meninos num quarto e a menina em outro.
O mais velho tinha ganhado, recentemente, uma bicicleta, que ele levou para a casa de sua avó, onde iria passar alguns dias, pois queria dar alguns giros com o veículo.
Situação difícil
Certa manhã, esse meu primo havia saído de bicicleta e, na hora do almoço, não estava presente, ou porque gostara do passeio e não quis voltar, ou se esquecera da refeição.
O almoço começou e, em certo momento, minha avó disse:
— Por que Fulano não está presente?
Somente neste instante, dei-me conta de que ele não estava; fiquei quieto.
Ela, então, perguntou a mamãe:
— Lucilia, Fulano não está?
— A senhora está vendo, ele não se encontra.
— Quando ele chegar, verá o que lhe custará isso.
Algum tempo depois, o menino apareceu e minha avó disse-lhe antes de ele sentar-se:
— Onde é que você andou?
— Eu fui dar um passeio de bicicleta.
— Mas você foi onde com essa bicicleta?
— Estive em tais e tais ruas — ele em pé esperando licença para sentar-se.
— Mas você se dá conta de que está em casa de sua avó, lugar de sumo respeito, e não tem o direito de chegar atrasado?
Ele ficou esmagado porque não supunha essa censura. E disse:
— A senhora me desculpe.
— Não, senhor, não se trata de desculpa. Esse assunto não terminou; depois do almoço verá o que é punição. Agora se sente e coma depressa sem conversar, para não atrasar o serviço da mesa.
O resultado foi que o menino — que tinha então uns doze anos — retirou-se da sala, chorando. Isso produziu nas pessoas certo movimento, muito brasileiro, de compaixão. Mas a dona da casa estava vigiando os olhos e os olhares; todos ficaram quietos.
A saída encontrada por Dona Lucilia
Olhei para mamãe: ela permanecia inteiramente tranquila, conforme seu modo de ser. O normal seria que estivesse com muita pena do menino, o qual era seu sobrinho, mas ela ficou em silêncio.
Tomou um ar o mais neutro possível e, quando a conversa tinha mudado de tema, ela disse:
— Com licença,  preciso sair um pouco para ver uma coisa.
Levantou-se e percebi que mamãe fora para o corredor, situado ao lado da sala de jantar, a fim de consolar o rapazinho que chorava debandadamente, explicando-lhe entre outras coisas:
— Sua avó é assim mesmo, você não se incomode. Ela é uma senhora muito boa.
Realmente, vovó era, por exemplo, muito esmoler e tinha grande pena dos pobres. Porém, seus netos não estavam na lista dos pobres...
Diga-se entre parênteses que às vezes minha irmã e eu enfrentávamos discussões tempestuosas com ela. Conosco as coisas não se passavam assim, mas à maneira de duelo.
O menino, então, parou de chorar, entrou com mamãe na sala de jantar, sentou-se e começou a comer ativamente, em silêncio; possuía um apetite de leão. Minha avó tinha-se acalmado e o ambiente da sala se recompôs; o “jeitinho” de Dona Lucilia havia resolvido o caso.
Esse menino, hoje homem feito, há pouco tempo atrás, conversando com alguém que se interessava pela vida de mamãe, narrou esse fato e acrescentou o seguinte: “Tia Lucilia era uma santa! O calor de um afeto assim eu nunca mais senti na minha vida, e até hoje me lembro disso.”
Nesse caso, no que consistiu o “jeitinho”?
Em compreender que não adiantava dizer qualquer coisa à vovó, nem consolar o menino naquela ocasião, porque minha avó não permitiria. Ele estava sendo castigado e não podia ter consolo.
O que fez mamãe? Conservou-se numa neutralidade tranquila que irradiava tranquilidade em torno de si.
Então, primeira característica do “jeitinho” foi ter essa tranquilidade e saber espargi-la no momento certo. Segunda, o haver percebido qual era o instante em que ela podia sair para atender o sobrinho. Logo que chegou esse momento, ela levantou-se muito calma e tranquila, dizendo “Eu preciso ver uma coisa lá dentro”; isso não era mentira, pois ela tinha que ver esse menino, e todos os presentes tomaram suas palavras com naturalidade. Julgo não terem eles nem se lembrado de que mamãe ia atender seu sobrinho.
Outra característica: de um modo rápido tranquilizou o menino, para não ficar muito tempo fora da sala e não causar à minha avó a desconfiança de que ela estava consolando-o. Depois, regressou com o sobrinho e o pôs junto à mesa, tendo prestado atenção no assunto da conversa para evitar que a prosa voltasse a se referir ao menino. Assim, o almoço continuou normalmente.
Assim era mamãe: com “jeitinho”, resolvia uma série de situações difíceis.

Plinio Correa de Oliveira – Extraído de conferência de 19/10/1994

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