Ao nos
descrever o temperamento e a forma de ser de sua mãe, Dr. Plinio salienta o
afeto e a delicadeza de alma com que ela se relacionava, e a atitude que tomava
perante a vida: um sentir-se a todo momento na presença de Deus para, no fim da
existência terrena, apresentar-se ao Criador com todos os sacrifícios aceitos e
a Ele oferecidos.
Para melhor se
compreender a personalidade de mamãe, é preciso tomar em consideração ter sido
ela, fundamentalmente, uma senhora do século XIX, como aquele tempo entendia o
modo de ser que uma senhora devia manifestar. O que em nada desmerece as
características das damas nascidas nessa quadra histórica, pois a excelsa Santa
Teresinha do Menino Jesus, nos seus escritos, na sua conduta antes de se tornar
carmelita, e mesmo depois de ter ingressado no convento, portou-se em tudo como
uma moça francesa do século XIX. As poesias da santa, os cânticos compostos por
ela, seus desenhos e sua linguagem, eram próprios da jovem dos idos de 1880,
assim como o pai dela, Sr. Martin, percebe-se pelas suas fotografias, era o
típico Monsieur daquela época.
Donde, o ponto de
partida para se entender mamãe é situá-la como uma senhora nascida e formada,
na sua mocidade, no século XIX.
Invulgar maturidade de espírito
Essa característica,
somada a outras peculiaridades, faziam dela uma pessoa cuja mentalidade
dir-se-ia muito anterior à da sua geração. Por exemplo, no convívio doméstico,
Dona Lucilia conversava com a mãe dela quase como se fossem da mesma idade. Por
outro lado, em relação à irmã seis anos mais nova, tratavam-se como se entre
elas houvesse um valo divisório. Quer dizer, mamãe demonstrava possuir mais afinidade
com as coisas e pessoas do tempo de minha avó — portanto, na flor do século XIX
— do que com as de sua época ou pouco mais novas.
Um fato ilustra bem
essa situação. Nas primeiras décadas do século XX, muitas mulheres começaram a
aderir à moda de cortar os cabelos, deixando-os bem curtos, junto ao queixo.
Algumas parentes de mamãe, inclusive suas irmãs mais novas, logo adotaram o
penteado em voga. Dona Lucilia, porém, nunca cortou os cabelos, e faleceu
usando os cabelos compridos, como era típico das senhoras do século anterior.
Basta analisar,
aliás, fotografias dela tiradas quando tinha seus 35 anos, e posteriores, para
se perceber tratar-se de uma pessoa da Belle Époque, que atingira uma
maturidade de espírito maior do que o comum das mulheres de sua geração.
Características da antiga dama paulista
Poder-se-ia então
perguntar como se apresentava uma senhora da aristocracia paulista do século
XIX, como era mamãe.
Eu diria que era uma
senhora afeita, de maneira acentuada, ao âmbito doméstico. Passava a maior
parte de seu tempo em casa, gostava de cuidar das coisas do lar, ausentandose
poucas vezes para acompanhar as filhas. Duas ou três vezes por ano assistia a
algum espetáculo de gala, especialmente quando atores estrangeiros encenavam
peças no Teatro Municipal.
A par desses eventos,
a vida social consistia em visitas a amigos e parentes, nos moldes de outrora.
Chegava-se à casa, tocava-se a campainha, a governanta ou outra ajudante
aparecia:
— Pois não?
— Dona fulana está?
— Ah, sim, por favor,
entre. Vou avisar que a senhora a espera.
A anfitriã se fazia
aguardar durante alguns minutos de estilo, e então surgia, afável e acolhedora.
— Ah! Bom dia! Como
vai a senhora? Quanto gosto em recebê-la!
— Vou bem, e a
senhora, como está? E os seus filhos, como vão?
Sentavam-se, e
durante duas ou três horas desenrolava-se aquela conversa de visitas,
entretenidas para elas e — devo dizê-lo — bem menos para os filhos e
acompanhantes...
Seja como for, mamãe
recebia e fazia tais visitas, agradava-se com elas e à noite, durante o jantar,
prolongava aquela satisfação comentando tais e tais aspectos, esse ou aquele
fato aventado durante o encontro da manhã ou da tarde.
Assim era ela, o seu
ambiente, o tempo no qual nasceu e cresceu, e cujas influências marcaram sua
vida.
Agora, cumpre
assinalar também o papel de uma senhora com essas características, dentro do
convívio doméstico. Ela devia demonstrar uma forma de inteligência por onde
compreendesse os imponderáveis do caráter, do temperamento, da tradição, da
missão e do estilo da sua família. Compreendendo isso, era-lhe dado representar
nesse conjunto, com sutileza, o equilíbrio afetivo. Esse era o papel da
senhora.
Continua no próximo post
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