domingo, 2 de novembro de 2014

No extremo da vida

Diante das mais duras contrariedades que a Providência permitiu enfrentasse ao longo de sua vida, Dona Lucilia manifestou invariável tranquilidade e profunda confiança no socorro do Céu. Nessas horas de sofrimento, recorda Dr. Plinio, dela nunca se ouviu uma queixa nem uma lamentação, pois tinha sua alma alicerçada nos mais altos valores espirituais que devem reger nossa existência neste mundo.
Quando já anciã, Dona Lucilia começou a ouvir menos e a ter as vistas empanadas por catarata. Numa época em que a remoção desse mal não era aconselhável em pessoas idosas, mamãe se percebia caminhando para uma espécie de sepultamento em vida, posto que privada da visão e da audição. Situação para ela bastante dolorosa, pois era uma pessoa muito comunicativa e, de um momento para outro, se achava completamente isolada.
Notava eu que essa circunstância lhe trazia tristeza e melancolia, mas nenhuma amargura nem queixa. Trilhava seu caminho com o passo igual ao de todos os momentos, e seguia em frente.
Afinal, depois de economizar algum dinheiro, foi-me possível comprar para ela um aparelho de audição. O começar a usá-lo representou para mamãe como um reflorescer: pôde ouvir melhor e, com isso, participar novamente das conversas e do convívio familiar. Sua satisfação era notória, porém não de uma alegria intemperante. A toada da sua vida continuou na mesma linha, na mesma tranqüilidade, na mesma dignidade. Por um princípio de fidelidade, não mudou em absolutamente nada: “Meu modo de ser, com a graça de Deus, é o que me parece mais conveniente a uma senhora católica. Sejam os outros de outra maneira, eu continuarei meu caminho e assim será até o fim. Ainda que custe isolamento e incompreensão, assim será até eu morrer. Com calma e tranquilidade.”
Acima de tudo, os valores religiosos
Pela misericórdia de Maria Santíssima, nossa situação financeira melhorou e nos foi possível mudar para o bom apartamento da Rua Alagoas, num dos melhores bairros de São Paulo da época, onde mamãe poderia passar o resto de sua vida cercada de mais conforto e dignidade. Dona Lucilia o percebeu e ficou muito satisfeita, sem perder aquela igualdade de ânimo e a temperança de espírito que, a meu ver, significavam a perfeita proporção entre o acontecimento externo e a repercussão interna dentro da vida dela. De maneira que ela vibrava em face das coisas na medida em que essa vibração deveria existir, segundo uma ordem de valores em que o religioso estava acima de tudo. Abaixo — embora ela não soubesse empregar o termo — vinham os valores metafísicos, em seguida os morais, e, por fim, os interesses contingentes da existência humana, tratados com o devido e legítimo cuidado.
Quanto a estes últimos, por exemplo, lembro-me de como ela se desdobrava para que minha irmã e eu tivéssemos o necessário para mantermos uma boa saúde, ou uma ótima educação, contratando inclusive a Fräulein Mathilde, preceptora alemã que tinha sido governanta em excelentes famílias europeias.
Quer dizer, mamãe não negligenciava o contingente, mas este se mantinha no manso e calmo terreno das coisas contingentes. O essencial da vida era se preocupar com os valores mais altos, religiosos, conformes à Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Era conhecer-se e querer-se bem…  

Plinio Correa de Oliveira – Extraído de conferência em 24/6/1973

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