Ao recordar as manifestações de bondade que conheceu no
seu tempo de moço, Dr. Plinio evoca um dos muitos episódios transcorridos em
seu ambiente doméstico, nos quais sobressaía, aos seus olhos de filho, a figura
de Dona Lucilia, caracterizada por um particular equilíbrio entre carinho,
compaixão e justiça.
Mais de uma vez,
atendendo à curiosidade dos que me seguem, tenho lhes falado da bondade de
mamãe. Creio, porém, não ter ainda salientado um aspecto desse predicado que
tanto a distinguia, que era o elemento compaixão.
Segundo o modo de
entender do brasileiro, a bondade é uma disposição de alma emotiva. Essa
emocionalidade provém de um sentimento de afeto e de enternecimento diante,
sobretudo, de um ser humano, mas também em relação a outras criaturas, que
sofram de qualquer carência e, por isso mesmo, se acham num estado de
necessidade.
Portanto, nessa
concepção, a bondade seria a virtude pela qual, vendo-se o próximo padecer
alguma privação, participa-se dessa dor e procura-se remediá-la. Antes de tudo,
para socorrer o outro, mas também para aliviar a si próprio da tristeza que lhe
causa o sofrimento alheio.
Assim, na apreciação
brasileira da bondade, a primazia é esse sentimento de compaixão, do qual
aquela decorre. Ora, a bondade de mamãe muito se manifestava, e talvez
principalmente, nessa acepção da palavra.
Equilíbrio entre compaixão e justiça
Convém frisar,
entretanto, que essa compaixão não sobrepujava o senso de justiça, quando esta
tinha de ser aplicada.
Para nos atermos ao
modo brasileiro de interpretar os conceitos — mais ainda no tempo de mamãe do
que hoje — a justiça deriva eminentemente de um silogismo imperativo, a cujos
ditames é preciso obedecer. Então, raciocinando-se com base nesses e naqueles
argumentos, tal pessoa foi objeto de uma injustiça. Ainda que se tenha pena (atitude
aliás muito característica do nosso povo) de quem praticou a injustiça, deve-se
exigir que ele repare o mal cometido. Não raro, tendo de fazer violência sobre
si mesmo.
Imaginemos, por
exemplo, uma criança de dez ou doze anos que tenha ofendido alguém com uma
calúnia grave. A mãe a chama e lhe pergunta:
— É verdade que você
falou isso de fulano?
— Sim, falei.
— Pois saiba que essa
sua mentira se chama calúnia, e é altamente injuriosa contra fulano.
A criança se põe a
chorar. A mãe, agindo de modo acertado, mostra-se irredutível:
— Não tem choro.
Agora você vai comparecer diante das pessoas junto às quais você caluniou
fulano e pedir, a elas e a ele, publicamente desculpas pela sua mentira.
A criança redobra o
choro, mas obedece. O caluniado é, digamos, um homem muito mais velho que ela,
e não pode ser atingido por uma mentirazinha pueril. Mas, a justiça deve ser
reparada e, portanto, a criança é obrigada a se retratar. Tal lhe é exigido,
antes de tudo, pela justiça; e em segundo lugar, para obrigá-la a sentir a dor
da reparação e se convencer de que não deve repetir esse mau procedimento.
Compreende-se que,
nesse caso, a mãe e a pessoa ofendida tenham pena da criança, porque ela é
débil, sofre com a repreensão, mas a justiça tem o direito de ser restabelecida
e não pode ser preterida pela compaixão. O equilíbrio entre as duas virtudes
tem de ser mantido. E essa harmonia eu notava muito na maneira de agir de
mamãe, quando se via posta em circunstâncias análogas.
Continua no próximo post
Nenhum comentário:
Postar um comentário