quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Dona Lucilia, conselheira de prudência

Continuação do post anterior
Mesma ou maior finura de percepção e delicadeza de senso moral também no que dizia respeito aos mandamentos da Lei de Deus. Donde um particular desvelo em tudo que envolvia correção e dignidade, fazendo dela uma boa conselheira de prudência. Quer dizer, em qualquer situação, ao notar algo que inspirasse cautela, a expressão habitual dela era: “Tome cuidado com isso e aquilo”; ou então: “Meu filho, você precisa prestar bastante atenção em tal ponto”, etc. “Preste atenção”, ou seja, acautele-se, previna-se. Mesmo porquê, Dona Lucilia não era uma pessoa de entrelaçar expedientes e recursos, mas antes conciliadora, e sabia recomendar o que ela mesma faria em circunstâncias análogas: esquivar-se.
Porém, mamãe logo percebeu que eu aceitava respeitosamente o que ela dizia sobre os outros, mas não me subtraía a adotar a postura de confronto quando os superiores interesses da causa católica o exigissem. Ela me via, então, tomar nos diversos ambientes — doméstico, escolar ou profissional — posições as mais audaciosas e atitudes bastante opostas ao seu costumeiro “tome cuidado”. Entretanto, cumpre notar, em momento algum me admoestou por ter sido imprudente nesta ou naquela situação. Nunca.
De fato, apesar de as circunstâncias nas quais eu conduzia minha existência encerrassem aspectos desconhecidos por ela, mamãe acompanhava os meus passos e, muito boa observadora, compreendia estarem bem dados. Portanto, não intervinha em nada, embora conservasse sempre a solicitude materna a meu respeito. Por exemplo, nos meus anos de deputado da Assembléia Constituinte, quando eu devia tratar pelo telefone de algum lance político mais dramático, ela se interessava tanto que se levantava da sua cadeira de balanço e se dirigia para perto do aparelho, a fim de ouvir a conversa. Não para me controlar nem para dar palpite. Era por desvelo para comigo. E estou certo de que esse cuidado resultava depois em longas orações aos pés da imagem do Sagrado Coração de Jesus, pedindo luzes e amparo para o filho dela.
Zelosa das hierarquias e bons procedimentos
Com iguais solicitude e senso de observação acompanhava ela minhas discussões na família, sobre assuntos relativos à religião e à Igreja Católica. Lembro-me especialmente das contendas com um dos meus tios, em geral muito acaloradas. Terminada a polêmica, mamãe não dizia uma só palavra, e me tratava com toda a afabilidade, como se eu tivesse agido do modo mais normal possível. Sendo que a menor falta de respeito de minha parte para com o meu tio seria imediatamente censurada por ela: “Filhão, sua mãe hoje está entristecida com você. Não tem propósito agir assim”, etc., etc. Porque Dª Lucilia era eminentemente zelosa das hierarquias, das boas maneiras e bons procedimentos. Qualidade que ela manifestou, aliás, num episódio concernindo esse mesmo tio com o qual eu travava aquelas discussões.
Certa vez, indo ele almoçar em nossa casa, avisou-nos que em breve realizaria uma conferência de caráter científico. O tema pareceu-me muito enfadonho. Na hora eu olhei para mamãe e vi como ela se mantinha calma. Pensei: “Aí vem caceteação.” Poucos dias depois ela me diz:
— Filhão, você se lembra de que seu tio fará a conferência?
— Sim, me lembro.
— Você sabe que deve comparecer, não é?
Eu já estava resolvido a ir, se ela quisesse. Ela quis. Eu fui.
A palestra teve lugar num conhecido edifício da capital paulista, numa sala pequena, bem escolhida para um tema maçante. Contudo, surpreendeu-me a grata revelação de um conferencista tão animado, tão vivo, tão interessante, que parecia outro homem, bem diverso daquele da conversa comum e dos debates travados em casa. Quando voltei, disse a mamãe: “Meu bem, a conferência do tio fulano foi muito agradável!”. A princípio ela julgou tratar-se de uma ironia, mas ficou satisfeita quando lhe afirmei ser inteiramente sincera a minha impressão.
Alertando sobre a inveja alheia
Noutro sentido, pude ainda comprovar o acerto das advertências de mamãe, oriundas do seu fino senso de observação.
Por razões de apostolado, tive em torno de mim três pessoas com as quais mantinha estreita colaboração e, a esse título, me eram muito próximas. Certa ocasião, Dª Lucilia me aconselhou a “tomar cuidado” com a inveja que essas pessoas pudessem nutrir a meu respeito. E aduziu fatos concretos que justificavam seu juízo. Ora, no correr dos anos essas três pessoas tiveram atitudes as mais deploráveis para comigo, sendo que duas delas acabaram rompendo nossa amizade, por causa da inveja...

Plinio Correa de Oliveira - Extraído de Conferência em 10/06/1982

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