Continuação do post anterior
Mesma ou maior finura
de percepção e delicadeza de senso moral também no que dizia respeito aos
mandamentos da Lei de Deus. Donde um particular desvelo em tudo que envolvia
correção e dignidade, fazendo dela uma boa conselheira de prudência. Quer
dizer, em qualquer situação, ao notar algo que inspirasse cautela, a expressão
habitual dela era: “Tome cuidado com isso e aquilo”; ou então: “Meu filho, você
precisa prestar bastante atenção em tal ponto”, etc. “Preste atenção”, ou seja,
acautele-se, previna-se. Mesmo porquê, Dona Lucilia não era uma pessoa de
entrelaçar expedientes e recursos, mas antes conciliadora, e sabia recomendar o
que ela mesma faria em circunstâncias análogas: esquivar-se.
Porém, mamãe logo
percebeu que eu aceitava respeitosamente o que ela dizia sobre os outros, mas
não me subtraía a adotar a postura de confronto quando os superiores interesses
da causa católica o exigissem. Ela me via, então, tomar nos diversos ambientes
— doméstico, escolar ou profissional — posições as mais audaciosas e atitudes
bastante opostas ao seu costumeiro “tome cuidado”. Entretanto, cumpre notar, em
momento algum me admoestou por ter sido imprudente nesta ou naquela situação.
Nunca.
De fato, apesar de as
circunstâncias nas quais eu conduzia minha existência encerrassem aspectos
desconhecidos por ela, mamãe acompanhava os meus passos e, muito boa
observadora, compreendia estarem bem dados. Portanto, não intervinha em nada,
embora conservasse sempre a solicitude materna a meu respeito. Por exemplo, nos
meus anos de deputado da Assembléia Constituinte, quando eu devia tratar pelo
telefone de algum lance político mais dramático, ela se interessava tanto que
se levantava da sua cadeira de balanço e se dirigia para perto do aparelho, a
fim de ouvir a conversa. Não para me controlar nem para dar palpite. Era por
desvelo para comigo. E estou certo de que esse cuidado resultava depois em
longas orações aos pés da imagem do Sagrado Coração de Jesus, pedindo luzes e
amparo para o filho dela.
Zelosa das hierarquias e bons procedimentos
Com iguais solicitude
e senso de observação acompanhava ela minhas discussões na família, sobre
assuntos relativos à religião e à Igreja Católica. Lembro-me especialmente das
contendas com um dos meus tios, em geral muito acaloradas. Terminada a
polêmica, mamãe não dizia uma só palavra, e me tratava com toda a afabilidade,
como se eu tivesse agido do modo mais normal possível. Sendo que a menor falta
de respeito de minha parte para com o meu tio seria imediatamente censurada por
ela: “Filhão, sua mãe hoje está entristecida com você. Não tem propósito agir
assim”, etc., etc. Porque Dª Lucilia era eminentemente zelosa das hierarquias,
das boas maneiras e bons procedimentos. Qualidade que ela manifestou, aliás,
num episódio concernindo esse mesmo tio com o qual eu travava aquelas
discussões.
Certa vez, indo ele
almoçar em nossa casa, avisou-nos que em breve realizaria uma conferência de
caráter científico. O tema pareceu-me muito enfadonho. Na hora eu olhei para
mamãe e vi como ela se mantinha calma. Pensei: “Aí vem caceteação.” Poucos dias
depois ela me diz:
— Filhão, você se
lembra de que seu tio fará a conferência?
— Sim, me lembro.
— Você sabe que deve
comparecer, não é?
Eu já estava
resolvido a ir, se ela quisesse. Ela quis. Eu fui.
A palestra teve lugar
num conhecido edifício da capital paulista, numa sala pequena, bem escolhida
para um tema maçante. Contudo, surpreendeu-me a grata revelação de um
conferencista tão animado, tão vivo, tão interessante, que parecia outro homem,
bem diverso daquele da conversa comum e dos debates travados em casa. Quando
voltei, disse a mamãe: “Meu bem, a conferência do tio fulano foi muito
agradável!”. A princípio ela julgou tratar-se de uma ironia, mas ficou satisfeita
quando lhe afirmei ser inteiramente sincera a minha impressão.
Alertando sobre a inveja alheia
Noutro sentido, pude
ainda comprovar o acerto das advertências de mamãe, oriundas do seu fino senso
de observação.
Por razões de
apostolado, tive em torno de mim três pessoas com as quais mantinha estreita
colaboração e, a esse título, me eram muito próximas. Certa ocasião, Dª Lucilia
me aconselhou a “tomar cuidado” com a inveja que essas pessoas pudessem nutrir
a meu respeito. E aduziu fatos concretos que justificavam seu juízo. Ora, no
correr dos anos essas três pessoas tiveram atitudes as mais deploráveis para
comigo, sendo que duas delas acabaram rompendo nossa amizade, por causa da inveja...
Plinio Correa de
Oliveira - Extraído de Conferência em 10/06/1982
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