sexta-feira, 18 de julho de 2014

As últimas fotografias de Dona Lucilia

Em meados de março de 1968, Dr. Plinio finalmente recebeu alta da longa convalescença pós-operatória. Ao sair de casa pela primeira vez, dirigiu-se à sede principal do seu movimento, a três quarteirões apenas de sua residência.
Este retorno, ansiosamente esperado por todos, deu a um discípulo de Dr. Plinio o ensejo de homenageá-lo, florindo especialmente as dependências da sede que ele percorreria. Um belo arranjo de orquídeas ornava a estampa de Nossa Senhora do Bom Conselho de Genazzano — a mesma que no hospital fora para Dr. Plinio ocasião de insigne graça —, trazida do “1º andar” para aquela comemoração. E sob outra imagem, de Nossa Senhora do Carmo, uma delicada corbeille. Assim, por toda a sede viam-se vasos floridos, dispostos com bom gosto, entre os quais um com rosas vermelhas entremeadas de chuvas-de-ouro, posto aos pés de um artístico e piedoso crucifixo.
A “Sede do Reino de Maria”, assim engalanada, foi intensamente fotografada por um jovem1, naquele 18 de março.
Ao final daquela tarde, restavam ainda na máquina dez chapas de um último filme. Assim, ao voltar Dr. Plinio para seu apartamento da Rua Alagoas, o fotógrafo perguntou-lhe se autorizava empregar o que sobrara daquela película para fotografar Dª Lucilia. A resposta imediata foi: “Proponha diretamente a ela”.
Eram 20h 30min. Dona Lucilia estava em seu momento de lazer, após o jantar, folheando um calendário propagandístico que reproduzia fotografias de belos edifícios medievais da Itália. Do lado de fora da sala, o jovem sentiu escrúpulo em prejudicar, por tempo mínimo que fosse, o prazer de Dª Lucilia em contemplar aqueles valiosos resquícios da Civilização Cristã. Seria o caso de interrompê-la? Tanto mais que só uma fita cinematográfica seria capaz de retratar toda a riqueza de fisionomias e de gestos de tão respeitável e encantadora dama.
Depois de alguns minutos de indecisão, resolveu entrar na sala de jantar e expor-lhe respeitosamente seu pedido. A reação de Dª Lucilia não foi menos encantadora do que a cena até ali presenciada. Sua resposta, ainda hoje lembrada com saudade, parecia provir de um elevado cimo de paz.
— Ora, mas o senhor, com tantas outras coisas para fotografar, vai gastar seu filme comigo?
— A senhora não faz idéia do prazer que me daria ter umas fotos da senhora.
— O senhor está com muita pressa? Poderia aguardar-me um instante?
— Pois não, com muito gosto.
Ao se retirar o jovem, Dª Lucilia chamou a empregada e lhe deu algumas instruções. Do lado de fora, ouvia-se:
— Mirene, você sabe? Está aqui um senhor muito gentil querendo tirar fotografias de mim. Eu lhe disse que utilizasse suas chapas em outras coisas, mas ele insiste, e deseja mesmo tirar essas fotografias. Vá então ao meu quarto e traga o material de toilette, porque eu queria que você me arrumasse um pouco os cabelos. Traga-me também aquele xale melhor, aquele que ganhei de Dª Rosée.
A empregada voltou pouco depois com o material.
— Você me arrume bem esta parte do cabelo, que parece não estar bem... Agora ponha o xale... Vá lá à frente e veja se as pontas dele estão bem...
Ao cabo de uns dez ou quinze minutos, disse à empregada:
— Agora, diga ao senhor que está lá fora que já estou pronta.
Ao reentrar na sala, o jovem ouviu as melodias daquela voz aveludada, sempre afável e acolhedora:
— Encontro-me à disposição do senhor. Quando o senhor quiser tirar as fotografias, o senhor me diga, por favor.
— Estou pronto também. Se a senhora permitir, começo a tirá-las em seguida.
— Está muito bem. O senhor quer fazer o favor de indicar quais as posições que devo tomar?
Formado na escola de fotografia segundo a qual não se indicam as poses, mas devem-se colher os instantâneos e depois selecionar os melhores, o jovem procurou imediatamente retroceder à época que dera nascimento a essa arte. Dona Lucilia era daqueles tempos em que para cada chapa se estudava uma pose, quase como para um quadro.
Lembra-se bem o jovem de haver tirado a primeira fotografia estando Dª Lucilia junto à mesa, sobre a qual tinha sido colocado o vaso de rosas vermelhas e chuvas-de-ouro, trazido para ela da sede visitada há pouco por Dr. Plinio.
Depois de bater algumas chapas na sala de jantar, uma das quais retrata Dª Lucilia com o calendário que estava folheando nas mãos, ocorreu ao jovem fotografá-la junto ao Sagrado Coração de Jesus, no salão de visitas, e lhe perguntou:
— Dona Lucilia, a senhora permitiria que a fotografasse no salão ao lado?
— Ah! sim, com todo o gosto. O senhor aguarde um instante que eu chamo a empregada para me conduzir até lá.
— Não, eu mesmo conduzo a cadeira da senhora.
— Ora essa, o senhor além de tomar o trabalho de tirar essas fotografias, quer fazer o esforço de me conduzir até lá? Não se preocupe, eu chamo a empregada.
— Não, não, isso me dará enorme prazer — disse o jovem, enquanto ia deslocando a cadeira de rodas.
— Ora essa! Muito obrigada! O senhor é muito gentil.
A flexibilidade com que ela aceitava e cumpria as indicações de cada pose deixou encantado o jovem fotógrafo, que declara ter-lhe feito algumas sugestões apenas para contentá-la. Segundo ele, qualquer atitude de Dª Lucilia era digna de um quadro a óleo.
Tendo acabado o filme, reconduziu Dª Lucilia à sala de jantar, ao mesmo tempo que lhe agradecia ter podido tirar aquelas fotografias.

— Não! — respondeu ela — quem deve agradecer sou eu. O senhor foi muito amável...

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