Em meados de março de
1968, Dr. Plinio finalmente recebeu alta da longa convalescença pós-operatória.
Ao sair de casa pela primeira vez, dirigiu-se à sede principal do seu
movimento, a três quarteirões apenas de sua residência.
Este retorno,
ansiosamente esperado por todos, deu a um discípulo de Dr. Plinio o ensejo de
homenageá-lo, florindo especialmente as dependências da sede que ele
percorreria. Um belo arranjo de orquídeas ornava a estampa de Nossa Senhora do
Bom Conselho de Genazzano — a mesma que no hospital fora para Dr. Plinio
ocasião de insigne graça —, trazida do “1º andar” para aquela comemoração. E
sob outra imagem, de Nossa Senhora do Carmo, uma delicada corbeille. Assim, por
toda a sede viam-se vasos floridos, dispostos com bom gosto, entre os quais um
com rosas vermelhas entremeadas de chuvas-de-ouro, posto aos pés de um
artístico e piedoso crucifixo.
A “Sede do Reino de
Maria”, assim engalanada, foi intensamente fotografada por um jovem1, naquele
18 de março.
Ao final daquela
tarde, restavam ainda na máquina dez chapas de um último filme. Assim, ao
voltar Dr. Plinio para seu apartamento da Rua Alagoas, o fotógrafo
perguntou-lhe se autorizava empregar o que sobrara daquela película para
fotografar Dª Lucilia. A resposta imediata foi: “Proponha diretamente a ela”.
Eram 20h 30min. Dona
Lucilia estava em seu momento de lazer, após o jantar, folheando um calendário
propagandístico que reproduzia fotografias de belos edifícios medievais da
Itália. Do lado de fora da sala, o jovem sentiu escrúpulo em prejudicar, por
tempo mínimo que fosse, o prazer de Dª Lucilia em contemplar aqueles valiosos
resquícios da Civilização Cristã. Seria o caso de interrompê-la? Tanto mais que
só uma fita cinematográfica seria capaz de retratar toda a riqueza de
fisionomias e de gestos de tão respeitável e encantadora dama.
Depois de alguns
minutos de indecisão, resolveu entrar na sala de jantar e expor-lhe
respeitosamente seu pedido. A reação de Dª Lucilia não foi menos encantadora do
que a cena até ali presenciada. Sua resposta, ainda hoje lembrada com saudade,
parecia provir de um elevado cimo de paz.
— Ora, mas o senhor,
com tantas outras coisas para fotografar, vai gastar seu filme comigo?
— A senhora não faz
idéia do prazer que me daria ter umas fotos da senhora.
— O senhor está com
muita pressa? Poderia aguardar-me um instante?
— Pois não, com muito
gosto.
Ao se retirar o
jovem, Dª Lucilia chamou a empregada e lhe deu algumas instruções. Do lado de
fora, ouvia-se:
— Mirene, você sabe?
Está aqui um senhor muito gentil querendo tirar fotografias de mim. Eu lhe
disse que utilizasse suas chapas em outras coisas, mas ele insiste, e deseja
mesmo tirar essas fotografias. Vá então ao meu quarto e traga o material de
toilette, porque eu queria que você me arrumasse um pouco os cabelos. Traga-me
também aquele xale melhor, aquele que ganhei de Dª Rosée.
A empregada voltou
pouco depois com o material.
— Você me arrume bem
esta parte do cabelo, que parece não estar bem... Agora ponha o xale... Vá lá à
frente e veja se as pontas dele estão bem...
Ao cabo de uns dez ou
quinze minutos, disse à empregada:
— Agora, diga ao
senhor que está lá fora que já estou pronta.
Ao reentrar na sala,
o jovem ouviu as melodias daquela voz aveludada, sempre afável e acolhedora:
— Encontro-me à
disposição do senhor. Quando o senhor quiser tirar as fotografias, o senhor me
diga, por favor.
— Estou pronto
também. Se a senhora permitir, começo a tirá-las em seguida.
— Está muito bem. O
senhor quer fazer o favor de indicar quais as posições que devo tomar?
Formado na escola de
fotografia segundo a qual não se indicam as poses, mas devem-se colher os
instantâneos e depois selecionar os melhores, o jovem procurou imediatamente
retroceder à época que dera nascimento a essa arte. Dona Lucilia era daqueles
tempos em que para cada chapa se estudava uma pose, quase como para um quadro.
Lembra-se bem o jovem
de haver tirado a primeira fotografia estando Dª Lucilia junto à mesa, sobre a
qual tinha sido colocado o vaso de rosas vermelhas e chuvas-de-ouro, trazido
para ela da sede visitada há pouco por Dr. Plinio.
Depois de bater
algumas chapas na sala de jantar, uma das quais retrata Dª Lucilia com o
calendário que estava folheando nas mãos, ocorreu ao jovem fotografá-la junto
ao Sagrado Coração de Jesus, no salão de visitas, e lhe perguntou:
— Dona Lucilia, a
senhora permitiria que a fotografasse no salão ao lado?
— Ah! sim, com todo o
gosto. O senhor aguarde um instante que eu chamo a empregada para me conduzir
até lá.
— Não, eu mesmo
conduzo a cadeira da senhora.
— Ora essa, o senhor
além de tomar o trabalho de tirar essas fotografias, quer fazer o esforço de me
conduzir até lá? Não se preocupe, eu chamo a empregada.
— Não, não, isso me
dará enorme prazer — disse o jovem, enquanto ia deslocando a cadeira de rodas.
— Ora essa! Muito
obrigada! O senhor é muito gentil.
A flexibilidade com
que ela aceitava e cumpria as indicações de cada pose deixou encantado o jovem
fotógrafo, que declara ter-lhe feito algumas sugestões apenas para contentá-la.
Segundo ele, qualquer atitude de Dª Lucilia era digna de um quadro a óleo.
Tendo acabado o
filme, reconduziu Dª Lucilia à sala de jantar, ao mesmo tempo que lhe agradecia
ter podido tirar aquelas fotografias.
— Não! — respondeu
ela — quem deve agradecer sou eu. O senhor foi muito amável...
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