sábado, 14 de dezembro de 2013

Um amor quase religioso...

Continuação do post anterior. 
Devido aos atrasos do correio, passaram-se quase três semanas sem chegarem missivas de Dr. Plinio. Por fim, no dia 18 de julho, o carteiro trouxe o tão esperado envio. Assim que Dª Lucilia o recebeu, todas as cordas de sua alma vibraram de intensa alegria. Com seu passo ágil dirigiu-se à escrivaninha e com uma espátula abriu cuidadosamente o envelope. Depois procurou o lugar mais luminoso da sala, e lá sentou-se tranquila, a fim de ler a carta do “filhão” para a “querida manguinha”:
Roma, 10 de julho de 52.
Luzinha querida.
São 3,30 da manhã. Estive tão ocupado estes dias, que resolvi ficar trabalhando até agora, para escrever relatórios, notas de viagem, cartas, etc. E como o serviço ainda está pelo meio, deliberei passar a noite em claro, e ir comungar às 5 horas.
Tal seria que em meio a tanto trabalho não houvesse um pouco de tempo para escrever a minha Manguinha do coração, para lhe dizer que sinto umas saudades immmmmmmmmmmmmmmensas dela!
Devo partir para Barcelona entre 15 e 17. O Pessoal do 6º andar tem meu endereço na Espanha. A resposta a esta carta deverá ser enviada para lá.
Como de costume, minha querida, desejo saber tudo a seu respeito: saúde, rezas, horários, e quero também saber se a Sra. tem tido algumas saudades de mim.
Roma está de um calor canicular. Um dia destes fez 40 à sombra! À noite, a temperatura melhora. É a hora humana de Roma. Ainda hoje, terminado o jantar, fiz minhas orações todas... num carro puxado a cavalo, como no tempo em que a Lú era mocinha, e que me levou, sozinho, a passear pelo Pincio. Quando se passa o dia inteiro com gente, a solidão é uma deliciosa necessidade. Faz me lembrar a frase de São Bernardo: oh beata solitudo, oh sola beatitudo!
E como vai o maravilhoso apartamento, do qual sinto tantas saudades? O que é que a Rosa andou quebrando? Mande dizê-lo, porque fico apreensivo.
Minha querida, quero ainda dizer uma palavra a Papai. Para a Senhora, amor meu do fundo do coração, todo o afeto, todo o respeito, mil milhões de beijos e de saudades do filho que lhe pede a bênção
Plinio
Certamente penalizaram a Dª Lucilia as diversas dificuldades que seu filho vinha encontrando na capital italiana. Entretanto, com a alma inundada de gáudio por receber tão carinhosas palavras, ficou mais aliviada ao saber que ele passava bem de saúde. Após atenta leitura da carta, Dª Lucilia põe-se a escrever naquele mesmo dia uma resposta, cuja conclusão o cansaço da noite a obrigaria a protelar para o dia seguinte.
18-VII-1952
Filho querido de meu coração!
Passei dezesete dias sem receber cartas tuas, tendo tido algumas ligeiras notícias através dos rapazes do sexto, que teu pai ou Adolphinho me traziam. Graças a Deus, recebi afinal, com grande alegria, tua última do dia dez deste. Meu filho, que saudades, quantas saudades de ti querido! Rosée e Zili têm procurado distrair-me, levando-me a ballets, bons concertos, alguns cinemas; têm vindo com freqüência, Maria Alice também, mas como sabes, “como sempre”, onde vai meu coração, vai você dentro..... Como deves saber, tenho comungado e rezado muito para que o Divino Espírito Santo (a quem fiz uma promessa) te guie e inspire, e Nossa Senhora Auxiliadora te proteja e auxilie.
Fui com teu pai à novena no dia dezesseis na igreja do Carmo, rezar por ti, e lá estive com os teus amigos, que me fizeram muitas saudades.
Rosée, Antônio, Maria Alice e Eduardo jantaram ontem aqui. Foi muito sentida tua ausência. Fiz o que pude e penso que foi tudo bem; pelo menos, foi o que me disseram, mas é preciso descontar a amabilidade de praxe. Quanto ao estouvamento da Rosa, não passou felizmente, do arrebentamento dos cordões das venezianas das salas, desarranjos da enceradeira e electrolux, e quebra do vidro na parte traseira do quadro do hall; já está tudo arranjado, felizmente.
Peço-te mais uma vez para que não te esqueças de mandar dizer uma missa e acender uma vela por intenção de Rosée, no altar de Nossa Senhora da Begoña em “Valladolid”, penso.
Se fores a Portugal, toma algumas informações sobre os nossos parentes do Porto. Têm um título qualquer, e moram perto da igreja dos Salesianos, pelo menos foi o que me disse o Padre salesiano, Dr. Esteves dos Santos.
Quanto tempo te demoras aí na Espanha? Voltas ainda a Roma antes de ir a Paris? Escreva-me logo, e sempre que puderes. Leio, leio e releio tanto tuas cartas!
Bem... até a próxima carta! Que Deus te guarde, te abençoe, e te acompanhe.
Muitos e muitos beijos e abraços de tua mamãe tão saudosa e extremosa,
Lucilia.
“Onde vai meu coração, vai você dentro”... É essa atitude de amor, quase se diria religioso, uma constante em Dª Lucilia, pois mais do que um filho comum, ela via no conjunto das qualidades de Dr. Plinio as harmonias de um órgão, para cuja construção ela, com mãos de artista, havia contribuído.
(Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de Mons.João S. Clá Dias)

1 ) “Por via das dúvidas” 2 ) Estojo

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