segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

“Onde vai meu coração, vai você dentro...”

A viagem de Dr. Plinio pela Europa, em 1952, deu ensejo a uma tocante correspondência entre ele e Dª Lucilia, na qual transparecem o entranhado afeto filial, de um lado, e o não menos intenso carinho materno, de outro. 
Uma dessas cartas de Dr. Plinio, escrita da Cidade Eterna, extraviou-se e só chegou às mãos de Dª Lucilia muito tempo depois de terminada a viagem. Guardou-a com cuidado junto às demais, para as ler em horas de solidão. Eis seu teor:
Roma, 27 de junho de 1952.
Luzinha querida de meu coração,
De acordo com meu telegrama, que a Sra. deve ter recebido ontem, cheguei de Paris no dia 26, chegando de avião a Roma depois de duas horas e pouco de viagem, durante a qual sobrevoamos a Suíça passando sobre o Lago de Genebra, os Alpes, e pois o imponentíssimo Monte Branco. No mesmo dia de nossa chegada, fomos à Basílica do Vaticano, onde tivemos a ocasião de rezar junto ao altar do Bem-aventurado Pio X, já agora exposto à veneração dos fiéis, junto ao altar de São Pedro, e junto ao de Nossa Senhora da Pietá, onde está exposta a famosíssima estátua de Michelangelo, representando Nossa Senhora com o Filho morto ao colo. Depois, ficamos na praça de São Pedro, vendo, medindo, examinando e comentando, até cair a noite. Finalmente, tomamos um carro puxado a cavalo, e pelas vielas sinuosas e pitorescas da Roma antiga chegamos até as avenidas mais modernas, e por elas até o hotel. Na manhã seguinte, fomos receber a Sagrada Comunhão na Basílica. E, depois, começamos a trabalhar. Ontem, ficamos pondo em ordem papéis, pois os que havíamos trazido de São Paulo precisavam de uma revisão. Hoje, comecei os primeiros contatos, e estou reservando umas horas para a correspondência, enquanto o resto da turma vai concluindo o serviço de ordenação dos papéis. Conto ficar em Roma até 15 de julho, de lá seguindo para a Espanha. Deixei recomendação para me mandarem de Paris as cartas que eventualmente venham a ter no Regina. A temperatura aqui está asfixiante, mas a italianada parece achar tudo normal. Como Paris, também Roma está muito mais animada do que em 1950. Vê-se que as cicatrizes da última guerra estão desaparecendo. Mas assim mesmo há aqui dois milhões de desempregados!
Saí muito satisfeito de Paris, não só pela cidade, superior a qualquer elogio, como ainda pelo resultado dos trabalhos que ali desenvolvi. Que Nossa Senhora me auxilie para que também aqui tudo corra bem.
Meu amor, gostei muito de sua carta, com a narração circunstanciada de tudo quanto faz. Mande-me outra, igualmente BEM METICULOSA, pois, como sabe, para mim no que me interessa, faço questão de pormenores. Mas há um pormenor sobre o qual quero precisão absoluta: quantas horas tem dormido por noite, Mme. la Marquise?
De Paris, enviei postais a toda a família.
É bom saber se receberam. Como tenho muitíssimo trabalho diante de mim, vou encerrar. Não preciso dizer-lhe, querida, quantas saudades tenho da Senhora..... São inexprimíveis! A todo momento, lembrome de minha Manguinha do coração. E, sempre que me lembro dela, faço a seguinte reflexão: a LÚ me quer bastante bem para entender que o que eu mais quero dela é que cuide de sua própria saúde.
Reze por mim, querida, e dê sua bênção a este filho que lhe quer tanto quanto pode, e menos do que a Sra. merece, e que lhe manda milhões e milhões de beijos.
Plinio
Amor às tradições européias
Para uma saudosa e amorável mãe, as notícias do filho que se encontrava tão distante eram sempre poucas... Ela desejava mais, e não perdia oportunidade de aparesentar-lhe suave queixa nesse sentido, como o fez na carta que lhe escreveu no início de julho daquele ano.
São Paulo, 9-VII-952
Filho querido de meu coração!
Ansiosa, esperava desde alguns dias ser contemplada com uma dessas dádivas preciosas que é a carta de um filho que me enche o coração de saudades..... e entretanto, nada, nem mesmo um postal. Parece incrível, mas por vezes, ponho-me a pensar que talvez o meu caboclo querido não esteja suportando bem esta canícula inusitada em Roma. Todos riem quando falo, mas tudo é possível, pois és tão sensível ao calor!
“Pour un en cas”¹, como dizem os franceses tão teus amigos, escrevo-te esta, na esperança de que, não te alcançando em Roma, te seja esta enviada às terras de meus bisavós, Portugal e Espanha. (...)
Rosée ficou visivelmente satisfeita com o teu telegrama. Jantamos lá, com minhas duas irmãs — Nestor em viagem. Adolphinho, de acordo com Rosée, jantou com... o sexto andar! Antônio deu a Rosée mais dois fios de pérolas iguais ao que já lhe deu ultimamente — mais uma linda trousse² de ouro, bem trabalhada e toda cravejada de rubis. A filha e o genro deram-lhe um anel, desses modernos, que não aprecio, — cravejados de brilhantes, e que foi muito apreciado.
Com teu pai, tenho sofrido com o frio, que está duro de aturar. Durante o almoço ele abre as cortinas e o sol lhe banha em cheio as costas, e ele fica contente. E eu saudosa, procuro alguém e uma mão queridos que estão ausentes há um longo mês.
Como vais de estudos, visitas a esses “mil e um” museus, e viagens? Tudo bem a teu contento? Se possível, vocês devem fazer uma excursão, a bordo, no Loire, aos castelos “intactos” que ainda conservam às suas margens. Não vais desta vez a Lourdes, ou Paray-leMonial? Peço-te, não deixes de mandar dizer uma missa e acender uma vela a Nossa Senhora da Begoña, por intenção de Rosée; — sim; querido? Se não me engano, é em Valladolid.
Com meu coração, recebe muitas bênçãos, abraços e beijos. De tua mãe extremosa,
Lucilia
Uma vez mais, transparece aqui como para Dª Lucilia a Europa — e sobretudo a França — era um escrínio onde se conservavam restos preciosos da tradição que ela tanto amava. Na volta de Dr. Plinio, esperava poder ouvir as encantadoras descrições de tais maravilhas, e assim, através dos olhos dele, peregrinar por aquele mundo de fábula.
A 10 de julho, Dr. João Paulo transmite de passagem, numa carta, notícias de Dª Lucilia:
...em casa tudo corre normalmente. Tua mãe vai bem. Tem ela, uma vez por outra, crises de intensa saudade. Lê, então, tuas cartas e as relê, acabando por voltar-se para aquelas intermináveis orações que bem conheces. E volta o bom tempo.
Por meio de seu esposo, Dª Lucilia enviava um recado a seu filho:
A propósito, ao escrever esta, Lucilia me pediu para dizer-te que deves ter o maior cuidado com automóveis, em vista do recente rapto do advogado de Berlim, que muito a impressionou...

Evidentemente Dr. Plinio levaria em conta a observação materna, pois comprovara, não poucas vezes, o acerto das intuições de Dª Lucilia em tudo o que a ele podia ser danoso. Porém, mais do que a própria advertência, agradava-lhe aquela incessante manifestação de solicitude.
Continua no próximo post

Nenhum comentário:

Postar um comentário