A viagem de Dr. Plinio
pela Europa, em 1952, deu ensejo a uma tocante correspondência entre ele e Dª
Lucilia, na qual transparecem o entranhado afeto filial, de um lado, e o não
menos intenso carinho materno, de outro.
Uma dessas cartas de Dr. Plinio,
escrita da Cidade Eterna, extraviou-se e só chegou às mãos de Dª Lucilia muito
tempo depois de terminada a viagem. Guardou-a com cuidado junto às demais, para
as ler em horas de solidão. Eis seu teor:
Roma,
27 de junho de 1952.
Luzinha
querida de meu coração,
De
acordo com meu telegrama, que a Sra. deve ter recebido ontem, cheguei de Paris
no dia 26, chegando de avião a Roma depois de duas horas e pouco de viagem,
durante a qual sobrevoamos a Suíça passando sobre o Lago de Genebra, os Alpes,
e pois o imponentíssimo Monte Branco. No mesmo dia de nossa chegada, fomos à
Basílica do Vaticano, onde tivemos a ocasião de rezar junto ao altar do
Bem-aventurado Pio X, já agora exposto à veneração dos fiéis, junto ao altar de
São Pedro, e junto ao de Nossa Senhora da Pietá, onde está exposta a
famosíssima estátua de Michelangelo, representando Nossa Senhora com o Filho
morto ao colo. Depois, ficamos na praça de São Pedro, vendo, medindo,
examinando e comentando, até cair a noite. Finalmente, tomamos um carro puxado
a cavalo, e pelas vielas sinuosas e pitorescas da Roma antiga chegamos até as
avenidas mais modernas, e por elas até o hotel. Na manhã seguinte, fomos
receber a Sagrada Comunhão na Basílica. E, depois, começamos a trabalhar.
Ontem, ficamos pondo em ordem papéis, pois os que havíamos trazido de São Paulo
precisavam de uma revisão. Hoje, comecei os primeiros contatos, e estou
reservando umas horas para a correspondência, enquanto o resto da turma vai
concluindo o serviço de ordenação dos papéis. Conto ficar em Roma até 15 de
julho, de lá seguindo para a Espanha. Deixei recomendação para me mandarem de
Paris as cartas que eventualmente venham a ter no Regina. A temperatura aqui
está asfixiante, mas a italianada parece achar tudo normal. Como Paris, também
Roma está muito mais animada do que em 1950. Vê-se que as cicatrizes da última
guerra estão desaparecendo. Mas assim mesmo há aqui dois milhões de
desempregados!
Saí
muito satisfeito de Paris, não só pela cidade, superior a qualquer elogio, como
ainda pelo resultado dos trabalhos que ali desenvolvi. Que Nossa Senhora me
auxilie para que também aqui tudo corra bem.
Meu
amor, gostei muito de sua carta, com a narração circunstanciada de tudo quanto
faz. Mande-me outra, igualmente BEM METICULOSA, pois, como sabe, para mim no
que me interessa, faço questão de pormenores. Mas há um pormenor sobre o qual
quero precisão absoluta: quantas horas tem dormido por noite, Mme. la Marquise?
De
Paris, enviei postais a toda a família.
É
bom saber se receberam. Como tenho muitíssimo trabalho diante de mim, vou
encerrar. Não preciso dizer-lhe, querida, quantas saudades tenho da
Senhora..... São inexprimíveis! A todo momento, lembrome de minha Manguinha do
coração. E, sempre que me lembro dela, faço a seguinte reflexão: a LÚ me quer
bastante bem para entender que o que eu mais quero dela é que cuide de sua
própria saúde.
Reze
por mim, querida, e dê sua bênção a este filho que lhe quer tanto quanto pode,
e menos do que a Sra. merece, e que lhe manda milhões e milhões de beijos.
Plinio
Amor às tradições européias
Para uma saudosa e
amorável mãe, as notícias do filho que se encontrava tão distante eram sempre
poucas... Ela desejava mais, e não perdia oportunidade de aparesentar-lhe suave
queixa nesse sentido, como o fez na carta que lhe escreveu no início de julho
daquele ano.
São
Paulo, 9-VII-952
Filho
querido de meu coração!
Ansiosa,
esperava desde alguns dias ser contemplada com uma dessas dádivas preciosas que
é a carta de um filho que me enche o coração de saudades..... e entretanto,
nada, nem mesmo um postal. Parece incrível, mas por vezes, ponho-me a pensar
que talvez o meu caboclo querido não esteja suportando bem esta canícula
inusitada em Roma. Todos riem quando falo, mas tudo é possível, pois és tão
sensível ao calor!
“Pour
un en cas”¹, como dizem os franceses tão teus amigos, escrevo-te esta, na
esperança de que, não te alcançando em Roma, te seja esta enviada às terras de
meus bisavós, Portugal e Espanha. (...)
Rosée
ficou visivelmente satisfeita com o teu telegrama. Jantamos lá, com minhas duas
irmãs — Nestor em viagem. Adolphinho, de acordo com Rosée, jantou com... o
sexto andar! Antônio deu a Rosée mais dois fios de pérolas iguais ao que já lhe
deu ultimamente — mais uma linda trousse² de ouro, bem trabalhada e toda
cravejada de rubis. A filha e o genro deram-lhe um anel, desses modernos, que
não aprecio, — cravejados de brilhantes, e que foi muito apreciado.
Com
teu pai, tenho sofrido com o frio, que está duro de aturar. Durante o almoço
ele abre as cortinas e o sol lhe banha em cheio as costas, e ele fica contente.
E eu saudosa, procuro alguém e uma mão queridos que estão ausentes há um longo
mês.
Como
vais de estudos, visitas a esses “mil e um” museus, e viagens? Tudo bem a teu
contento? Se possível, vocês devem fazer uma excursão, a bordo, no Loire, aos
castelos “intactos” que ainda conservam às suas margens. Não vais desta vez a
Lourdes, ou Paray-leMonial? Peço-te, não deixes de mandar dizer uma missa e
acender uma vela a Nossa Senhora da Begoña, por intenção de Rosée; — sim;
querido? Se não me engano, é em Valladolid.
Com
meu coração, recebe muitas bênçãos, abraços e beijos. De tua mãe extremosa,
Lucilia
Uma vez mais,
transparece aqui como para Dª Lucilia a Europa — e sobretudo a França — era um
escrínio onde se conservavam restos preciosos da tradição que ela tanto amava.
Na volta de Dr. Plinio, esperava poder ouvir as encantadoras descrições de tais
maravilhas, e assim, através dos olhos dele, peregrinar por aquele mundo de
fábula.
A 10 de julho, Dr. João
Paulo transmite de passagem, numa carta, notícias de Dª Lucilia:
...em
casa tudo corre normalmente. Tua mãe vai bem. Tem ela, uma vez por outra,
crises de intensa saudade. Lê, então, tuas cartas e as relê, acabando por
voltar-se para aquelas intermináveis orações que bem conheces. E volta o bom
tempo.
Por meio de seu esposo,
Dª Lucilia enviava um recado a seu filho:
A
propósito, ao escrever esta, Lucilia me pediu para dizer-te que deves ter o
maior cuidado com automóveis, em vista do recente rapto do advogado de Berlim,
que muito a impressionou...
Evidentemente Dr.
Plinio levaria em conta a observação materna, pois comprovara, não poucas vezes,
o acerto das intuições de Dª Lucilia em tudo o que a ele podia ser danoso.
Porém, mais do que a própria advertência, agradava-lhe aquela incessante
manifestação de solicitude.
Continua no próximo post
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