terça-feira, 16 de julho de 2013

Novamente em Águas da Prata

Até o fim de sua longa vida, Dona Lucilia suportou com suave resignação a incômoda doença de fígado, que frequentemente a obrigava a guardar o leito por alguns dias.
A par dos contínuos socorros médicos prestados por Dr. Murtinho, este continuava a recomendar à sua paciente assíduas temporadas na estância termal de Aguas da Prata, que começava a criar fama. No fundo, talvez julgasse surtirem mais efeito os meios de cura dados por Deus do que os medicamentos criados pela imperfeição do engenho humano, princípio este adotado também por Dona Lucilia.
É certo que nos períodos passados por ela naquela cidade, escrevia com assiduidade a seus filhos. Porém, a voragem do tempo e as vicissitudes da vida apenas nos legaram escassas linhas de um epistolário sem dúvida abundante. De 1935, são estas duas cartas que até nós chegaram. Uma para Dr. Plinio, outra, poucos dias depois, para Dona Rosée.
Prata, 29-5-935
Filhão querido!
Graças a Deus e a Maria Santíssima, fizemos excelente viagem e aqui estou um pouco cansada, e tremendo de frio. O dia esteve lindo mas nunca pensei que fizesse tanto frio aqui! O jantar esteve bem bonzinho. A comida é simples, mas boa, pelo menos a de hoje. Eu disse ao gerente, logo que cheguei, que a força de hábito era o que me trazia ao Hotel São Paulo, porque tinha ouvido dizer que a comida estava muito ruim e que receava, se fosse assim, não poder aguentá-la.
Ele mostrou-se incomodadíssimo e me garantiu que seria tão bem servida quanto o permitissem as condições do lugar. Vou começar amanhã com o regime das águas do Paiol e peço a Deus ardentemente para que eu melhore bastante. (...)
[Com] minhas bênçãos e muitos beijos e abraços de tua mãe extremosa,
Lucilia.
Na carta a sua filha, entre os assuntos caseiros — consultas ao Dr. Murtinho e outros — é curioso notar a despretensiosa referência de Dona Lucilia à estima a ela devotada por uma senhora belga, hospedada no mesmo hotel. Talvez, por sua psicologia e feitio pessoal, fosse esta uma retardatária na aquisição da mentalidade de Hollywood e por isso deixava-se atrair e encantar pela agradável conversa e acolhedora presença de Dona Lucilia.
Prata, 4-6-1935
Filha querida Tive o prazer de receber anteontem tua carta e estranhei que não tivesses aludido a um cartão que te escrevi no dia imediato ao em que te mandei a carta, te pedindo referências quanto á minha passagem de volta, pois o chefe recolheu a que levava, dizendo ser aquela somente de ida, e que para a volta, deveria me munir de outra aqui, isto é, comprar outra.
Será possível que a [agência] esteja nos explorando por esta forma, ou terei-me enganado, e seja realmente preciso comprar outras? Peço-te que me mandes dizer qualquer cousa a respeito.
Peço-te também que digas ao Murtinho que tenho tido estes dois últimos dias frequentes vezes adormecimento nas mãos, e se ele crê que possa isso ser devido aos banhos, que acho tão agradáveis e que dizem ser indicados para fazer boa a circulação. Sentiria muito se tivesse de deixá-los. Estou começando agora (...) a sentir os bons efeitos da água do Paiol.
Teu pai ainda não me escreveu depois que aí está. Estou todos os dias à sua espera. Como vai a minha queridinha?¹ Tenho tantas saudades dela!
Tem aqui no hotel uma belga inteligentíssima, mas que não deixa de ser um pouco toquée”², que tem uma prosa muito interessante, que me distrai muito, mas também me cansa um pouco, porque não quer me deixar, e até no meu quarto ela se intromete e não me deixa. Sua prosa é ótima, e sei que gostarias muito de ouvi-la sobre suas inúmeras e interessantes viagens. Quando a ouço, me lembro sempre de ti, principalmente quando fala sobre a Rússia. Ela mora na Argentina, e veio só fazer estação em Caldas, e depois em Prata. Regula em idade comigo, ou um pouco mais velha, mas é exuberante de vida! O marido e os filhos ficaram, mas parece que mesmo assim, adora os filhos que são cinco, três moços, e dois pequenos.
Metade do pessoal já foi. Somos apenas nove agora, e daqui a poucos dias vai nova turma. Quando chegar a vez da minha belga, vou achar bem falta!
E você, querida, como vai de saúde? E o Antonio, anda com algum novo bom negócio em vista? Dá-lhe por mim um abraço.
E a minha casa e criadagem, como vai? Já estou com muitas saudades de vocês e da minha casinha.
Com minha bênção para todos três, envio-te muitos beijos e abraços. De tua mãe extremosa,
Lucilia

(Transcrito, com adaptações, da obra Dona Lucilia, de João S. Clá Dias)

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