Até o fim de sua longa vida, Dona Lucilia suportou com
suave resignação a incômoda doença de fígado, que frequentemente a obrigava a
guardar o leito por alguns dias.
A par dos contínuos socorros médicos prestados por Dr.
Murtinho, este continuava a recomendar à sua paciente assíduas temporadas na
estância termal de Aguas da Prata, que começava a criar fama. No fundo, talvez
julgasse surtirem mais efeito os meios de cura dados por Deus do que os
medicamentos criados pela imperfeição do engenho humano, princípio este adotado
também por Dona Lucilia.
É certo que nos períodos passados por ela naquela
cidade, escrevia com assiduidade a seus filhos. Porém, a voragem do tempo e as
vicissitudes da vida apenas nos legaram escassas linhas de um epistolário sem dúvida
abundante. De 1935, são estas duas cartas que até nós chegaram. Uma para Dr.
Plinio, outra, poucos dias depois, para Dona Rosée.
Prata,
29-5-935
Filhão
querido!
Graças a Deus
e a Maria Santíssima, fizemos excelente viagem e aqui estou um pouco cansada, e
tremendo de frio. O dia esteve lindo mas nunca pensei que fizesse tanto frio
aqui! O jantar esteve bem bonzinho. A comida é simples, mas boa, pelo menos a
de hoje. Eu disse ao gerente, logo que cheguei, que a força de hábito era o que
me trazia ao Hotel São Paulo, porque tinha ouvido dizer que a comida estava
muito ruim e que receava, se fosse assim, não poder aguentá-la.
Ele mostrou-se
incomodadíssimo e me garantiu que seria tão bem servida quanto o permitissem as
condições do lugar. Vou começar amanhã com o regime das águas do Paiol e peço a
Deus ardentemente para que eu melhore bastante. (...)
[Com] minhas
bênçãos e muitos beijos e abraços de tua mãe extremosa,
Lucilia.
Na carta a sua filha, entre os assuntos caseiros —
consultas ao Dr. Murtinho e outros — é curioso notar a despretensiosa
referência de Dona Lucilia à estima a ela devotada por uma senhora belga, hospedada
no mesmo hotel. Talvez, por sua psicologia e feitio pessoal, fosse esta uma
retardatária na aquisição da mentalidade de Hollywood e por isso deixava-se
atrair e encantar pela agradável conversa e acolhedora presença de Dona
Lucilia.
Prata,
4-6-1935
Filha querida
Tive o prazer de receber anteontem tua carta e estranhei que não tivesses
aludido a um cartão que te escrevi no dia imediato ao em que te mandei a carta,
te pedindo referências quanto á minha passagem de volta, pois o chefe recolheu
a que levava, dizendo ser aquela somente de ida, e que para a volta, deveria me
munir de outra aqui, isto é, comprar outra.
Será possível
que a [agência] esteja nos explorando por esta forma, ou terei-me enganado, e
seja realmente preciso comprar outras? Peço-te que me mandes dizer qualquer cousa a respeito.
Peço-te também
que digas ao Murtinho que tenho tido estes dois últimos dias frequentes vezes
adormecimento nas mãos, e se ele crê que possa isso ser
devido aos banhos, que acho tão agradáveis e que dizem ser indicados para fazer
boa a circulação. Sentiria muito se tivesse de deixá-los. Estou começando agora
(...) a sentir os bons efeitos da água do Paiol.
Teu pai ainda
não me escreveu depois que aí está. Estou todos os dias à sua espera. Como vai
a minha queridinha?¹ Tenho tantas saudades dela!
Tem aqui no
hotel uma belga inteligentíssima, mas que não deixa de ser um pouco “toquée”², que tem uma prosa muito interessante, que me distrai muito,
mas também me cansa um pouco, porque não quer me deixar, e até no meu quarto
ela se intromete e não me deixa. Sua prosa é ótima, e sei que gostarias muito
de ouvi-la sobre suas inúmeras e interessantes viagens. Quando a ouço, me lembro
sempre de ti, principalmente quando fala sobre a Rússia. Ela mora na Argentina,
e veio só fazer estação em Caldas, e depois em Prata. Regula em idade comigo,
ou um pouco mais velha, mas é exuberante de vida! O marido e os filhos ficaram,
mas parece que mesmo assim, adora os filhos que são cinco, três moços, e dois
pequenos.
Metade do
pessoal já foi. Somos apenas nove agora, e daqui a poucos dias vai nova turma.
Quando chegar a vez da minha belga, vou achar bem falta!
E você,
querida, como vai de saúde? E o Antonio, anda com algum novo bom negócio em
vista? Dá-lhe por mim um abraço.
E a minha casa
e criadagem, como vai? Já estou com muitas saudades de vocês e da minha casinha.
Com minha
bênção para todos três, envio-te muitos beijos e abraços. De tua mãe extremosa,
Lucilia
(Transcrito, com adaptações, da obra Dona Lucilia, de João S. Clá Dias)

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