Porém, de parte de seu filho o
coração de Dona Lucilia muito mais recebia motivos de contentamento do que
apreensões. Consolava-a muito, por exemplo, o fato de ver Dr. Plinio, nóvel advogado,
integrado no Movimento Mariano, assumir uma posição militante em defesa da
Igreja ao participar das controvérsias que animavam os serões no palacete
Ribeiro dos Santos. Quando algum tema polêmico faiscava no ar, Dr. Plinio não
perdia a oportunidade de atear fogo ao debate e entrar com argumentação cerrada
contra algum desvio doutrinário.
Dona Lucilia jamais lhe permitia
qualquer falta de respeito para com os mais velhos — defeito, aliás, que ele
nunca teve — mas no campo da contenda intelectual lhe reconhecia todas as
liberdades. Como o geral das senhoras, normalmente eia não tomava parte ativa
nas discussões. Porém, seguia atentamente seu desenrolar.
Quando estas fervilhavam, os convivas,
antes mesmo de passarem para os sofás ao final da refeição, continuavam
ardorosamente esgrimindo argumentos de um lado e de outro. Os homens puxavam da
cigarreira, os mais antigos enrolavam a palha e fabricavam o próprio cigarro.
Dona Lucilia, dando seu silencioso
apoio a Dr. Plinio, que não cedia terreno, aplicava seu gosto artístico sobre
um palito (palitos e paliteiros eram então de uso obrigatório nas mesas de
refeição). Com auxílio da faca ia levantando pequenas lascas ao longo da haste,
em toda a sua circunferência, do que resultava a formação, na ponta, de algo
semelhante a uma florzinha campestre. Ao fazê-lo, sua fisionomia era de visível
contentamento.
Os parentes acabavam por abandonar
a discussão, chegando mesmo a reconhecer entre si que os argumentos de Dr.
Plinio, de uma lógica surpreendente, não eram nada fáceis de derrubar.
Dona Lucilia, conquanto se abstivesse
de elogiar seu filho, interiormente se rejubilava, entrevendo que ele haveria
de empreender grandes feitos em defesa da Igreja.
As “prosinhas da meia-noite”
Terminada a conversa após o
jantar, as pessoas se despediam e cada uma seguia seu rumo. Dr. Plinio costumava
ir à sede da Congregação Mariana, onde passava, na companhia de seus
correligionários, o resto do serão. Dona Lucilia, por sua vez, entregava-se às
suas longas orações e nelas permanecia até o regresso de seu “filhão”. Quando
este retomava, cerca de meia-noite, ao encontrar sua mãe em plena vigília,
cumprimentava-a com afeto e imediatamente entabulavam uma pequena conversa sobre
os acontecimentos do dia. Podiam comentar a polêmica havida no jantar daquela
noite, o estado de saúde deste ou daquele parente, algo da política
internacional ou — tema que interessava muito a Dona Lucilia — as atividades e
planos de seu filho. Nessa hora não perderia ela, certamente, a oportunidade de
lhe dar um bom conselho, ou de precavê-lo contra as surpresas que a vida nunca
deixa de apresentar.
Era essa a repousante “prosinha
da meia-noite” — tão saudosa para Dr. Plinio até os últimos dias de sua vida —
na qual ele não só se encantava com as palavras de sua querida mãe, mas
sobretudo sentia-se atraído pela atmosfera de calma e doçura que ela criava.
Embora o senso católico permeasse
intensamente aquele convívio, os temas religiosos eram pouco frequentes. Ao
serem estes abordados, demoravam-se neles mais tempo. Por onde quer que Dona Lucilia
levasse a conversa, fazia-o de modo tão afetuoso e elevado, deixava
transparecer tanta suavidade de alma, que até mesmo os assuntos mais
corriqueiros em seus lábios se tornavam cativantes.
Com o correr do tempo, a “prosinha
da meia-noite” adquiriu o caráter de uma instituição que atravessou as décadas,
perdurando até os últimos anos da longa existência de Dona Lucilia.
(Transcrito, com adaptações, da obra “Dª Lucilia”, de Mons João S. Clá Dias)
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