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Presentes dados a Dr. Plinio
Todo ano, por ocasião de
meu aniversário, Natal, Ano Bom, mamãe me dava um presentinho, mas não muito
caro, porque eu tinha pouco dinheiro para dar-lhe e ela vivia de uma rendazinha
que eu lhe concedia. Mas ela comprava o melhor que podia. Dona Lucilia era
desse gênero de pessoas que achava que as coisas tendem ao eterno, e não se
dava bem ideia de como os gostos mudam. Em vez de confiar a Rosée a compra de
uma gravata, ela confiava a papai, porque na família ele era tido, em moço,
como se vestindo muito bem. Então permaneceu aquela ideia: João Paulo veste-se
bem.
Naturalmente, os tempos
passaram, as modas mudaram, mas papai comprava gravatas ao gosto do tempo dele,
sem o esmero que caracterizava mamãe. Mas ela julgava que estava muito bem
comprada, porque “João Paulo veste-se bem”. Há muita gente que envelhece assim,
com esses paradigmas fixos.
Naquele tempo, qualquer
gravata — mesmo que não fosse de muito boa qualidade — vinha coberta por uma
folha de seda, dentro de uma caixa.
Não sei por que, mas em
vez de escrever num cartãozinho, ela o fazia nesse papel de seda. Era o hábito.
Eu respeitava seu modo de fazer, porque neste entravam os pormenores mais
miúdos de uma personalidade que, para mim, no caso dela, tinha um sabor, de
maneira que eu deixava fazer e fingia que achava tudo inteiramente normal.
E uns anos antes de ela
começar a perder a lucidez — ficou com a lucidez meio trincada, bem prejudicada
nos dois últimos anos da vida —, ela teve catarata e via mal. E depois não
dominava bem os braços; para uma pessoa velha, ela os dominava normalmente.
Certo dia eu passei à tufão pelo corredor de meu apartamento e a vi sentadinha
junto à minha escrivaninha — ela julgava que eu me encontrava fora de casa e
estava, então, me preparando a surpresa de aniversário, porque em cada vez uma
gravata, um abajur ou outro objeto assim era uma surpresa.
E ela estava sentadinha
ali, vendo mal, escrevendo ainda com aquelas penas de aço que se molham no
tinteiro e depois se escreve. Caneta tinteiro ela nunca usou. E escrevendo
umas palavras que eram, em geral: “Ao filhão querido, muitos beijos e abraços”,
ou algo semelhante, sem nenhuma pretensão, mas com um cuidado, um esforço, uma
coisa enorme! Ela toda estava empenhada em que aquilo saísse bem feito. Eu
fingi que não notei — creio que ela nem me viu passar — e fui embora. Depois
guardei a caixa.
Era esse o esmero com
que ela fazia qualquer coisa pequena, e até pobre. Com um cuidado que era esse
carinho envolvente como uma campânula, que abrange por inteiro e constituía a
nota característica do afeto materno dela.
Continua
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