O primo cego, que possuía um grande apetite
Por exemplo, esse cego
ao qual me referi era parente dela em grau relativamente longínquo. Acho que
hoje em dia já não se considera primo. Era primo de terceiro ou quarto grau. E
ela teria toda facilidade de se desfazer dele. Bastava num dia recebê-lo um
pouco menos amavelmente que ela o empurraria de lado, e ele não teria coragem
de voltar.
Ela recebia o cego com
muita alegria. Porque o receio dele era ser recebido assim: “Ih! Aqui está ele
de novo!” Então ela fazia o contrário do que o homem podia temer.
— Oh! Fulano, como vai
você?
Na saída:
— Olha, apareça sempre,
dá tanto gosto!
Esse cego era até bem
inteligente, educado e muito discreto. Mas para ele era mais agradável ser
recebido assim do que com a porta semicerrada. Qualquer um compreende isso.
Mamãe conversava com
esse homem longamente. E como ele tinha grande apetite, na hora da refeição
Dona Lucilia tomava o prato dele, escolhia os melhores pedaços de carne,
cortava e, dizendo-lhe o que havia como acompanhamento, perguntava-lhe qual
eram os alimentos de sua preferência. Tendo ele escolhido, ela punha no prato,
depois picava.
Às vezes ela percebia
que ele havia gostado muito mais de uma coisa do que de outra. Então mamãe
chamava a empregada e lhe fazia um sinal… Esta ia, pé ante pé, e punha no prato
do homem aquilo que já estava acabando.
Conforme fosse a
distribuição dos lugares na mesa, se o cego estava sentado perto de mamãe, ela
chamava a empregada e ela mesma completava o prato dele sem fazer nenhum
barulho, de maneira a dar-lhe a impressão de que o alimento predileto ainda não
havia terminado. E o prato do cego não esvaziava nunca!
Ele não perguntava nada.
Não sei se desconfiava, mas o fato é que ele comia valentemente e com apetite.
E daí resultava toda uma atmosfera que dilatava o coração do pobre cego,
deixava-o à vontade e contente.
Na extrema velhice, brincando com o bisneto
Eu a vi na extrema
velhice tratando com o bisneto dela. E me perguntei a mim mesmo: “Como é que
mamãe vai arranjar um jeito de ter um terreno comum — ela bisavó — com esse
menininho nascido na ponta da descendência e já portador de outros impulsos, de
um meio muito diferente do nosso?”
Ele entrava no salão ou
no quarto onde Dona Lucilia estivesse, e ela abria os braços para ele, que ia
correndo e encostava a cabeça no peito dela. Ela o agradava: “Filhinho”. Eu via
que ele ficava todo refrigerado.
Mamãe o deixava estar um
instantinho ali e dizia para ele qualquer coisa do gênero seguinte: “Vamos
brincar nós dois lá fora?”, para sair do ambiente dos mais velhos, onde havia
uma conversa que o bisneto não entendia; e iam os dois fazer uma conversinha à
altura dele.
Dirigiam-se para um
quarto onde já havia uns brinquedinhos para ele. E esse entretenimento, em
geral, ia até a hora em que a mãe ou a avó o levava embora. E notava-se que o
menino saía porque não tinha remédio; ele queria ficar lá brincando.
Ele tinha uma pronúncia
ligeiramente estrangeira, diferente da portuguesa. Não a chamava de bisavó —
aliás, no Brasil nenhum bisneto diz bisavó, e sim “vovó” —, mas pronunciava
carregado e dizia “pizavó”. Ela achava graça, mas nem dizia nada.
Ao entrar no local onde
Dona Lucilia estava, ele falava: “Pizavó! pizavó! pizavó!”, e começava a
conversar com ela.
Através desses fatinhos
pode-se ver como era a conduta dela.
Plinio Correa de Oliveira – Extraído
de conferência de 15/4/1982
Nenhum comentário:
Postar um comentário