quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Modo de tratar os pequenos, os fracos e os deficientes - III

O primo cego, que possuía um grande apetite
Por exemplo, esse cego ao qual me referi era parente dela em grau relativamente longínquo. Acho que hoje em dia já não se considera primo. Era primo de terceiro ou quarto grau. E ela teria toda facilidade de se desfazer dele. Bastava num dia recebê-lo um pouco menos amavelmente que ela o empurraria de lado, e ele não teria coragem de voltar.
Ela recebia o cego com muita alegria. Porque o receio dele era ser recebido assim: “Ih! Aqui está ele de novo!” Então ela fazia o contrário do que o homem podia temer.
— Oh! Fulano, como vai você?
Na saída:
— Olha, apareça sempre, dá tanto gosto!
Esse cego era até bem inteligente, educado e muito discreto. Mas para ele era mais agradável ser recebido assim do que com a porta semicerrada. Qualquer um compreende isso.
Mamãe conversava com esse homem longamente. E como ele tinha grande apetite, na hora da refeição Dona Lucilia tomava o prato dele, escolhia os melhores pedaços de carne, cortava e, dizendo-lhe o que havia como acompanhamento, perguntava-lhe qual eram os alimentos de sua preferência. Tendo ele escolhido, ela punha no prato, depois picava.
Às vezes ela percebia que ele havia gostado muito mais de uma coisa do que de outra. Então mamãe chamava a empregada e lhe fazia um sinal… Esta ia, pé ante pé, e punha no prato do homem aquilo que já estava acabando.
Conforme fosse a distribuição dos lugares na mesa, se o cego estava sentado perto de mamãe, ela chamava a empregada e ela mesma completava o prato dele sem fazer nenhum barulho, de maneira a dar-lhe a impressão de que o alimento predileto ainda não havia terminado. E o prato do cego não esvaziava nunca!
Ele não perguntava nada. Não sei se desconfiava, mas o fato é que ele comia valentemente e com apetite. E daí resultava toda uma atmosfera que dilatava o coração do pobre cego, deixava-o à vontade e contente.
Na extrema velhice, brincando com o bisneto
Eu a vi na extrema velhice tratando com o bisneto dela. E me perguntei a mim mesmo: “Como é que mamãe vai arranjar um jeito de ter um terreno comum — ela bisavó — com esse menininho nascido na ponta da descendência e já portador de outros impulsos, de um meio muito diferente do nosso?”
Ele entrava no salão ou no quarto onde Dona Lucilia estivesse, e ela abria os braços para ele, que ia correndo e encostava a cabeça no peito dela. Ela o agradava: “Filhinho”. Eu via que ele ficava todo refrigerado.
Mamãe o deixava estar um instantinho ali e dizia para ele qualquer coisa do gênero seguinte: “Vamos brincar nós dois lá fora?”, para sair do ambiente dos mais velhos, onde havia uma conversa que o bisneto não entendia; e iam os dois fazer uma conversinha à altura dele.
Dirigiam-se para um quarto onde já havia uns brinquedinhos para ele. E esse entretenimento, em geral, ia até a hora em que a mãe ou a avó o levava embora. E notava-se que o menino saía porque não tinha remédio; ele queria ficar lá brincando.
Ele tinha uma pronúncia ligeiramente estrangeira, diferente da portuguesa. Não a chamava de bisavó — aliás, no Brasil nenhum bisneto diz bisavó, e sim “vovó” —, mas pronunciava carregado e dizia “pizavó”. Ela achava graça, mas nem dizia nada.
Ao entrar no local onde Dona Lucilia estava, ele falava: “Pizavó! pizavó! pizavó!”, e começava a conversar com ela.
Através desses fatinhos pode-se ver como era a conduta dela.

Plinio Correa de Oliveira – Extraído de conferência de 15/4/1982

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