Como vimos no último post, após o período de convalescença nas termas de Wiesbaden, Dona Lucilia dirigiu-se com seus familiares para a capital francesa, onde acabaria por se restabelecer da operação a que fora submetida na Alemanha.
Então nos derradeiros reluzimentos da Belle Époque, Paris atraía com seus esplendores a admiração de todo o mundo e, particularmente, daquela aristocrática dama paulista que sentia profunda afinidade com os encantos e as tradições históricas da “Cidade Luz”.
“Soirées” no teatro da “Opéra”
L’Opéra no ano de 1912... Uma noite de gala em que todos os cavalheiros comparecem de casaca com condecorações, e as senhoras com vestidos de seda e jóias de grande valor. O teatro todo se enche. As luzes brilham e rebrilham nos magníficos cristais dos lustres, as cortinas do palco são de nobre e espesso veludo de seda solenemente pesado.
O público vai chegando com certa antecedência e, nos assentos, as pessoas conversam com os vizinhos. Alguns analisam os camarotes e as frisas, e entre esses observadores está Dona Lucilia. De binóculo em punho, assestando-o ora numa direção, ora noutra, encontra, com alegria, pessoas de muito destaque: “Então, aquela é a família da Duquesa de Uzès... Ali está o Príncipe de Sagan...”
Porém, mais do que algum nome que lhe desperte a curiosidade, mais do que a realidade vista pelas lentes do binóculo, comprazia a Dona Lucilia contemplar aquele ambiente todo, denso de imponderáveis de aristocracia, de elevação de espírito, últimos ecos da Belle Époque. Jamais ela se esquecerá dessas soirées...
Os “cotillons” para os filhos
O alto desejo de perfeição espiritual de Dona Lucilia se refletia numa inteira consonância com o bom gosto e o charme francês que sua alma — ao mesmo tempo fina, delicada e nobre — encontrava ali. Entretanto, não era Paris que mais tomava seu coração, mas sim, em primeiro lugar e acima de tudo, Deus, o Sagrado Coração de Jesus, Nossa Senhora, a Religião Católica, o mundo sobrenatural, a piedade, a virtude. Sem embargo disso, boa parte de sua atenção era ocupada pelos filhos.
O eco de um pequeno fato dá-nos disso testemunho. Dona Lucilia, em traje de gala, compareceu com a família, no fim daquele ano, ao revéillon num dos grandes restaurantes de Paris. De volta ao Hotel Royal, levou para os filhos dois cotillons — objetos distribuídos entre os participantes da festa, com o fito de animá-la. Neste dia, eram varas altas com figuras reluzentes.
Muitos anos mais tarde, Dr. Plinio com reconhecido amor por sua mãe, contará a seus amigos que ninguém costumava levar para casa tais adornos, mas ela abrira exceção à regra, lembrando-se de seus pequenos. Quando estes acordaram de manhã, encontraram os cotillons cuidadosamente amarrados aos pés das respectivas camas.
A doença “incurável” de uma princesa russa
Onde quer que estivesse, Dona Lucilia cativava pela extrema delicadeza e bondade, não só de maneiras, mas sobretudo de alma, despertando a confiança dos que a conheciam. Disso nos dá idéia o seguinte fato.
Uma jovem princesa russa achava-se hospedada com o esposo no mesmo hotel que Dona Lucilia, e não poucas vezes se encontraram aqui, lá e acolá, nas dependências do estabelecimento. Não demorou para que a princesa tomasse a iniciativa de cumprimentá-la, manifestando sua simpatia por ela. O povo russo, talvez tão intuitivo quanto o brasileiro, é dotado de uma percepção muito rápida não só de situações, como também da psicologia das pessoas. Quiçá essa qualidade tenha facilitado à princesa penetrar na alma de Dona Lucilia, dando ocasião a uma confidência sui generis.
Encontrando-se ambas no corredor, próximo ao quarto de Dona Lucilia, a princesa abordou-a em prantos e lhe disse:
— Madame, queira desculpar-me, sei que não tenho direito de me dirigir assim à senhora. Nem nos conhecemos. Todavia, por seu olhar e por seu modo de ser, vejo que a senhora é tão bondosa, tão compassiva! Eu me acho numa enorme aflição e queria saber se me permitiria desabafar com a senhora...
Sempre acolhedora, Dona Lucilia logo lhe abriu as portas e o coração. Tomada de angústia, a princesa contou que um renomado médico de Paris lhe tinha diagnosticado um câncer e, em consequência, teria de ser submetida a uma cirurgia muito dolorosa e arriscada. Ela então estava em extremo aflita, na previsão dos sofrimentos e do perigo que a aguardavam. Não queria morrer prematuramente, precisava educar os filhos, tinha toda uma vida diante de si. Chorando, com brandura dizia:
— Abrindo-me com a senhora, tenho esperança de receber algum conselho que me ajude a encontrar uma saída para isto...
Dona Lucilia em poucos minutos a tranquilizou:
— Não desanimemos, os médicos às vezes erram, não são infalíveis, e um sempre pode corrigir o diagnóstico do outro. Ouvi dizer que, precisamente nesta matéria, há no momento, na Suíça, um médico muito bom. Quem sabe, a senhora poderia ir lá, fazer uma consulta...
As palavras de Dona Lucilia — envoltas em benquerença — e seu tom de voz comunicavam profunda paz. A pobre princesa foi sentindo penetrar em sua alma, mesmo dentro da tragédia, o suave bálsamo do bom conselho. Enquanto soluçava baixinho, ouviu Dona Lucilia estimulá-la à oração, para que não se deixasse vencer pelo desespero. Pouco depois, a princesa resolveu ir falar com o esposo, e acabou por convencê-lo a fazer a viagem à Suíça.
Na hora da despedida, em meio a palavras de conforto e encorajamento, Dona Lucilia lhe deu seu endereço no Brasil, para que, precisando, não a deixasse de procurar. Passado algum tempo, estando Dona Lucilia já em São Paulo, recebeu uma carta de sua confidente, na qual esta lhe agradecia tudo o que tinha feito por ela. Contava haver o mencionado médico suíço, depois de vários exames, desmentido inteiramente o diagnóstico de seu colega parisiense. Assim, a princesa dava o caso por resolvido, graças à bondosa e sapiencial orientação de Dona Lucilia.
Continua no próximo post.
Que maravilla encontrarse con un alma de tan gran bondad como Doña Lucilia.
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