sábado, 4 de março de 2017

Dor e seriedade I

A seriedade causa dor, mas o pior sofrimento é o produzido pela falta de seriedade, a qual faz com que a pessoa se sinta vazia, sem ideias, sem ideais, sem vontade.
O sofrimento era algo tão ligado à vida de Dona Lucilia e a todo o ser dela, que eu em pequeno às vezes notava que ela estava sofrendo, porém não sabia por quê. Ficava olhando para ela e contemplando o sofrimento, mas sem compreender o que a fazia sofrer.
Pequenos sofrimentos que originavam um sofrimento global
Mais tarde, quando me tornei um pouco mais velho, fui compreendendo uma ou outra razão de um ou outro sofrimento. Depois, compreendi que os sofrimentos dela formavam um como que edifício. Era um conjunto de razões que a faziam sofrer e que constituíam um grande sofrimento global, o qual era o sofrimento geral da vida dela. Então comecei a ter uma ideia global do que era o sofrimento.
Quando pequeno, eu notava, sobretudo, que mamãe tinha restos de enfermidade devido àquela operação da vesícula, que ela fez na Alemanha em 1912, e percebia que tinha muita dificuldade em caminhar.
Eu notava que, às vezes, meu pai voltava cedo do escritório, passava por casa, pegava-a e saíam os dois a fazerem uma volta a pé. Ele, tendo terminado seu serviço durante o dia, contente com a tarefa, com saúde e vida, um homem muito feliz. Ela, uma pessoa na qual cada passo era uma dor, ao mesmo tempo entendia que não poderia irradiar seu sofrimento sobre o esposo, ser uma causa contínua de dores para ele. Ela deveria fingir que não estava sofrendo, ou contar sorrindo: “Hoje, como estão me doendo os pés!”, e continuar a andar, todos os dias, a extensão recomendada pelos médicos. Nunca terminar antes porque lhe estavam doendo muito, porque essa extensão era necessária para habituar os pés ao esforço adequado.
O sofrimento produz a seriedade
Então, eu percebia que mamãe tinha uma compreensão muito profunda dessa situação. Ela sentia esse sofrimento, e sentia na alma a dor que tem esta quando o corpo sofre dor física. Não é uma dor superficial, mas uma dor profunda. O corpo padece e a alma com isso sofre.
Quando voltava para casa, ela descansava, e nesse momento eu entendia tudo quanto sofrera durante o passeio, porque, sorrindo, mamãe se deitava numa espécie de divã e ficava com os pés imobilizados até que a dor passasse. Ela às vezes gemia sorrindo; então se formava uma roda de pessoas conversando coisas do dia, e por amabilidade perguntavam-lhe:
— Você está melhor, Lucilia?
— Sim, sim, estou melhorando.
Eu estava vendo que era todo o dia a mesma coisa, não acabava mais. E compreendia bem que aquilo trazia para seu espírito um reflexo, que era a seriedade, porque o sofrimento produz a seriedade.
A pior dor que o homem pode ter não é a causada pela seriedade, é a produzida pela falta de seriedade. Sentir-se não sério, vazio, sem ideias, sem ideais, sem querer nada, sem dizer algo que valha qualquer coisa, isto causa um sofrimento pior do que o pior dos sofrimentos.

Um dos melhores dons que Deus pode dar a uma criança é o sofrimento. Não nos queixemos, portanto, dos sofrimentos que tenhamos tido. Pelo contrário, agradeçamos a Nossa Senhora e compreendamos que Ela, assim, nos destinou para a seriedade.
Continua no próximo post.

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