domingo, 7 de agosto de 2016

Dignidade e senhorio


Movidas pelo espírito revolucionário, muitas pessoas se tratam de modo igualitário, favorecendo assim a perda da dignidade e da autoridade. Dona Lucilia velava pela hierarquia, possuía muito senhorio e grande dignidade materna; honrava todos aqueles que se aproximavam dela, e sabia tratar a todos incomparavelmente bem.
     
Dona Lucilia e seu bisneto
 
Quando minha irmã e eu fizemos, mais ou menos, entre dez e treze anos, mamãe começou a nos contar histórias extraídas da literatura francesa, que ela lia e nos transmitia, suprimindo o que havia de ruim. Por exemplo, “Os três mosqueteiros” Dona Lucilia narrava muito bem. Então, os filhos e sobrinhos formavam um bolo para ouvi-la.

As crianças tinham intenso desejo de ouvir as histórias

      A parentela toda ia jantar em casa, e os mais velhos comiam na sala de jantar principal. Havia também uma sala de jantar só para as crianças, e ali nos servíamos. Nossa sala de jantar era bagunça, fala-fala. É preciso dizer que eu era grande bagunceiro nessa sala; falava muito, pois sou muito expansivo. Mamãe, evidentemente, ceava com os mais velhos.
         Mas nós jantávamos com uma pressa louca para ouvir a história que ela ia contar depois. O jantar dela demorava muito mais do que o nosso, porque os mais velhos comiam devagar, ela mesma o fazia lentamente; então, nós começávamos a bater na porta para entrar na sala de jantar e levá-la embora, antes de seu jantar terminar.
         Mamãe cortou esse procedimento muito amavelmente, dizendo que deveríamos respeitar os mais velhos, não entrar na sala de jantar deles, e não podíamos apressar o jantar dela. Era uma pessoa doente, estava se tratando, precisava jantar devagar, e que nós esperássemos, pois havia tempo para tudo.
Ficávamos na porta do corredor, esperando. Mas, de vez em quando, mandávamos uma menina — porque com a menina se é menos severo do que com o menino — abrir a porta. E uma sobrinha dela fazia isso, porque se era mais amável com os sobrinhos; entrava, olhava... E mamãe, com calma, fingia não perceber e, após terminar de jantar, conversava mais um pouquinho com os mais velhos para nos domesticar.
         Quando se levantava, abríamos a porta e caminhávamos com ela para o escritório de meu pai. Ali a cercávamos, todos procuravam pegar em sua mão. Ela ficava recostada no sofá e começava a contar histórias. E nós espichávamos a narração, querendo saber os pormenores. Eram nomes franceses e ingleses e, quando os pronunciávamos de modo errado, ela parava e nos obrigava a pronunciar direito.

         Com uma paciência sem fim, ela ensinava desse modo a adquirirmos calma, e nos entretinha muito agradavelmente; era o melhor entretenimento da semana. E, ao mesmo tempo, ela nos ia ensinando a boa pronúncia francesa e inglesa, e uma porção de outras coisas.
Continua no próximo post.

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