A nobre condição da família de Dona Lucilia
Ao chegarmos a certa idade, ela começou a
nos contar histórias antigas da sua família, os homens importantes que nela
houve, o que fizeram, como viviam, como adquiriram as propriedades, enfim, todo
o passado da família.
Falava bastante
também a respeito da família de meu pai, que pertencia a uma estirpe de muito
destaque em Pernambuco. Quando se casaram, ela foi visitar a família de meu pai
naquele Estado. Então, nos contava como eram, que papel desempenhavam, etc.,
explicando tudo muito comprazida.
Mamãe narrava essas
recordações, sobretudo, para deduzir delas lições de ordem moral, mas, em
paralelo, vinha a condição da família.
O Brasil nunca teve
uma aristocracia propriamente organizada, como na Europa, quer dizer, com
títulos de nobreza hereditários. Durante o Império houve títulos de nobreza,
mas não eram hereditários. Então no Brasil não se constituiu propriamente uma
nobreza, como há na Europa.
Mas havia uma coisa
que equivalia a isso e era o seguinte: as famílias com muitas gerações na
condição de fazendeiros tinham mais ou menos a situação de famílias nobres, e
constituíam uma verdadeira nobreza no País.
Dona Lucilia era de
uma dessas famílias e gostava disso, mas não por razões mundanas, como quem
dissesse: “Olhe como, por ser nobre, sou mais do que você que não o é.” Mas era
como alguém que ama os dons de Deus. Assim ela amava sua situação, pois se
tratava de um dom conexo a ela por seu nascimento.
Nunca notei que
mamãe desejasse ser mais do que era, mas certamente ela recusaria ser menos do
que era. Sem dúvida, defenderia sua posição com muita firmeza e não abriria
mão.
Se ela, por exemplo,
perdesse todo dinheiro e ficasse reduzida a uma condição de mendiga, mesma
nessa situação portar-se-ia como uma senhora nobre, sem dúvida nenhuma, cônscia
daquilo que ela era.
Mamãe tinha muito empenho em que os filhos
dela estivessem bem conscientes disso, e prestava muita atenção em ver com quem
minha irmã e eu nos relacionávamos; e quando queria designar uma pessoa cuja
amizade não nos convinha, ela usava uma palavra muito expressiva da língua
portuguesa: chinfrim.
Continua no próximo post.
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