quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Dignidade e senhorio II

A nobre condição da família de Dona Lucilia 
Ao chegarmos a certa idade, ela começou a nos contar histórias antigas da sua família, os homens importantes que nela houve, o que fizeram, como viviam, como adquiriram as propriedades, enfim, todo o passado da família.
         Falava bastante também a respeito da família de meu pai, que pertencia a uma estirpe de muito destaque em Pernambuco. Quando se casaram, ela foi visitar a família de meu pai naquele Estado. Então, nos contava como eram, que papel desempenhavam, etc., explicando tudo muito comprazida.
         Mamãe narrava essas recordações, sobretudo, para deduzir delas lições de ordem moral, mas, em paralelo, vinha a condição da família.
         O Brasil nunca teve uma aristocracia propriamente organizada, como na Europa, quer dizer, com títulos de nobreza hereditários. Durante o Império houve títulos de nobreza, mas não eram hereditários. Então no Brasil não se constituiu propriamente uma nobreza, como há na Europa.
         Mas havia uma coisa que equivalia a isso e era o seguinte: as famílias com muitas gerações na condição de fazendeiros tinham mais ou menos a situação de famílias nobres, e constituíam uma verdadeira nobreza no País.
         Dona Lucilia era de uma dessas famílias e gostava disso, mas não por razões mundanas, como quem dissesse: “Olhe como, por ser nobre, sou mais do que você que não o é.” Mas era como alguém que ama os dons de Deus. Assim ela amava sua situação, pois se tratava de um dom conexo a ela por seu nascimento.
         Nunca notei que mamãe desejasse ser mais do que era, mas certamente ela recusaria ser menos do que era. Sem dúvida, defenderia sua posição com muita firmeza e não abriria mão.
         Se ela, por exemplo, perdesse todo dinheiro e ficasse reduzida a uma condição de mendiga, mesma nessa situação portar-se-ia como uma senhora nobre, sem dúvida nenhuma, cônscia daquilo que ela era.

Mamãe tinha muito empenho em que os filhos dela estivessem bem conscientes disso, e prestava muita atenção em ver com quem minha irmã e eu nos relacionávamos; e quando queria designar uma pessoa cuja amizade não nos convinha, ela usava uma palavra muito expressiva da língua portuguesa: chinfrim.
Continua no próximo post.

Nenhum comentário:

Postar um comentário