quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Dores incompreendidas, mas nobremente aceitas ( cont )

Continuação do post anterior

Compondo um padrão de católico
Santa Teresinha, numa de suas cartas, afirma que seu tio Guérin era um verdadeiro santo. Muitas atitudes dele, vistas fora do contexto, parecem um pouco duvidosas: ganhou de repente uma alta soma de dinheiro, herdou um castelo, ficou meio metido a nobre, embora fosse da pequena burguesia. Teve assim coisas discutíveis, não imorais; mas um santo é muito mais do que um homem que apenas não é imoral! O tio Guérin parece ter sido, o tempo inteiro, um homem íntegro. Mas parece-me muito mais provável que o Sr. Martin, pai de Santa Teresinha, tenha sido santo. Mas a Igreja ainda não se pronunciou2.
Percebe-se que Santa Terezinha via no tio Guérin um analogado primário3. Portanto, uma pessoa pode compor o seu analogado primário, e Dona Lucilia o compôs de acordo com aquele gênero. A consideração sobre se as almas correspondiam ou não àquele padrão e qual era o relacionamento que assim se estabelecia, foi o objeto da atenção direta e primeira dela na época de sua infância, e durante algum tempo depois.
A isto se somou, de um modo muito natural e orgânico, a Religião, porque se vê que aquele analogado primário era construído segundo uma noção católica de homem, a qual por sua vez se formava conforme uma ideia da Igreja Católica inteiramente exata e verdadeira; ideia essa muito alimentada pelo que a Igreja ensina sobre a santidade, enfim, a respeito de todas as virtudes cristãs.
Uma montanha atrás da qual se levanta o Sol
Para Dona Lucilia, portanto, o grande homem da vida temporal era o pai dela, visto nessa perspectiva.
Mas percebe-se que, a partir daí, seu espírito elevou-se. E, de uma série de satisfações e decepções na ordem pessoal, veio uma certa ideia geral sobre a vida, o conjunto dos homens, o gênero humano, e uma ascensão muito maior, relativa à figura do Sagrado Coração de Jesus, de toda a Religião católica, da piedade, de Nossa Senhora, etc.
E nessa fase, partindo de um ponto de vista moral, há elucubrações metafísicas e religiosas que culminaram na figura do “Quadrinho”4, em cujo olhar se percebe tudo isso, mas se nota também uma enorme e suave decepção, sem vingança nem amargura, sem abandonar uma esperança que está no fundo e faz a alma reportar-se a muito mais alto. No fim do processo, o material primeiro não ficou posto de lado, mas foi ultrapassado, como por exemplo, uma montanha atrás da qual se vê levantar o Sol: a primeira coisa que aparece é a montanha, depois se levanta o Sol, e a montanha parece pequenininha porque o astro-rei está brilhando no horizonte.
Assim também, nesse processo mental, primeiro surgem certos aspectos terrenos, os quais depois são considerados pequenos porque algo maior apareceu.

Continua no próximo post.

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