Continuação do post anterior
Um acordo tácito entre mãe e
filho
Quando
me tornei jovem, ela não cuidava mais de meus trajes; eu mesmo deveria zelar
por eles, mas não o fazia bem porque tinha preguiça. Embora fosse dotado de uma
vista muito boa, jamais fui capaz de perceber as manchas mais sutis em minhas
roupas. É claro que se caísse tinta no tecido eu perceberia, mas pequenas
manchas não as notava. Pensei em ir a um oculista para examinar se havia algum
defeito nos olhos. Mas não se tratava disso; era que eu não percebia mesmo.
Mas
havíamos feito, entre minha mãe e eu, um acordo tácito: quando o defeito não
era enorme, ela fechava os olhos. E eu não deixava passar as falhas enormes.
Então
os outros da família diziam-me: “Plinio, por que você não se veste melhor?
Aperte o laço da gravata! Onde você a comprou?” Eu comprava as gravatas na
primeira casa comercial que encontrasse...
Tal era
minha indiferença em relação a essas coisas que cheguei a fazer um plano:
comprar cinco gravatas iguais para colocá-las sucessivamente, e não ter que
pensar em gravatas. Mas a família soube e fez tamanha algazarra que preferi não
discutir bagatelas.
E como
não conseguiam nada comigo, falavam com minha mãe, pois sabiam ser este o jeito
de obter o que queriam. “Lucilia, fale com o Plinio, você não vê como ele se
descuida?” Ela dizia: “É verdade.” E ficava nisso.
Mas eu
via que ela fazia uma combinação tácita comigo na seguinte base: “Exijo de você
muita distinção de maneiras, modos de falar e de tratar muito corretos. Fecho
os olhos para a questão dos trajes. Mas como homem você tem que ser assim!”
Eu
pensava: “Isto é mais fácil do que entender de roupas. Entro por aqui.”
"A luz de minha Primeira
Comunhão"
Perguntam-me
como ela me preparou para a Primeira Comunhão. De todas as maneiras possíveis,
mas não — como se poderia supor — ministrando lições de Catecismo.
Ela não
me dava lições, mas contava-me a História Sagrada; narrava muito bem,
magnificamente, da maneira mais nobre e entretida que se possa imaginar.
Descrevia os episódios com muita devoção, com encanto e respeito pelas pessoas,
mostrando a gravidade dos atos, a santidade das coisas, de um modo
profundamente formativo.
Ensinou-me
a rezar. Minha irmã e eu, antes que soubéssemos dizer “papai” ou “mamãe”,
quando nos perguntavam onde estava a imagem do Sagrado Coração de Jesus, sabíamos
indicá-la. Quer dizer, conhecíamos Jesus antes de identificar nosso pai ou
nossa mãe. Era a atmosfera religiosa em que nos havíamos formado.
Quando
chegou o momento de nossa Primeira Comunhão, ela disse-nos: “É necessário que
vocês tenham um curso de Catecismo. Combinei com o Pároco, a Fräulein vai
conduzi-los até lá.” Eu via que ela estava sumamente comprazida em que
tivéssemos nosso curso de Catecismo.
O mais
importante era a maneira de ela conduzir-se em face de nós. Neste ponto e nos
outros, um caráter profundamente religioso, que irradiava a piedade, a devoção
em toda a vida e em todo o modo de ser.
Então,
quando ela perguntava: “Filhão, está vindo do Catecismo?” A palavra “Catecismo”
era pronunciada de tal maneira, com tal respeito, tal desejo, manifestados pelo
olhar e por tudo, que eu me deixava penetrar por aquilo profundamente; era um
exemplo vivo e eu ficava encantadíssimo.
Ela
mesma organizou nossos trajes e a comemoração para a Primeira Comunhão. Mas fez
o seguinte: no dia não houve festa, ao contrário do habitual, para que nos
recolhêssemos. A festa realizou-se no dia seguinte.
Depois
de minha Primeira Comunhão, notei ser ela muito atenta a que eu sempre tivesse
imagens, Rosário, e rezasse. E eu percebia que quando saía de meu quarto para
estudos, trabalhos etc., ela para lá se dirigia todos os dias e rezava diante
de minhas imagens por mim. Fazia-o sem me dizer, mas também sem ocultar, de
forma inteiramente natural.
Ela foi,
depois de Nosso Senhor e de Nossa Senhora, a luz de minha Primeira Comunhão.
Como
Dr. Plinio recebia as cartas de sua mãe
Por
vezes, as pessoas me perguntam como, estando longe dela, eu recebia suas
cartas. Na realidade, de uma maneira um pouco diferente da que se poderia
imaginar. Eu estava tão penetrado da presença dela, e tinha com ela tanta união
que, mesmo estando longe, me sentia próximo, me sentia um com ela. As cartas
diziam algo, mas se não chegassem, eu sentiria o mesmo, por causa dessa união
constante.
Então,
eu recebia as missivas com muita satisfação, mas elas me diziam o que eu já
sabia, ou seja, davam-me a certeza de que ela estava sentindo e pensando
aquilo. De tal maneira que me agradava muito receber suas cartas, mas eu tinha
a tendência de não lhe escrever, porque ela já conhecia o que se passava em meu
espírito. E fazia questão fechada: a cada duas ou três cartas que ela me enviasse,
eu respondia.
Entretanto,
eu escrevia por causa dela. Cartas redigidas aos galopes, mas transbordantes de
afeto de todos os gêneros, de todas as maneiras.
Plinio
Correa de Oliveira – Extraído de
conferência de
19/1/1981
Nenhum comentário:
Postar um comentário