“A afabilidade não é apressada e a pressa não é afável”
O assunto que me pediram
tratar se contém, assim, um tanto sinteticamente nesta exposição. Ao contrário
de Dona Lucilia, eu sou esquemático quando falo, embora não seja conciso no que
escrevo, no sentido de que julgo necessário escrever coisas longas por causa da
confusão que há nos espíritos. Mas sou conciso no seguinte: para dizer aquilo
que afirmo, outros usariam muito mais papel do que utilizo. E ela não era
concisa, falava longamente, com circunstâncias, com uma afabilidade sem pressa.
Aliás, a afabilidade não é apressada e a pressa não é afável.
Mamãe contava, entrava
em pormenores, passeava com o interlocutor pelos assuntos de que ela tratava, e
nesse ponto as circunstâncias — não meu temperamento nativo — me obrigaram a
ser diferente dela. E hoje em dia, quando exponho alguma coisa em qualquer
ambiente, por mais filial e amigo que seja esse ambiente, já falo me defendendo
contra as más interpretações. E também, por causa disso, procurando dar uma
concisão didática ao que estou dizendo, para me defender de uma eventual
acusação de ser muito prolixo.
Esse desejo de ajudar e
esse modo de ser dela eu notei muito no seguinte: em relação a todo mundo Dona
Lucilia era afável, mas quanto às pessoas que ela percebia estarem num estado
de debilidade, qualquer que fosse esse estado, mamãe tinha um grau de
afabilidade estudado, não no sentido acadêmico, científico, mas calculado pelo
afeto. No que consistia isso?
Ela via uma pessoa com
alguma lacuna, algum defeito, e analisava de que natureza era o efeito que isso
podia produzir na pessoa. Na pessoa em tese e depois in concreto naquela
pessoa.
Então, no modo de
tratar, ela animava a pessoa e dava a entender que, por afeto, por bondade, ela
se punha inteiramente naquela plana e tinha até certa predileção por aquela
pessoa por causa daquela debilidade. De maneira que a pessoa ficava muito à
vontade, como não costuma ficar um inferior em relação a outro que é superior.
Com ela era o contrário. E, de outro lado, ela fazia isso, nem um pouco com ar
de quem insinua estar fazendo uma esmola ou uma bondade, mas como quem está
atendendo a um apelo de sua própria sensibilidade.
Por exemplo, tratar com
crianças, com idosos e sofredores na vida. Há velhos que se tornam mais ou
menos como certos serviços de mesa; às vezes se quebram tantas peças ao longo
dos anos numa casa, que resta um prato ou dois. Alguns anciãos ficam assim na
vida: o último prato de um serviço de mesa que já quebrou. O que fazer daquele
prato? É um problema. E também pessoas com deficiência física; havia um primo
cego e Dona Lucilia tinha um sobrinho surdo.
Mamãe nasceu em
Pirassununga, e a família dela morou muito tempo nessa cidade. E deixou
parentes, conhecidos etc., mas gente que inserida no ambiente de uma cidade do
interior, como se apresentava naquela época, naturalmente acaipirou-se. E, às
vezes, um ou outro desses aparecia em nossa residência, em São Paulo, para
fazer uma visita; entrava na casa e percebia que todo o ar era diferente.
Como ela os tratava? Era
sempre com uma bondade proporcionada, adequada, estudada, adaptada, que se
tornava uma respiração, um oásis, um alívio para essas pessoas.
Continua no próximo post
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