domingo, 5 de julho de 2015

Farol de justiça e de bondade (cont)

Palavras de fogo e suavidade
Lembro-me de que, passando eu de adolescente para moço, os meus olhos começavam a se abrir para as pessoas com quem convivíamos: parentes, amigos da família, pessoas da mesma categoria social, etc.
E de vez em quando eu comentava com ela essa ou aquela pessoa. Mas eu o fazia logo com palavras de fogo. E ela tinha um modo muito suave de atuar… Ela e eu almoçávamos numa mesa quase redonda, um diante do outro. E minha mão ficava ao alcance da mão dela. Então quando eu sapecava uma pessoa qualquer com um comentário, ela batia com os dedos ligeiramente na minha mão, querendo dizer: “Meu filho, tenha prudência, tenha paciência, veja bem, isso não é exatamente assim.”
Ou significava pelo menos: “Não fale, porque é uma pessoa a quem nós devemos respeito, por tal vínculo de amizade, tal tradição de família, etc.”
E eu, que estava na minha mocidade e na minha truculência natural — meu pai era pernambucano e os pernambucanos são muito facilmente truculentos —, falava no duro. Recordo-me de que, numa ocasião, referindo-me a uma pessoa que conhecíamos, eu disse para ela: “Mamãe, andei prestando atenção nele e notei que é um sacripanta, um sem-vergonha, não vale nada!”
Imediatamente ela tomou uma atitude como quem queria dizer: “É, mas não diga tanto assim, porque é uma pessoa a quem nós devemos algo.” E falou-me:
— Coitadinho — o coitadinho já era avô... —, ele é assim mesmo, mas não devemos olhar tanto para isso.
— Mas, meu bem, como não olhar? Saltam aos olhos as “tratantices” que ele faz. Diga-me a senhora: Ele presta ou não presta?
Lembro-me da saída que ela encontrou. Estávamos almoçando e ela comendo algo de que não me recordo, mas que exigia que ela enrolasse com o garfo, digamos que fosse macarrão. Antes de pôr o garfo na boca, ela disse: “Coitadinho, ele é muito ‘à toinha’ mesmo.”
E eu: “‘À toinha’ não, sem-vergonha!”
Eram os modos de ser próprios a cada um, e ao papel que cada um deveria representar no meio em que estava. E ela, como mãe de família, nas circunstâncias em que se encontrava, desempenhava bem o seu papel.
Martelo e farol
Ela era muito bondosa, mas também muito intransigente. Quer dizer, quando se fazia algum mal, ela não transigia, não elogiava e, às vezes, afirmava: “Aquilo é ruim por tal razão. E fiquem cientes de que eu não estou de acordo com aquela pessoa.”
Mamãe tomava atitude bem firme, porém não ficava sempre martelando. Uma coisa é martelar com insistência, outra é a maneira como uma mãe de família chama atenção para algo. O martelo é bem diferente do farol. O farol ilumina e, às vezes, até cega quem, no mar, está dirigindo um navio. Mas ilumina, não espanca. Ela fazia o papel de farol.

Plinio Correa de Oliveira – Extraído de conferência de 2/10/1993

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