Palavras
de fogo e suavidade
Lembro-me
de que, passando eu de adolescente para moço, os meus olhos começavam a se
abrir para as pessoas com quem convivíamos: parentes, amigos da família,
pessoas da mesma categoria social, etc.
E de
vez em quando eu comentava com ela essa ou aquela pessoa. Mas eu o fazia logo
com palavras de fogo. E ela tinha um modo muito suave de atuar… Ela e eu
almoçávamos numa mesa quase redonda, um diante do outro. E minha mão ficava ao
alcance da mão dela. Então quando eu sapecava uma pessoa qualquer com um
comentário, ela batia com os dedos ligeiramente na minha mão, querendo dizer:
“Meu filho, tenha prudência, tenha paciência, veja bem, isso não é exatamente
assim.”
Ou
significava pelo menos: “Não fale, porque é uma pessoa a quem nós devemos
respeito, por tal vínculo de amizade, tal tradição de família, etc.”
E eu,
que estava na minha mocidade e na minha truculência natural — meu pai era
pernambucano e os pernambucanos são muito facilmente truculentos —, falava no
duro. Recordo-me de que, numa ocasião, referindo-me a uma pessoa que
conhecíamos, eu disse para ela: “Mamãe, andei prestando atenção nele e notei
que é um sacripanta, um sem-vergonha, não vale nada!”
Imediatamente
ela tomou uma atitude como quem queria dizer: “É, mas não
diga tanto assim, porque é uma pessoa a quem nós devemos algo.” E falou-me:
—
Coitadinho — o coitadinho já era avô... —, ele é assim mesmo, mas não devemos
olhar tanto para isso.
— Mas,
meu bem, como não olhar? Saltam aos olhos as “tratantices” que ele faz. Diga-me
a senhora: Ele presta ou não presta?
Lembro-me
da saída que ela encontrou. Estávamos almoçando e ela comendo algo de que não
me recordo, mas que exigia que ela enrolasse com o garfo, digamos que fosse
macarrão. Antes de pôr o garfo na boca, ela disse: “Coitadinho, ele é muito ‘à
toinha’ mesmo.”
E eu:
“‘À toinha’ não, sem-vergonha!”
Eram os
modos de ser próprios a cada um, e ao papel que cada um deveria representar no
meio em que estava. E ela, como mãe de família, nas circunstâncias em que se
encontrava, desempenhava bem o seu papel.
Martelo e farol
Ela era
muito bondosa, mas também muito intransigente. Quer dizer, quando se fazia
algum mal, ela não transigia, não elogiava e, às vezes, afirmava: “Aquilo é
ruim por tal razão. E fiquem cientes de que eu não estou de acordo com aquela
pessoa.”
Mamãe
tomava atitude bem firme, porém não ficava sempre martelando. Uma coisa é
martelar com insistência, outra é a maneira como uma mãe de família chama
atenção para algo. O martelo é bem diferente do farol. O farol ilumina e, às
vezes, até cega quem, no mar, está dirigindo um navio. Mas ilumina, não espanca.
Ela fazia o papel de farol.
Plinio
Correa de Oliveira – Extraído de conferência de 2/10/1993
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