sábado, 4 de abril de 2015

Um feitio de alma, uma forma de bondade (cont)

Continuação do post anterior
Disputando a influência com os maus ambientes
Dona Lucilia com o neto
No âmbito restrito da vida de família, Dona Lucilia considerava como seu dever proporcionar formação, bem-estar, alegria e elevação de alma ao ambiente doméstico, de modo a que seus filhos viessem a ser perfeitos católicos e cumpridores de seu dever. Ela procurava marcar o lar doméstico com uma afabilidade e com um afeto, procurando torná-lo atraente, como forma de disputar a influência com os ambientes que poderiam ser maléficos aos seus.
Desejava ela habituar seus filhos a este modo de ser, a fim de que eles, por sua vez, formassem seus descendentes nessa escola indefinidamente, pois ela entendia que era esse o verdadeiro modo de viver.
Talvez alguém se perguntasse se com tal tranquilidade Dona Lucilia haveria de preparar seus filhos para as dificuldades da vida, ou lhes dar aspirações e anseios de progredir.
Com efeito, Dona Lucilia apresentava sucessivamente uma meta ou um ideal a ser obtido, mas sempre sob o aspecto de um dever. E esse dever era por ela concebido da seguinte forma:
Servir a Deus é mais importante
“Temos uma obrigação de honra para com nossos antepassados, de não nos rebaixarmos, e por essa razão devemos nos esmerar para sustentar a família na altura que corresponde a ela, como à tradição dos maiores que a formaram, pois que as coisas elevadas devem manter sua dignidade.”
Isso não deveria ser feito com vistas a fruir uma vantagem ou um gozo da condição social que possuíamos, mas sim por uma reverência ao ideal de nobreza e elevação enquanto um princípio instituído por Deus. Consequentemente, era necessário viver e lutar para manter nosso estado, e caso fosse possível, elevar-se a condições ainda melhores, sem nunca utilizar para este fim manobras indecorosas. Através de um trabalho honesto e gradual desejávamos poder progredir, pela obrigação de sustentar o nome da família, obrigação que existia e que se desejava manter.
Todavia isso não era o que havia de mais importante. Ser verdadeiro católico, apostólico e romano era o principal. Assim, todas as obrigações para com o nome da família, como também para com sua tradição, tornavam-se secundárias. Servir a Deus era o que havia de mais importante. Contudo, para bem servi-Lo, era necessário devotar o devido respeito e cuidado pelas obrigações de família.
Onde está a felicidade?
Tal obrigação não era uma felicidade, mas antes um dever. A felicidade consistia na elevação piedosa e tranquila da alma, considerando os prazeres simples, despretensiosos e normais da existência. Pois a felicidade não está tanto nas grandes festas, quanto na boa ordenação da vida quotidiana; não está tão intensamente nas grandes viagens, quanto no bom aproveitamento dos lazeres comuns; nem mesmo nas grandes fortunas está a felicidade, mas sim em conferir um significado espiritual e moral ao prazer que se obtém.
Essa é, sobretudo, a felicidade da alma temperante, tranquila e modesta. Uma felicidade capaz de ser sentida até no infortúnio quando se conserva o essencial: a consciência limpa diante de Deus, e um equilíbrio de alma que torne a vida digna de ser vivida.
Correspondendo aos anseios da família
Devido ao instinto materno, todas as mães anseiam que seus filhos venham a desenvolver dotes e qualidades que os tornem ilustres e importantes. Em virtude disso, também Dona Lucilia almejava que eu pudesse ser um grande advogado, quem sabe de maior renome que seu próprio pai, o Dr. Antônio Ribeiro dos Santos.
Ademais, por ser sobrinho do Conselheiro João Alfredo, nossos familiares esperavam que eu me tornasse uma figura à semelhança dele.
Anos mais tarde, quando em 1932 fui eleito deputado para a Constituinte, Dona Lucilia reagiu com uma tranquilidade de alma e uma serenidade impressionantes. Lembro-me de que em nenhum momento a vi exultante, muito embora soubesse que esse fato correspondia plenamente ao que ela esperava de seu filho, apenas aos 24 anos de idade.
O dever acima das ebriedades da glória...
Ocorreu então um tocante episódio com Dona Lucilia por ocasião de minha posse como deputado. A cerimônia fora realizada no Rio de Janeiro, e tantos foram os sacrifícios feitos por mamãe que sua presença era mais que merecida. Naturalmente, convidei meu pai e minha irmã para também irem, e rumamos todos para o Rio.
No dia em que a Constituinte seria inaugurada, dirigimo-nos todos para o ato solene. Dona Lucilia, entretanto, possuía um certo incômodo nos pés devido a um reumatismo, o que não lhe permitia permanecer por muito tempo em pé. Por essa razão chegamos bem antes, e levei-a até uma galeria, local privativo do qual os deputados poderiam dispor para seus convidados.
Começaram a soar as campainhas, indicando que a sessão inaugural da Constituinte iria começar. Tive de deixá-la, dirigindo-me apressadamente para o recinto dos deputados.
Ficou-me então a dúvida se ela obtivera ou não o lugar que esperava.
Quando cheguei ao local onde ficavam os deputados, ainda antes de entrar na bancada paulista, que era a primeira à direita da mesa do Presidente, coloquei-me no meio do salão com o intuito de verificar se ela havia conseguido um bom lugar.
Notei enfim que Dona Lucilia havia obtido um bom lugar, e quando a encontrei fiz um sinal para ela e tomei posição na bancada.
Tempos depois Dona Lucilia fez o seguinte comentário:
“Meu filho, sua mãe ficou muito alegre com sua eleição para deputado. Entretanto, significou muito mais para mim sua atenção de acenar com a mão, quando já estava embaixo, pois que naquela hora em que você poderia estar desvairado pela vaidade, lembrar-se de sua mãe e procurar ver se ela estava bem acomodada, indicava um feitio de alma e uma forma de carinho que vale muito mais que uma carreira de deputado.”
Notei que ela assim pensava: “Caso possível, seja deputado, vá para a frente. Porém, esse não é o papel central da vida. Mais importante é ter uma noção do dever que fica acima das ebriedades da glória. E, consequentemente, ter para com sua mãe o grande reconhecimento que bem sei que você tem.”
Creio que esse episódio torna patente qual era o feitio de espírito de Dona Lucilia.
Plinio Correa de Oliveira – Extraído de conferência de 24/6/1973

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