Continuação do post anterior
Disputando a influência com os maus ambientes
Dona Lucilia com o neto |
No âmbito restrito da
vida de família, Dona Lucilia considerava como seu dever proporcionar formação,
bem-estar, alegria e elevação de alma ao ambiente doméstico, de modo a que seus
filhos viessem a ser perfeitos católicos e cumpridores de seu dever. Ela
procurava marcar o lar doméstico com uma afabilidade e com um afeto, procurando
torná-lo atraente, como forma de disputar a influência com os ambientes que
poderiam ser maléficos aos seus.
Desejava ela habituar
seus filhos a este modo de ser, a fim de que eles, por sua vez, formassem seus
descendentes nessa escola indefinidamente, pois ela entendia que era esse o
verdadeiro modo de viver.
Talvez alguém se
perguntasse se com tal tranquilidade Dona Lucilia haveria de preparar seus
filhos para as dificuldades da vida, ou lhes dar aspirações e anseios de
progredir.
Com efeito, Dona
Lucilia apresentava sucessivamente uma meta ou um ideal a ser obtido, mas
sempre sob o aspecto de um dever. E esse dever era por ela concebido da
seguinte forma:
Servir a Deus é mais importante
“Temos uma obrigação
de honra para com nossos antepassados, de não nos rebaixarmos, e por essa razão
devemos nos esmerar para sustentar a família na altura que corresponde a ela,
como à tradição dos maiores que a formaram, pois que as coisas elevadas devem
manter sua dignidade.”
Isso não deveria ser
feito com vistas a fruir uma vantagem ou um gozo da condição social que
possuíamos, mas sim por uma reverência ao ideal de nobreza e elevação enquanto
um princípio instituído por Deus. Consequentemente, era necessário viver e
lutar para manter nosso estado, e caso fosse possível, elevar-se a condições
ainda melhores, sem nunca utilizar para este fim manobras indecorosas. Através
de um trabalho honesto e gradual desejávamos poder progredir, pela obrigação de
sustentar o nome da família, obrigação que existia e que se desejava manter.
Todavia isso não era
o que havia de mais importante. Ser verdadeiro católico, apostólico e romano
era o principal. Assim, todas as obrigações para com o nome da família, como
também para com sua tradição, tornavam-se secundárias. Servir a Deus era o que
havia de mais importante. Contudo, para bem servi-Lo, era necessário devotar o
devido respeito e cuidado pelas obrigações de família.
Onde está a felicidade?
Tal obrigação não era
uma felicidade, mas antes um dever. A felicidade consistia na elevação piedosa
e tranquila da alma, considerando os prazeres simples, despretensiosos e
normais da existência. Pois a felicidade não está tanto nas grandes festas,
quanto na boa ordenação da vida quotidiana; não está tão intensamente nas
grandes viagens, quanto no bom aproveitamento dos lazeres comuns; nem mesmo nas
grandes fortunas está a felicidade, mas sim em conferir um significado
espiritual e moral ao prazer que se obtém.
Essa é, sobretudo, a
felicidade da alma temperante, tranquila e modesta. Uma felicidade capaz de ser
sentida até no infortúnio quando se conserva o essencial: a consciência limpa
diante de Deus, e um equilíbrio de alma que torne a vida digna de ser vivida.
Correspondendo aos anseios da família
Devido ao instinto
materno, todas as mães anseiam que seus filhos venham a desenvolver dotes e
qualidades que os tornem ilustres e importantes. Em virtude disso, também Dona
Lucilia almejava que eu pudesse ser um grande advogado, quem sabe de maior
renome que seu próprio pai, o Dr. Antônio Ribeiro dos Santos.
Ademais, por ser
sobrinho do Conselheiro João Alfredo, nossos familiares esperavam que eu me
tornasse uma figura à semelhança dele.
Anos mais tarde,
quando em 1932 fui eleito deputado para a Constituinte, Dona Lucilia reagiu com
uma tranquilidade de alma e uma serenidade impressionantes. Lembro-me de que em
nenhum momento a vi exultante, muito embora soubesse que esse fato correspondia
plenamente ao que ela esperava de seu filho, apenas aos 24 anos de idade.
O dever acima das ebriedades da glória...
Ocorreu então um
tocante episódio com Dona Lucilia por ocasião de minha posse como deputado. A
cerimônia fora realizada no Rio de Janeiro, e tantos foram os sacrifícios
feitos por mamãe que sua presença era mais que merecida. Naturalmente, convidei
meu pai e minha irmã para também irem, e rumamos todos para o Rio.
No dia em que a
Constituinte seria inaugurada, dirigimo-nos todos para o ato solene. Dona
Lucilia, entretanto, possuía um certo incômodo nos pés devido a um reumatismo,
o que não lhe permitia permanecer por muito tempo em pé. Por essa razão
chegamos bem antes, e levei-a até uma galeria, local privativo do qual os
deputados poderiam dispor para seus convidados.
Começaram a soar as
campainhas, indicando que a sessão inaugural da Constituinte iria começar. Tive
de deixá-la, dirigindo-me apressadamente para o recinto dos deputados.
Ficou-me então a
dúvida se ela obtivera ou não o lugar que esperava.
Quando cheguei ao
local onde ficavam os deputados, ainda antes de entrar na bancada paulista, que
era a primeira à direita da mesa do Presidente, coloquei-me no meio do salão com
o intuito de verificar se ela havia conseguido um bom lugar.
Notei enfim que Dona
Lucilia havia obtido um bom lugar, e quando a encontrei fiz um sinal para ela e
tomei posição na bancada.
Tempos depois Dona
Lucilia fez o seguinte comentário:
“Meu filho, sua mãe
ficou muito alegre com sua eleição para deputado. Entretanto, significou muito
mais para mim sua atenção de acenar com a mão, quando já estava embaixo, pois
que naquela hora em que você poderia estar desvairado pela vaidade, lembrar-se
de sua mãe e procurar ver se ela estava bem acomodada, indicava um feitio de
alma e uma forma de carinho que vale muito mais que uma carreira de deputado.”
Notei que ela assim
pensava: “Caso possível, seja deputado, vá para a frente. Porém, esse não é o
papel central da vida. Mais importante é ter uma noção do dever que fica acima
das ebriedades da glória. E, consequentemente, ter para com sua mãe o grande
reconhecimento que bem sei que você tem.”
Creio que esse
episódio torna patente qual era o feitio de espírito de Dona Lucilia.
Plinio Correa de
Oliveira – Extraído de conferência de 24/6/1973
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