Para Dr. Plinio, um ambiente não é marcado apenas pela
influência tangível daquilo que o compõe, mas também — e às vezes, sobretudo —
pela ação de algo impalpável que nele paira. Por exemplo, a lembrança da figura
de alguém que ali viveu por longos anos. Nesse sentido, descreve-nos a atmosfera
de sua casa, intensamente marcada pela suave e anterior presença de sua mãe.
Mais de uma vez me
têm dirigido o compreensível pedido de falar sobre o modo de ser de mamãe, e
como ela impregnava de sua presença o ambiente em que se encontrava.
Na tentativa de
definir essa influência, que eu penso feita de imponderáveis, procurarei
descrever como a sinto na minha casa.
“Residência de Dona Lucilia Corrêa de Oliveira”
Antes de tudo, devo
dizer que, até hoje, não sinto a casa como sendo minha, a não ser porque é a de
mamãe. Pois, na verdade, a impressão e tenho em todos os momentos é de que o
apartamento é dela. A tal ponto que, se eu pudesse, orientaria para que
atendessem o telefone dizendo: “Residência de Dona Lucilia Corrêa de Oliveira”.
Só não procedo dessa forma porque seria um tanto extravagante, mas esse desejo
exprime bem essa sensação da presença de mamãe ali.
Trata-se, então, de
explicitar o sentimento que esses imponderáveis nos proporcionam no ambiente do
1º Andar da Rua Alagoas, onde ela morou por tantos anos. Note-se, portanto, não
me refiro a um elogio dos móveis nem da ordenação ou da decoração do lugar.
Falarei dos imponderáveis.
Atmosfera banhada de contemplação
Sinto que, entrando
na casa, é-se cercado por uma atmosfera bem diversa da que se respira fora, até
mesmo na escada que dá acesso ao elevador. Transpõe-se a porta do apartamento e
nos parece respirar outros ares.
Essa atmosfera
diferente se me apresenta, curiosamente, um tanto imóvel. Não da imobilidade da
coisa morta nem figée, mas seria algo semelhante à quietude da contemplação, o
estar parado da pessoa que reza compenetradamente e, por isso, não se
movimenta. Numa posição, portanto, ordenada, refletindo, não a carência, mas a
excelência de vida. Não é a casa de um falecido, onde se sentem ecos vazios em
todos os cômodos. Pelo contrário, tem-se a impressão de que o lar é habitado
por alguém, e nele pulsam sensações próprias de um lugar onde há vida.
Sempre envolta numa certa penumbra
Outro aspecto a ser
ressaltado é o fato de ser uma casa que, apesar de suas janelas de tamanho
comum, nunca recebe a luz do sol inteira, mas se acha sempre envolta numa certa
penumbra. E mesmo nas salas onde a incidência dos raios solares se verifica
mais duradoura, há qualquer coisa nessa luz que a torna atenuada, tamisada, um
pouco diluída, de modo que seu brilho não nos fere.
Ali dentro, os sons
repercutem, mas também alguma coisa os ameniza, regula a tonalidade deles.
Assim, dir-se-ia que a casa como que não permite a uma pessoa, por exemplo, na
sala de jantar, gritar por alguém que se encontra no quarto do fundo. Se o
fizesse, daria a impressão de estar dilacerando os espaços intermediários, em
vez de simplesmente os estar preenchendo com a voz.
É como sinto esses
imponderáveis.
Convite a uma repousante reflexão
Por esses aspectos,
trata-se de uma casa que convida à reflexão atenta, mas repousante. Ela
descansa quem ali medita. De sorte que, naquele ambiente, a pessoa pode se
entregar ao exercício de uma previsão que chegue até o extremo do desfavorável
na construção de suas hipóteses, mas, ao mesmo tempo, com muita confiança e com
a certeza do auxílio do Céu. Pode tomar deliberações fortíssimas, mas estas não
extenuam quem delibera. As decisões se estabelecem e saem do coração da pessoa
mais ou menos como pode sair um facho luminoso de uma luz sem extenuá-la. Em
suma, é um ambiente muito propício ao descanso.
Essa seria a
atmosfera da casa de Dona Lucilia, vista de um lado.
Sob a égide do Coração de Jesus
Considerada de outro
lado, o ambiente todo se explica e se define pela presença da imagem do Sagrado
Coração de Jesus, que está no quarto de mamãe e que parece O habitante por
excelência da casa: tranqüilo, sereno, digno, nobre, afável, convidativo.
E para não deixar de
lado um pormenor interessante, a cadeira de balanço que mamãe usava compõe
muito adequadamente essa atmosfera de imponderáveis. A tal ponto que, em
diversas ocasiões, quando eu mesmo faço uso dessa cadeira, tenho a sensação de
uma maior intimidade com Dona Lucilia. E é de notar que ela não era a única a
se sentar na cadeira, pois outras pessoas da família também o faziam. Mas, ela
se vinculou de tal modo à pessoa de mamãe, e nos traz tanto sua figura à nossa
lembrança, que não é possível considerá-la senão como “a cadeira de Dona
Lucilia”.
Mais uma vez, são os
imponderáveis...
Plinio Correa de
Oliveira – Extraído
de conferência
em 21/4/1977
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