sábado, 3 de janeiro de 2015

Imponderáveis de uma presença

Para Dr. Plinio, um ambiente não é marcado apenas pela influência tangível daquilo que o compõe, mas também — e às vezes, sobretudo — pela ação de algo impalpável que nele paira. Por exemplo, a lembrança da figura de alguém que ali viveu por longos anos. Nesse sentido, descreve-nos a atmosfera de sua casa, intensamente marcada pela suave e anterior presença de sua mãe.
 Mais de uma vez me têm dirigido o compreensível pedido de falar sobre o modo de ser de mamãe, e como ela impregnava de sua presença o ambiente em que se encontrava.
Na tentativa de definir essa influência, que eu penso feita de imponderáveis, procurarei descrever como a sinto na minha casa.
“Residência de Dona Lucilia Corrêa de Oliveira”
Antes de tudo, devo dizer que, até hoje, não sinto a casa como sendo minha, a não ser porque é a de mamãe. Pois, na verdade, a impressão e tenho em todos os momentos é de que o apartamento é dela. A tal ponto que, se eu pudesse, orientaria para que atendessem o telefone dizendo: “Residência de Dona Lucilia Corrêa de Oliveira”. Só não procedo dessa forma porque seria um tanto extravagante, mas esse desejo exprime bem essa sensação da presença de mamãe ali.
Trata-se, então, de explicitar o sentimento que esses imponderáveis nos proporcionam no ambiente do 1º Andar da Rua Alagoas, onde ela morou por tantos anos. Note-se, portanto, não me refiro a um elogio dos móveis nem da ordenação ou da decoração do lugar. Falarei dos imponderáveis.
Atmosfera banhada de contemplação
Sinto que, entrando na casa, é-se cercado por uma atmosfera bem diversa da que se respira fora, até mesmo na escada que dá acesso ao elevador. Transpõe-se a porta do apartamento e nos parece respirar outros ares.
Essa atmosfera diferente se me apresenta, curiosamente, um tanto imóvel. Não da imobilidade da coisa morta nem figée, mas seria algo semelhante à quietude da contemplação, o estar parado da pessoa que reza compenetradamente e, por isso, não se movimenta. Numa posição, portanto, ordenada, refletindo, não a carência, mas a excelência de vida. Não é a casa de um falecido, onde se sentem ecos vazios em todos os cômodos. Pelo contrário, tem-se a impressão de que o lar é habitado por alguém, e nele pulsam sensações próprias de um lugar onde há vida.
Sempre envolta numa certa penumbra
Outro aspecto a ser ressaltado é o fato de ser uma casa que, apesar de suas janelas de tamanho comum, nunca recebe a luz do sol inteira, mas se acha sempre envolta numa certa penumbra. E mesmo nas salas onde a incidência dos raios solares se verifica mais duradoura, há qualquer coisa nessa luz que a torna atenuada, tamisada, um pouco diluída, de modo que seu brilho não nos fere.
Ali dentro, os sons repercutem, mas também alguma coisa os ameniza, regula a tonalidade deles. Assim, dir-se-ia que a casa como que não permite a uma pessoa, por exemplo, na sala de jantar, gritar por alguém que se encontra no quarto do fundo. Se o fizesse, daria a impressão de estar dilacerando os espaços intermediários, em vez de simplesmente os estar preenchendo com a voz.
É como sinto esses imponderáveis.
Convite a uma repousante reflexão
Por esses aspectos, trata-se de uma casa que convida à reflexão atenta, mas repousante. Ela descansa quem ali medita. De sorte que, naquele ambiente, a pessoa pode se entregar ao exercício de uma previsão que chegue até o extremo do desfavorável na construção de suas hipóteses, mas, ao mesmo tempo, com muita confiança e com a certeza do auxílio do Céu. Pode tomar deliberações fortíssimas, mas estas não extenuam quem delibera. As decisões se estabelecem e saem do coração da pessoa mais ou menos como pode sair um facho luminoso de uma luz sem extenuá-la. Em suma, é um ambiente muito propício ao descanso.
Essa seria a atmosfera da casa de Dona Lucilia, vista de um lado.
Sob a égide do Coração de Jesus
Considerada de outro lado, o ambiente todo se explica e se define pela presença da imagem do Sagrado Coração de Jesus, que está no quarto de mamãe e que parece O habitante por excelência da casa: tranqüilo, sereno, digno, nobre, afável, convidativo.
E para não deixar de lado um pormenor interessante, a cadeira de balanço que mamãe usava compõe muito adequadamente essa atmosfera de imponderáveis. A tal ponto que, em diversas ocasiões, quando eu mesmo faço uso dessa cadeira, tenho a sensação de uma maior intimidade com Dona Lucilia. E é de notar que ela não era a única a se sentar na cadeira, pois outras pessoas da família também o faziam. Mas, ela se vinculou de tal modo à pessoa de mamãe, e nos traz tanto sua figura à nossa lembrança, que não é possível considerá-la senão como “a cadeira de Dona Lucilia”.
Mais uma vez, são os imponderáveis...

Plinio Correa de Oliveira – Extraído de conferência em 21/4/1977

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