quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Amor à perfeição

Para Dr. Plinio, uma feliz harmonia entre o amor ao elevado e o apreço pelo comum revelava a bela variedade da alma de sua querida mãe, Dona Lucilia, bem como a capacidade de ela se adaptar a todas as circunstâncias, procurando sempre considerar os aspectos simbólicos e morais das coisas que a cercavam.
Ao se analisar o modo pelo qual as certezas se apresentavam ao espírito de mamãe, percebe-se que constituía traço dominante da alma dela uma seriedade ao mesmo tempo profunda e muito suave. Dona Lucilia era uma pessoa, como se diz, “pão-pão, queijo-queijo”, isto é, bastante segura quanto ao que via e julgava, sobretudo no tocante às matérias mais elevadas.
Fazer o melhor, até nas menores coisas
Já a respeito das matérias pequenas, vez ou outra ela se mostrava um pouco hesitante. Por exemplo, como ornar um bolo, como fazer um bordado ou como resolver o problema de um empregado, a decisão não lhe vinha prontamente. Dava-se isso pelo fato de mamãe procurar fazer tudo do modo mais perfeito e, portanto, operativamente, não encontrava de imediato o procedimento correspondente ao que ela julgava ser a perfeição naquele ponto. Então, pedia a opinião de terceiros, considerava outras alternativas, etc., até tomar sua resolução.
Um cardápio para o jantar...
Nesse sentido, recordo-me de ter presenciado, certo dia, a seguinte cena. Eu trabalhava fora e, antes de sair, passei pelo corredor de nosso apartamento e percebi que mamãe e papai conversavam numa espécie de living, mais especialmente usado por eles. A porta estava entreaberta, razão pela qual me era possível escutar o que os dois diziam. Detive-me um pouco, sabendo que os dois não haviam notado minha presença, e me deliciei com o diálogo deles.
Dona Lucilia, em pé diante de Dr. João Paulo sentado muito à vontade numa poltrona, perguntava-lhe:
— João Paulo, você acha que tal menu estaria bem para o jantar? O Plinio gostaria de comer tal prato?
Ela o inquiria quase com uma sorte de minúscula aflição para determinar o cardápio de minha preferência. Ou seja, tratava-se de acertar naquilo que eu poderia querer.
Meu pai, sempre amável e de bom gênio, ouviu a pergunta e respondeu, sem maior reflexão:
— Acho que está bom, sim.
Mamãe, ainda não convencida, insistiu:
— Mas, e tal coisa, ou tal outra? Qual delas agradaria mais ao Plinio?
A resposta dele:
— Olha: é preciso não complicar as coisas. Esse negócio de menu... Se fosse comigo eu diria a ele: “Rapaz (um modo aliás muito pernambucano de se dirigir ao filho), o que tem aqui para comer é isto e isto. Se você quiser, está à sua disposição; se não, vá comer num restaurante.”
Ora, dar ensejo a que eu comesse fora de casa era exatamente o que mamãe não queria! Ela desejava ter-me ao lado dela, à mesa. Então acabou optando por um prato qualquer, típico de nossa culinária brasileira. Logo depois eu saía para trabalhar, levando comigo este pensamento: “Bem se vê que pai é pai, mas mãe é mãe!”.

Para mim importava pouco o conteúdo do cardápio, pois eu me regalaria com qualquer coisa que mamãe me fizesse. Porém, aquele fato me fez compreender como, nela, cada ponto era pensado e refletido até os últimos pormenores. E era a propósito destes que Dona Lucilia às vezes se mostrava hesitante.
Continua no próximo post

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