Para Dr. Plinio, uma feliz
harmonia entre o amor ao elevado e o apreço pelo comum revelava a bela
variedade da alma de sua querida mãe, Dona Lucilia, bem como a capacidade de
ela se adaptar a todas as circunstâncias, procurando sempre considerar os
aspectos simbólicos e morais das coisas que a cercavam.
Ao se analisar o modo
pelo qual as certezas se apresentavam ao espírito de mamãe, percebe-se que
constituía traço dominante da alma dela uma seriedade ao mesmo tempo profunda e
muito suave. Dona Lucilia era uma pessoa, como se diz, “pão-pão,
queijo-queijo”, isto é, bastante segura quanto ao que via e julgava, sobretudo
no tocante às matérias mais elevadas.
Fazer o melhor, até nas menores coisas
Já a respeito das
matérias pequenas, vez ou outra ela se mostrava um pouco hesitante. Por
exemplo, como ornar um bolo, como fazer um bordado ou como resolver o problema
de um empregado, a decisão não lhe vinha prontamente. Dava-se isso pelo fato de
mamãe procurar fazer tudo do modo mais perfeito e, portanto, operativamente,
não encontrava de imediato o procedimento correspondente ao que ela julgava ser
a perfeição naquele ponto. Então, pedia a opinião de terceiros, considerava
outras alternativas, etc., até tomar sua resolução.
Um cardápio para o jantar...
Nesse sentido,
recordo-me de ter presenciado, certo dia, a seguinte cena. Eu trabalhava fora
e, antes de sair, passei pelo corredor de nosso apartamento e percebi que mamãe
e papai conversavam numa espécie de living, mais especialmente usado por eles.
A porta estava entreaberta, razão pela qual me era possível escutar o que os
dois diziam. Detive-me um pouco, sabendo que os dois não haviam notado minha
presença, e me deliciei com o diálogo deles.
Dona Lucilia, em pé
diante de Dr. João Paulo sentado muito à vontade numa poltrona, perguntava-lhe:
— João Paulo, você
acha que tal menu estaria bem para o jantar? O Plinio gostaria de comer tal
prato?
Ela o inquiria quase
com uma sorte de minúscula aflição para determinar o cardápio de minha
preferência. Ou seja, tratava-se de acertar naquilo que eu poderia querer.
Meu pai, sempre
amável e de bom gênio, ouviu a pergunta e respondeu, sem maior reflexão:
— Acho que está bom,
sim.
Mamãe, ainda não
convencida, insistiu:
— Mas, e tal coisa,
ou tal outra? Qual delas agradaria mais ao Plinio?
A resposta dele:
— Olha: é preciso não
complicar as coisas. Esse negócio de menu... Se fosse comigo eu diria a ele:
“Rapaz (um modo aliás muito pernambucano de se dirigir ao filho), o que tem
aqui para comer é isto e isto. Se você quiser, está à sua disposição; se não,
vá comer num restaurante.”
Ora, dar ensejo a que
eu comesse fora de casa era exatamente o que mamãe não queria! Ela desejava
ter-me ao lado dela, à mesa. Então acabou optando por um prato qualquer, típico
de nossa culinária brasileira. Logo depois eu saía para trabalhar, levando
comigo este pensamento: “Bem se vê que pai é pai, mas mãe é mãe!”.
Para mim importava
pouco o conteúdo do cardápio, pois eu me regalaria com qualquer coisa que mamãe
me fizesse. Porém, aquele fato me fez compreender como, nela, cada ponto era
pensado e refletido até os últimos pormenores. E era a propósito destes que
Dona Lucilia às vezes se mostrava hesitante.
Continua no próximo post
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