sábado, 28 de junho de 2014

Que dignidade!

Apesar da avançada idade, Dª Lucilia jamais abandonou o hábito de rezar o Rosário todas as tardes. Realizava esse importante ato sentada em sua cadeira de rodas, na sala de jantar, enquanto contemplava a copa das árvores da Praça Buenos Aires e se beneficiava dos últimos raios de sol que penetravam pela janela. Eram lindos crepúsculos, como dificilmente ocorrem na cinzenta megalópole que é a São Paulo de hoje. Aqueles entardeceres se harmonizavam admiravelmente com a alma tão brasileira de Dª Lucilia.
Quem teve a ventura de observá-la através das frestas do brise-bise 1 existente na porta do “Salão Azul”, não podia deixar de nela reconhecer um verdadeiro monumento! Não era possível separar a nobreza da religiosidade naquela senhora de 91 anos. Quando se fala de suas virtudes, fala-se necessariamente de nobreza, e vice-versa. Aliás, havia nela algo a mais do que nobreza: Dª Lucilia possuía uma alma augusta.
Ela se punha numa atitude tão ereta, tão composta, e rezava com tanta piedade e devoção que a cena era de comover.
Certo dia, enquanto desfiava o Rosário, ela precisou usar o lenço. “Nessa ocasião — relata um jovem que a observava — pudemos constatar quanto sua respeitabilidade se evidenciava até nos ínfimos gestos”. Sem perceber que estava sendo analisada, ela depôs o terço sobre o vestido, marcando cuidadosamente a dezena em que suspendera a oração, a fim de retomá-la no ponto exato. Tomou então o lenço, utilizando-o com discrição e perfeita compostura. Depois dobrou-o lentamente, guardou-o e continuou a prece.
“Que dignidade!” — foi a exclamação muda que naturalmente brotou no interior de quem teve a graça de assim, de modo furtivo, conhecer Dª Lucilia mais de perto.

Esta atitude dela, como tantas outras, dava oportunidade para se perceber a irradiação da diáfana e envolvente luminosidade de sua alma, um dos encantos de sua benigna e acolhedora presença.
1 Leve cortina translúcida, utilizada para vedar a inteira transparência de janelas ou portas com vidros.

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