Apesar
da avançada idade, Dª Lucilia jamais abandonou o hábito de rezar o Rosário
todas as tardes. Realizava esse importante ato sentada em sua cadeira de rodas,
na sala de jantar, enquanto contemplava a copa das árvores da Praça Buenos
Aires e se beneficiava dos últimos raios de sol que penetravam pela janela.
Eram lindos crepúsculos, como dificilmente ocorrem na cinzenta megalópole que é
a São Paulo de hoje. Aqueles entardeceres se harmonizavam admiravelmente com a
alma tão brasileira de Dª Lucilia.
Quem
teve a ventura de observá-la através das frestas do brise-bise 1 existente na
porta do “Salão Azul”, não podia deixar de nela reconhecer um verdadeiro
monumento! Não era possível separar a nobreza da religiosidade naquela senhora
de 91 anos. Quando se fala de suas virtudes, fala-se necessariamente de
nobreza, e vice-versa. Aliás, havia nela algo a mais do que nobreza: Dª Lucilia
possuía uma alma augusta.
Ela
se punha numa atitude tão ereta, tão composta, e rezava com tanta piedade e
devoção que a cena era de comover.
Certo
dia, enquanto desfiava o Rosário, ela precisou usar o lenço. “Nessa ocasião —
relata um jovem que a observava — pudemos constatar quanto sua respeitabilidade
se evidenciava até nos ínfimos gestos”. Sem perceber que estava sendo
analisada, ela depôs o terço sobre o vestido, marcando cuidadosamente a dezena
em que suspendera a oração, a fim de retomá-la no ponto exato. Tomou então o
lenço, utilizando-o com discrição e perfeita compostura. Depois dobrou-o
lentamente, guardou-o e continuou a prece.
“Que
dignidade!” — foi a exclamação muda que naturalmente brotou no interior de quem
teve a graça de assim, de modo furtivo, conhecer Dª Lucilia mais de perto.
Esta
atitude dela, como tantas outras, dava oportunidade para se perceber a
irradiação da diáfana e envolvente luminosidade de sua alma, um dos encantos de
sua benigna e acolhedora presença.
1
Leve cortina translúcida, utilizada para vedar a inteira transparência de janelas
ou portas com vidros.
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