domingo, 4 de maio de 2014

“Como ela é boazinha”

A saúde de Dª Lucilia, com o correr do tempo, ia cada vez mais inspirando preocupações. Tendo sofrido, em determinado momento, um agravamento súbito, foi necessário tirar uma radiografia. Por estar ela já com as forças debilitadas, seu filho contratou um técnico que realizasse esse exame no próprio apartamento.
Dr. Plinio ficou à espera dele, a fim de conduzi-lo ao quarto materno. Quando ele chegou, carregando todos os apetrechos radiológicos, entraram ambos no aposento. Era um homem de meia-idade, avantajada compleição, moreno, pele escurecida pelo sol, habituado a trabalhos pesados, e com uma certa insensibilidade às dores alheias. Este último aspecto não é de estranhar, pois sua profissão o punha em constante contato com as mais variadas formas de sofrimento humano causado pela enfermidade ou até pela iminência da morte.
Sem sequer olhar Dª Lucilia, o técnico a saudou com um banal “boa-noite”, e começou a preparar os aparelhos para efetuar “mais um serviço”, quiçá o último daquele dia. Porém, tais eram a ternura e o carinho com que Dr. Plinio tratava sua mãe, que o homem talvez se tenha surpreendido. Parou, então, de lidar com seus instrumentos, e quis ver quem era objeto de tanto afeto. Olhou detidamente para Dª Lucilia. Visivelmente comoveram-se as fibras mais sensíveis de sua alma. Aproximou-se da cama e, num gesto de carinho, passou seu enorme dedo por debaixo do queixo dela, dizendo ao mesmo tempo, enlevado:
— Como ela é boazinha!
Era a afetividade brasileira que falava no fundo da alma daquele robusto homem... Dona Lucilia permaneceu em silêncio, sem se mover, como se nada tivesse notado, apesar de tão inopinado gesto constituir involuntária falta de respeito para com a veneranda enferma.

Seu filho, percebendo como a benquerença de Dª Lucilia tocara aquele coração, por sua vez nada disse. Apenas guardou do fato terna e saudosa recordação. 

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