quarta-feira, 2 de abril de 2014

Um período conturbado e cheio de incertezas

A esperança de um longo e ininterrupto convívio com seu filho não esmorecia na alma de Dª Lucilia, porém, quanto mais ela o desejava, mais essa possibilidade parecia ficar distante.
Apenas chegado ao Brasil, Dr. Plinio retornaria às suas intensas atividades em prol da causa católica no País, então atravessando um conturbado período de sua história, cheio de incertezas nos âmbitos social e político. À medida que a situação se agravava, Dr. Plinio se via obrigado a tomar algumas precauções. Fazia o possível para escondê-las aos olhos de Dª Lucilia, a fim de não perturbar, com perspectivas assustadoras, sua respeitável ancianidade. No entanto, não havia como ocultar algumas delas. Que fazer nessa situação?
Optou ele pelo mal menor, e fez o que julgava necessário, sem explicar as razões a sua mãe. Eram novas provações permitidas pela Providência, que Dª Lucilia aceitava com a resignação e a mansidão costumeiras.
“Ah! a minha árvore!?”
No entardecer de sua vida, Dª Lucilia gostava de rezar e refletir, sentada na antiga cadeira de balanço de Dª Gabriela. Ali, serenamente acomodada, costumava passar horas e horas, entremeando suas longas orações com a contemplação de um rendilhado de luz e sombras, movediço e suave, que se projetava nas paredes internas do escritório de seu apartamento. Com efeito, na calçada da Rua Alagoas erguia-se frondosa árvore cujas ramagens tocavam a janela do aposento, oferecendo sobretudo à noite, devido à iluminação pública, esse singelo espetáculo.
Entretanto, essa árvore, tão estimada por Dª Lucilia, tornava o apartamento de Dr. Plinio alvo fácil para possíveis atentados. Obter da Prefeitura Municipal a derrubada imediata dela figurava entre as várias medidas de segurança que ele resolveu tomar. E o fez sem dilação. Mas, para não aumentar a preocupação de sua mãe, não quis pô-la ao corrente do perigo a que ambos estavam expostos e nada lhe disse. Assim, qual não foi a perplexidade dela quando, certa noite, ao olhar para as paredes do escritório, viu projetar-se nestas a banal iluminação da rua, sem nenhuma daquelas belas sombras. Surpresa, exclamou: “Ah! a árvore, minha árvore, onde é que foi?!”
Porém, logo depois, pela reação das outras pessoas, percebeu que a ordem de cortar a árvore partira de seu filho, por alguma razão que ele não lhe pudera revelar. E nunca mais fez qualquer comentário sobre o fato.
Contudo, a gravidade da situação obrigaria Dr. Plinio a medidas mais drásticas.
O porta-jóias de “maroquin” vermelho
“Eu fui ocasião de uma provação não pequena para mamãe”, contou ele certa vez, a propósito de outro episódio ocorrido nessa época.
Em meio aos objetos herdados por Dª Lucilia, encontravam-se belas jóias, algumas das quais podemos observar em suas fotografias. Entre as que ela mais apreciava estavam um broche cravejado de brilhantes, uns brincos de turquesa, um colar de pérolas, bem como outros adornos que as senhoras daquele tempo usavam com alguma freqüência. Para guardá-las, havia ela comprado em Paris uma maleta de maroquin 1.
Estando a situação política do Brasil tão instável, Dr. Plinio começou a se preparar para a eventualidade de ter de abandonar rapidamente o País, a fim de garantir a sua própria liberdade de ação. Para tal circunstância precisava ter em mãos uma quantidade suficiente de dinheiro que lhe garantisse a subsistência no Exterior, por um período que poderia ser mais ou menos longo. Como a venda de algum de seus imóveis poderia levar muito tempo, viu-se na contingência de lançar mão das jóias de Dª Lucilia, preciosas não só pelo valor material, mas sobretudo porque a elas se prendiam inúmeras recordações. Resolveu sacrificá-las nessa situação extrema, certo de que sua mãe cedê-las-ia de bom grado, caso ele lhe pedisse.
Tal como ocorrera com o corte da árvore, Dr. Plinio nada disse à sua mãe, a fim de não a sobressaltar. Seria para ela uma grande aflição saber dos perigos que corriam. Assim, um dia Dr. Plinio entregou a maleta de maroquin com as jóias a Dª Rosée, para que esta as vendesse.
Algum tempo depois, Dª Lucilia deu pela falta da pequena mala, mas, percebendo haver sido Dr. Plinio que a retirara, não o interrogou sobre esse assunto, nem fez qualquer referência ao fato, de tal modo confiava nele. No fundo do olhar de Dª Lucilia, seu filho notava a pergunta: “Por que o Plinio não me conta a razão de sua atitude? Se ele precisava das jóias, não bastava me pedir?”

Era um mistério para Dª Lucilia, que, por respeito para com seu filho, nunca quis desvendar. Serenamente, suportou essa provação até morrer, poucos anos depois.
Continua no próximo post

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