A
esperança de um longo e ininterrupto convívio com seu filho não esmorecia na
alma de Dª Lucilia, porém, quanto mais ela o desejava, mais essa possibilidade
parecia ficar distante.
Apenas
chegado ao Brasil, Dr. Plinio retornaria às suas intensas atividades em prol da
causa católica no País, então atravessando um conturbado período de sua
história, cheio de incertezas nos âmbitos social e político. À medida que a
situação se agravava, Dr. Plinio se via obrigado a tomar algumas precauções.
Fazia o possível para escondê-las aos olhos de Dª Lucilia, a fim de não
perturbar, com perspectivas assustadoras, sua respeitável ancianidade. No
entanto, não havia como ocultar algumas delas. Que fazer nessa situação?
Optou
ele pelo mal menor, e fez o que julgava necessário, sem explicar as razões a
sua mãe. Eram novas provações permitidas pela Providência, que Dª Lucilia
aceitava com a resignação e a mansidão costumeiras.
“Ah! a minha árvore!?”
No
entardecer de sua vida, Dª Lucilia gostava de rezar e refletir, sentada na
antiga cadeira de balanço de Dª Gabriela. Ali, serenamente acomodada, costumava
passar horas e horas, entremeando suas longas orações com a contemplação de um
rendilhado de luz e sombras, movediço e suave, que se projetava nas paredes
internas do escritório de seu apartamento. Com efeito, na calçada da Rua
Alagoas erguia-se frondosa árvore cujas ramagens tocavam a janela do aposento,
oferecendo sobretudo à noite, devido à iluminação pública, esse singelo
espetáculo.
Entretanto,
essa árvore, tão estimada por Dª Lucilia, tornava o apartamento de Dr. Plinio
alvo fácil para possíveis atentados. Obter da Prefeitura Municipal a derrubada
imediata dela figurava entre as várias medidas de segurança que ele resolveu
tomar. E o fez sem dilação. Mas, para não aumentar a preocupação de sua mãe,
não quis pô-la ao corrente do perigo a que ambos estavam expostos e nada lhe
disse. Assim, qual não foi a perplexidade dela quando, certa noite, ao olhar
para as paredes do escritório, viu projetar-se nestas a banal iluminação da
rua, sem nenhuma daquelas belas sombras. Surpresa, exclamou: “Ah! a árvore,
minha árvore, onde é que foi?!”
Porém,
logo depois, pela reação das outras pessoas, percebeu que a ordem de cortar a árvore
partira de
seu filho, por alguma razão que ele não lhe pudera revelar. E nunca mais fez
qualquer comentário sobre o fato.
Contudo,
a gravidade da situação obrigaria Dr. Plinio a medidas mais drásticas.
O porta-jóias de “maroquin”
vermelho
“Eu fui
ocasião de uma provação não pequena para mamãe”, contou ele certa vez, a
propósito de outro episódio ocorrido nessa época.
Em meio
aos objetos herdados por Dª Lucilia, encontravam-se belas jóias, algumas das
quais podemos observar em suas fotografias. Entre as que ela mais apreciava
estavam um broche cravejado de brilhantes, uns brincos de turquesa, um colar de
pérolas, bem como outros adornos que as senhoras daquele tempo usavam com
alguma freqüência. Para guardá-las, havia ela comprado em Paris uma maleta de
maroquin 1.
Estando
a situação política do Brasil tão instável, Dr. Plinio começou a se preparar
para a eventualidade de ter de abandonar rapidamente o País, a fim de garantir
a sua própria liberdade de ação. Para tal circunstância precisava ter em mãos
uma quantidade suficiente de dinheiro que lhe garantisse a subsistência no
Exterior, por um período que poderia ser mais ou menos longo. Como a venda de
algum de seus imóveis poderia levar muito tempo, viu-se na contingência de
lançar mão das jóias de Dª Lucilia, preciosas não só pelo valor material, mas
sobretudo porque a elas se prendiam inúmeras recordações. Resolveu
sacrificá-las nessa situação extrema, certo de que sua mãe cedê-las-ia de bom
grado, caso ele lhe pedisse.
Tal
como ocorrera com o corte da árvore, Dr. Plinio nada disse à sua mãe, a fim de
não a sobressaltar. Seria para ela uma grande aflição saber dos perigos que
corriam. Assim, um dia Dr. Plinio entregou a maleta de maroquin com as jóias a
Dª Rosée, para que esta as vendesse.
Algum
tempo depois, Dª Lucilia deu pela falta da pequena mala, mas, percebendo haver
sido Dr. Plinio que a retirara, não o interrogou sobre esse assunto, nem fez
qualquer referência ao fato, de tal modo confiava nele. No fundo do olhar de Dª
Lucilia, seu filho notava a pergunta: “Por que o Plinio não me conta a razão de
sua atitude? Se ele precisava das jóias, não bastava me pedir?”
Era um
mistério para Dª Lucilia, que, por respeito para com seu filho, nunca quis
desvendar. Serenamente, suportou essa provação até morrer, poucos anos depois.
Continua no próximo post
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