quinta-feira, 6 de março de 2014

As despedidas

Dona Lucilia (à esquerda) e sua irmã, Dona Yayá
A fim de, no entardecer da existência de Dª Lucilia, amenizar-lhe em algo a paciente solidão, seu filho todos os dias a entretinha com uns 40 minutos de conversa após o jantar. Ao perspicaz e diligente olhar de Dr. Plinio não era difícil discernir as provações que afligiam a alma de sua mãe, cujo involuntário isolamento era, por certo, muito penoso. Para animá-la, costumava lhe repetir, num tom repassado de carinho:
— Mãezinha! força, energia, ênfase, resolução!
A tais palavras, Dª Lucilia respondia com um ligeiro sorriso de contentamento, sem nada dizer. A certa altura dessa prosinha, os inadiáveis deveres de apostolado de Dr. Plinio vinham pôr termo ao abençoado convívio. Embora com o coração partido por ter de deixar sua mãe apenas em companhia da boa Olga (e mais tarde na da Mirene, que a esta sucedeu), ele se levantava e, depois de se despedir dela com muito afeto, dirigia-se para o elevador. Não raras vezes Dª Lucilia o seguia até lá, querendo desfrutar até o último instante a doce companhia de seu filho. Ocasionalmente uma tocante cena podia ser observada no momento em que Dr. Plinio abria a porta do elevador. Com sua voz meiga e afável, esperançosa de ainda retê-lo, Dª Lucilia lhe dizia sorridente:
— Filhão, você não tem pena de deixar sua mãe tão sozinha?
Que esforço Dr. Plinio devia fazer sobre si mesmo, para resistir a tão suave apelo! Contudo, estavam à sua espera para assistir às reuniões feitas por ele todas as noites, aqueles que a Providência lhe destinara como seguidores na Contra-Revolução. Aliás, estes talvez ignorassem que as graças ali recebidas custavam o sacrifício da penosa solidão de Dª Lucilia, ainda mais penosa depois da morte de Dr. João Paulo.
Como explicar a Dª Lucilia tudo isso? Afinal, premido pelo dever, Dr. Plinio osculava a fronte de sua mãe e respondia:
— Meu bem, lamento muito, mas agora é minha obrigação ir ter com os meus companheiros de apostolado.
Depois de a oscular uma vez mais, entrava no elevador e partia. Em outras ocasiões essas despedidas davam lugar a uma encantadora manifestação de solicitude materna. Dª Lucilia procurava advertir seu filho — homem de mais de cinqüenta anos — como o fazia nos idos tempos em que ele ainda era jovem...
Segundo os antigos padrões, o ascensor subia e descia num ritmo lento, demorando a atingir o andar a que fora chamado. Ora, esta lentidão contrariava o resoluto modo de ser de Dr. Plinio — sempre disposto a agir calma mas prontamente — em especial nos momentos em que urgia atender a seus compromissos. Decidido a ganhar tempo, ele lhe dizia:
— Mãezinha, vou pela escada, pois estou com muita pressa!
E sem mais demora descia, enquanto ouvia ecoar o suave mas peremptório timbre de voz materno:

— Filhão, cuidado! Não corra, senão você cai! Era como se uma vigilante e carinhosa mão procurasse diminuir-lhe a cadência dos passos.

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