Continuação do post anterior
O “sanguinho” dos Rodrigues
Camargo e dos Ortiz
“De
tanto pensar em Itaici, tenho a impressão de já conhecê-la”, escreveu Dª Lucilia
certa vez a seu filho, quando este passava uns dias naquela localidade do
interior paulista. O mesmo se poderia dizer a propósito de cada lugar
percorrido por ele em suas viagens. Desse modo, quer durante as fervorosas e
tranqüilas orações da manhã, quer durante as refeições, nas horas de
contemplação, ao receber visitas, nos afazeres domésticos ou na hora da
“prosinha” noturna, por assim dizer, ela “voou” com seu filho da Itália à
Espanha, “passeou” pelas ruas de Barcelona e, quiçá, tenha “assistido” a uma
tourada em Madri...
No
dia 30 de julho, Dª Lucilia recebeu a seguinte missiva de Dr. Plinio:
Luzinha,
meu amor querido.
Pouco
antes de deixar — muito satisfeito — a Itália, recebi uma carta sua,
queixando-se de que eu só lhe havia enviado uma carta. Respondi logo por outra
carta, e também no telegrama ao Adolphinho, dizendo-lhe que tenho escrito
várias vezes.
Hoje,
dia de minha chegada a Madrid, é festa de S.Tiago, padroeiro da Espanha, dia
Santo com feriado nacional. Nossa embaixada e nosso consulado estão fechados.
Amanhã, conto ir pegar cartas lá, pois, não sem surpresa, este hotel não tinha
correspondência para mim.
Em
Barcelona, passei dias agradabilíssimos. A comida regional catalã é um sonho, e
“Los Caracoles” um dos melhores restaurants do mundo. Papai, lá, estaria no seu
elemento: lagostas, lagostins, camarões, mariscos, ostras, calamaretes, frutos
do mar em quantidade, variedade e sabor incríveis.
Aqui,
cheguei cedo, dormi antes do almoço, dormi depois do almoço, fui a uma tourada,
e passeei por um parque lindo, o Retiro. Gostei da tourada, e muito. Lembrou-me
analogicamente muita estrategia que tenho usado em minha vida, fazendo às vezes
o papel de touro, outras de toureiro. Durante a tourada, até tive uma surpresa:
quando dei acordo de mim, estava aplaudindo sinceramente um toureiro, que
realmente havia logrado o touro de modo exímio. Poucas vezes em minha vida me
tem acontecido de bater palmas espontaneamente e com calor. Uma das coisas de
que gostei foi o estilo dos toureiros: roupas bonitas, varonilidade feita de
força e de saúde sem dúvida, mas sobretudo de vida, agilidade, inteligência.
Devo passar uns dias aqui, indo depois a Sevilha. Dessa cidade, volto a Madrid,
rumo a San Sebastian e Lourdes. Depois Paris. E, em Paris, começará a se pôr a
perspectiva da volta como bem próxima.
Espero
amanhã ter notícias suas. Continue a mandá-las para o Ritz, até que eu dê outro
endereço, e comunique isto a todos.
Bem,
minha flor, meu coração, meu bem: com milhões e milhões de saudades suas, pede
sua bênção, e envia-lhe os beijos mais afetuosos do mundo o seu filhão,
Plinio
Alegrando-se
em constatar o reviver, em seu filho, do sangue de remotos antepassados
hispânicos, e consolada por notar que ele se encontrava forte e saudável, Dª
Lucilia resolveu responder naquele mesmo dia. Na carta, cada notícia ou
comentário — seja uma palavra de carinho ou uma ponta de ironia, uma expressão
de preocupação ou mesmo de temor — trazia a inequívoca nota de serenidade e de
elevação do seu modo de ser.
São
Paulo, 30-VII-1952.
Filho
querido de meu coração!
Com
imenso prazer, recebi hoje tua carta de Madrid, datada de...?, e penalizou-me
tua decepção, não encontrando cartas minhas e de Rosée já endereçadas para aí.
Não
imaginava que, no fundo, tivesses esse “penchant”¹ pelas touradas, é o
“sanguinho” dos Rodriguez Camargo, e Ortiz, que ainda fala!
Peço-te
mais uma vez, como o tenho feito em todas as cartas, que mandes dizer uma missa
no Altar de Nossa Senhora da Begoña, e acender uma vela por intenção de tua
irmã, que tem sido boníssima para mim.
Certamente,
causa-me grande prazer a antecipação de tua volta para cá, mas, ao mesmo tempo,
avaliando o pesar muito natural, aliás, com que o fazes, parece incrível, mas
insensivelmente ponho-me a lastimar que não possas demorar-te... “um pouquinho”
mais.
Quanto
ao frio no Paraná, por enquanto, não tem trazido geada, e eu mais do que nunca
tenho atormentado o bom São Judas Tadeu.
Nossa
casa tão bonita e “cosy”², está suspirando por você. O meu “toureador” está
fazendo falta!
Deves
estar cansado de ler tantas.... niaiseries³, mas é um meio de iludir as
saudades, escrevendo.
Reza
em Lourdes por mim, que rezo, comungo, e faço promessas por ti, meu filho
querido! Com minhas bênçãos, envio-te os mais afetuosos beijos e abraços. De
tua mãe extremosa,
Lucilia
O
bem é eminentemente difusivo, ensina São Tomás. Tal princípio é comprovado até
nas menores atitudes de Dª Lucilia. Sempre ciosa de partilhar com os outros
suas alegrias, convidou Dª Zili a redigir umas palavras, à guisa de post
scriptum, para que também ela pudesse conviver um pouco com o sobrinho:
Meu
querido Plinio.
Vim
jantar com teus Pais. Como sempre, trabalhando muito. Hoje tive um grande
prazer, pois na “Semana dos menores” o diretor do Educandário foi solicitado a
fazer uma conferência e saiu-se admiravelmente. Foi um sucesso e uma vitória
para a Liga4. Já deixamos a casa grande e estamos muito bem instalados na
provisória.
Egoisticamente,
estou contando o tempo que falta para a tua chegada. Beija-te e abraça-te a tua
tia, Zili
(Transcrito,
com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de Mons. João S. Clá Dias)
Nenhum comentário:
Postar um comentário