domingo, 29 de dezembro de 2013

Afetuoso convívio epistolar II

Continuação do post anterior
O “sanguinho” dos Rodrigues Camargo e dos Ortiz
“De tanto pensar em Itaici, tenho a impressão de já conhecê-la”, escreveu Dª Lucilia certa vez a seu filho, quando este passava uns dias naquela localidade do interior paulista. O mesmo se poderia dizer a propósito de cada lugar percorrido por ele em suas viagens. Desse modo, quer durante as fervorosas e tranqüilas orações da manhã, quer durante as refeições, nas horas de contemplação, ao receber visitas, nos afazeres domésticos ou na hora da “prosinha” noturna, por assim dizer, ela “voou” com seu filho da Itália à Espanha, “passeou” pelas ruas de Barcelona e, quiçá, tenha “assistido” a uma tourada em Madri...
No dia 30 de julho, Dª Lucilia recebeu a seguinte missiva de Dr. Plinio:
Luzinha, meu amor querido.
Pouco antes de deixar — muito satisfeito — a Itália, recebi uma carta sua, queixando-se de que eu só lhe havia enviado uma carta. Respondi logo por outra carta, e também no telegrama ao Adolphinho, dizendo-lhe que tenho escrito várias vezes.
Hoje, dia de minha chegada a Madrid, é festa de S.Tiago, padroeiro da Espanha, dia Santo com feriado nacional. Nossa embaixada e nosso consulado estão fechados. Amanhã, conto ir pegar cartas lá, pois, não sem surpresa, este hotel não tinha correspondência para mim.
Em Barcelona, passei dias agradabilíssimos. A comida regional catalã é um sonho, e “Los Caracoles” um dos melhores restaurants do mundo. Papai, lá, estaria no seu elemento: lagostas, lagostins, camarões, mariscos, ostras, calamaretes, frutos do mar em quantidade, variedade e sabor incríveis.
Aqui, cheguei cedo, dormi antes do almoço, dormi depois do almoço, fui a uma tourada, e passeei por um parque lindo, o Retiro. Gostei da tourada, e muito. Lembrou-me analogicamente muita estrategia que tenho usado em minha vida, fazendo às vezes o papel de touro, outras de toureiro. Durante a tourada, até tive uma surpresa: quando dei acordo de mim, estava aplaudindo sinceramente um toureiro, que realmente havia logrado o touro de modo exímio. Poucas vezes em minha vida me tem acontecido de bater palmas espontaneamente e com calor. Uma das coisas de que gostei foi o estilo dos toureiros: roupas bonitas, varonilidade feita de força e de saúde sem dúvida, mas sobretudo de vida, agilidade, inteligência. Devo passar uns dias aqui, indo depois a Sevilha. Dessa cidade, volto a Madrid, rumo a San Sebastian e Lourdes. Depois Paris. E, em Paris, começará a se pôr a perspectiva da volta como bem próxima.
Espero amanhã ter notícias suas. Continue a mandá-las para o Ritz, até que eu dê outro endereço, e comunique isto a todos.
Bem, minha flor, meu coração, meu bem: com milhões e milhões de saudades suas, pede sua bênção, e envia-lhe os beijos mais afetuosos do mundo o seu filhão,
Plinio
Alegrando-se em constatar o reviver, em seu filho, do sangue de remotos antepassados hispânicos, e consolada por notar que ele se encontrava forte e saudável, Dª Lucilia resolveu responder naquele mesmo dia. Na carta, cada notícia ou comentário — seja uma palavra de carinho ou uma ponta de ironia, uma expressão de preocupação ou mesmo de temor — trazia a inequívoca nota de serenidade e de elevação do seu modo de ser.
São Paulo, 30-VII-1952.
Filho querido de meu coração!
Com imenso prazer, recebi hoje tua carta de Madrid, datada de...?, e penalizou-me tua decepção, não encontrando cartas minhas e de Rosée já endereçadas para aí.
Não imaginava que, no fundo, tivesses esse “penchant”¹ pelas touradas, é o “sanguinho” dos Rodriguez Camargo, e Ortiz, que ainda fala!
Peço-te mais uma vez, como o tenho feito em todas as cartas, que mandes dizer uma missa no Altar de Nossa Senhora da Begoña, e acender uma vela por intenção de tua irmã, que tem sido boníssima para mim.
Certamente, causa-me grande prazer a antecipação de tua volta para cá, mas, ao mesmo tempo, avaliando o pesar muito natural, aliás, com que o fazes, parece incrível, mas insensivelmente ponho-me a lastimar que não possas demorar-te... “um pouquinho” mais.
Quanto ao frio no Paraná, por enquanto, não tem trazido geada, e eu mais do que nunca tenho atormentado o bom São Judas Tadeu.
Nossa casa tão bonita e “cosy”², está suspirando por você. O meu “toureador” está fazendo falta!
Deves estar cansado de ler tantas.... niaiseries³, mas é um meio de iludir as saudades, escrevendo.
Reza em Lourdes por mim, que rezo, comungo, e faço promessas por ti, meu filho querido! Com minhas bênçãos, envio-te os mais afetuosos beijos e abraços. De tua mãe extremosa,
Lucilia
O bem é eminentemente difusivo, ensina São Tomás. Tal princípio é comprovado até nas menores atitudes de Dª Lucilia. Sempre ciosa de partilhar com os outros suas alegrias, convidou Dª Zili a redigir umas palavras, à guisa de post scriptum, para que também ela pudesse conviver um pouco com o sobrinho:
Meu querido Plinio.
Vim jantar com teus Pais. Como sempre, trabalhando muito. Hoje tive um grande prazer, pois na “Semana dos menores” o diretor do Educandário foi solicitado a fazer uma conferência e saiu-se admiravelmente. Foi um sucesso e uma vitória para a Liga4. Já deixamos a casa grande e estamos muito bem instalados na provisória.
Egoisticamente, estou contando o tempo que falta para a tua chegada. Beija-te e abraça-te a tua tia, Zili

(Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de Mons. João S. Clá Dias)

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