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Como um cristal de Baccarat |
Alguém
se poderá perguntar: naquela época de tão grandes transformações,
no seu âmbito pessoal como no de toda a humanidade, qual foi o papel
desempenhado por Dª Lucilia?
Foi,
antes de tudo, o da heroica fidelidade aos valores perenes aos
princípios católicos.
A
conferência de Yalta — onde os líderes das nações que venceriam
a Guerra decidiram os novos rumos para a humanidade — levantara um
marco nas mentes, e a partir de então todo princípio era
sacrificado em aras da convivência pacífica. Por todo lado de há
muito se vinha acentuando a tendência para abandonar veneráveis
tradições, com vistas a uma adaptação à modernidade.
Contra
esse modo de ser, o grande ato de heroísmo de Dª Lucilia foi o de
se manter sempre fiel e dócil aos ensinamentos da Igreja Católica.
Ou, por outra, cada vez mais semelhante a seu Divino Modelo, o
Sagrado Coração de Jesus. Isto implicava um martírio cotidiano,
instante a instante, pois tudo convidava a uma atitude de concessão
e de transigência perante o mal, e foi-lhe necessária uma retidão
de alma a toda a prova, uma luta constante e total para permanecer
inabalável em sua posição de fidelidade.
Ao
mesmo tempo, a doçura dela fazia compreender quanto havia de humano
nessa retidão. Do contrário, ter-se-ia a impressão de inclemência.
O
cristal de Baccarat, forte mas capaz de uma certa flexão, bem
poderia ser um símbolo dessa dama, cuja alma era assim. Suas
delicadezas, as suavidades de seu trato, o acerto de seus juízos, a
firmeza de suas decisões, todos os imponderáveis de sua pessoa,
eram predicados que refletiam as singulares qualidades desse cristal,
algumas até aparentemente antitéticas: brilho, distinção, rijeza
ao lado da flexibilidade e da subtileza.
Semelhante
riqueza, capaz de abranger qualidades tão opostas, só se explica
pelo fato de haver em Dª Lucilia um ponto de equilíbrio
fundamental, que dava a fisionomia da alma dela.
Serenidade
a toda prova
Em
razão desse modo de ser, nenhuma circunstância, por pior que fosse,
conseguia abalar a paz de alma de Dª Lucilia.
Certo
dia, na pacata São Paulo de então, uma tragédia comoveu a cidade
inteira. Tendo-se incendiado um ônibus, na avenida Angélica, muitos
passageiros pereceram entre as chamas. O veículo era da linha
“Avenida”, a mesma que Dr. Plinio costumava utilizar para ir ao
escritório de advocacia.
Quando
soube do pavoroso acidente, o primeiro pensamento de Dª Lucilia foi
de que seu filho podia ter sido uma das vítimas. Se, para um coração
materno, nada há de mais constrangedor do que a perspectiva da morte
de um filho, incalculável foi a angústia que tomou conta do
espírito de Dª Lucilia. Mas acolheu-se confiante à proteção do
Sagrado Coração de Jesus, diante de cuja imagem ficou rezando, à
espera de alguma informação segura.
Dª
Rosée, sempre muito expedita, começou logo a tentar localizar o
irmão. Telefonou aos amigos dele a fim de averiguar se tinham
notícias mais exatas, e lhes pediu que verificassem a identidade das
vítimas. Ora, justamente nesse dia, um dos amigos de Dr. Plinio do
“Grupo do Legionário”, José Gustavo de Souza Queirós, estava
hospitalizado com uma grave doença, que acabaria por leválo desta
vida, pouco tempo depois. Dr. Plinio abreviara suas ocupações no
centro da cidade para lhe fazer uma longa visita, esquecendo-se,
porém, de deixar aviso em casa.
Afinal,
por volta das oito e meia da noite, chegou ele sem ter a menor idéia
da situação reinante no lar. Ao dobrar a esquina da rua Sergipe,
avistou a sobrinha, Maria Alice, junto ao portão da casa, andando
inquieta de um lado para outro. Ela e Dª Rosée foram a seu encontro
e, ainda sobressaltadas, contaram-lhe o ocorrido.
Avaliando
a angústia de Dª Lucilia, Dr. Plinio entrou apressadamente em casa.
Encontrou-a aflita, mas tranqüila, sentada na cadeira de balanço.
Ele a abraçou e osculou como de costume, e lhe perguntou como se
sentia depois dessa atroz tribulação.
Com a
suavidade de sempre, Dª Lucilia respondeu:
- Meu
filho, que bom vê-lo novamente! Estava apreensiva, mas acreditava
que nada lhe tivesse acontecido... Agora vou me recolher, porque a
preocupação afetou-me o fígado e não estou passando bem.
Após
um dia de tanto sofrimento, dos lábios de Dª Lucilia não partiu
uma queixa sequer. Com a alma em paz, foi para seu quarto, dando
graças a Deus por ter seu filho junto a si.
(Transcrito,
com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de Mons. João S. Clá Dias)
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